Escravidão e Espiritismo
-V-
‘Planejamento:
Expiação e Resgate’
por Alberto de Souza Rocha
Abril 1988
Comecemos por transcrever, de uma obra didática, o que se segue:
“A
pretexto de salvar as almas, a bula Dum Diversas, do Papa Nicolau V, de
1452, autorizava a escravidão. Permitia aos portugueses, nas suas
viagens de descobertas, penetrar no reino dos sarracenos
(destaque do autor), dos pagãos e de outros inimigos de Cristo e tomar
como escravos seus prisioneiros. Estes deveriam ser batizados para terem
as suas almas ‘salvas’. O que viria depois, segundo a moral da época,
isto é, escravidão ou a exploração do homem, era de importância
secundária.” (Panorama Geográfico Brasileiro”, Melhen Adas, Editora
Moderna, 2ª Edição.)
Sigamos. Então, os fatos.
Chegavam por
mar às terras brasileiras para os grandes latifúndios os indefesos e
pobres cativos. Em suas pátrias e dentro da respectiva cultura seriam
muitos deles nobres e senhores, reis em suas tribos. Mas vinham eles a
ferros, em infectos porões, para serem vendidos quando a peste não lhes
dava por túmulo o oceano. Ouçamos o que deles nos diz Humberto de Campos
(Espírito) no livro já citado (“Brasil, Coração do Mundo, Pátria do
Evangelho”), na p. 51 da 16ª ed. FEB, pondo o autor espiritual a
exposição nos lábios do próprio Governador do Planeta:
“- Havia eu
determinado que a Terra do Cruzeiro se povoasse de raças humildes do
Planeta, buscando-se a colaboração dos povos sofredores das regiões
africanas; todavia, para que essa cooperação fosse efetivada sem o
atrito das armas, aproximei Portugal daquelas raças sofredoras, sem
violência de qualquer natureza. A colaboração africana deveria, pois,
verificar-se sem abalos perniciosos, no capítulo das minhas amorosas
determinações. O homem branco da Europa, entretanto, está prejudicado
por uma educação espiritual condenável e deficiente. Desejando
entregar-se ao prazer fictício dos sentidos, procura eximir-se aos
trabalhos pesados da agricultura, alegando o pretexto dos climas
considerados impiedosos. Eles terão a liberdade de humilhar os seus
irmãos (...) mas, os que praticarem o nefando comércio sofrerão,
igualmente, o mesmo martírio, nos dias do futuro, quando forem também
vendidos e flagelados em identidade de circunstâncias.”
O referido
autor espiritual, na mesma obra (págs 68 e 69 da 16ª ed. FEB), esclarece
que formavam os escravos coletividades espirituais reencarnadas, já
então sinceramente arrependidos de seu passado delituoso:
“-
Aí se encontravam antigos batalhadores das cruzadas, senhores feudais
da Idade Média, padres e inquisidores, Espíritos rebeldes e revoltados,
perdidos nos caminhos cheios da treva das suas consciências poluta”
Encontravam eles
” (...) nos
carreiros aspérrimos da dor que depura e santifica, a porta estreita
para o céu de que nos fala Jesus nas suas lições divinas”.
Façamos uma reflexão: O
esquecimento das vidas passadas, dir-se-ia, poderia importar na
inutilidade do sofrimento-reparação. Mas as vidas sucessivas são
solidárias, é bom não esquecermos. E, como sabemos, esse esquecimento é
relativo. Em alguns instantes de afastamento do Espírito, de emancipação
da alma, recorda-se a criatura, de uma forma mesmo que nebulosa, mas
suficientemente esclarecedora, de compromissos assumidos e, quando
desperta, consoante o próprio esforço, momentos há em que se lhe fica,
sob a condição de reminiscência, um certo resíduo, traduzido naquele
desejo insistente de resistir às tendências que resultam na provação por
que esteja passando. Tanto maior quanto os seus méritos e a sua
capacidade de resistência. Mas prossegue aquele amigo espiritual
reportando:
“- Foi
por isso que os negros do Brasil se incorporaram à raça nova,
constituindo um dos baluartes da nacionalidade, em todos os tempos. Com
as suas abnegações santificantes e os seus prantos abençoados, fizeram
brotar as alvoradas do trabalho, depois das noites primitivas. Na Pátria
do Evangelho têm eles sido estadistas, médicos, artistas, poetas e
escritores, representando as personalidades mais eminentes.”
E diz, mais:
“Todos
os grandes sentimentos que nobilitam as almas humanas eles os
demonstraram e foi ainda o coração deles, dedicado ao ideal da
solidariedade humana, que ensinou aos europeus a lição do trabalho e da
obediência, na comuna fraterna dos Palmares, onde não havia nem ricos
nrm pobres e onde resistiram com o seu esforço e a sua perseverança, por
mais de setenta anos, escrevendo, com a morte pela liberdade, o mais
belo poema dos seus martírios nas terras americanas.”
Voltemos a páginas atrás do mesmo livro:
“ –
Através das linhas tortuosas dos homens, realizou Jesus os seus grandes
e benditos objetivos, porque os negros das costas africanas foram uma
das pedras angulares do monumento evangélico do Coração do Mundo. Sobre
os seus ombros flagelados, carrearam-se quase todos os elementos
materiais para a organização física do Brasil e, do manancial de
humildade de seus corações resignados e tristes, nasceram lições
comovedoras, imunizando todos os Espíritos contra os excessos do
imperialismo e do orgulho injustificáveis das outras nações do planeta,
dotando-se a alma brasileira de fraternidade, de ternura e de perdão.”
“Mémorias de um Suicida”,
uma obra de peso da lavra do grande Camilo, na psicografia de Yvonne A.
pereira, também esclarece no mesmo sentido:
“Grandes
falanges de romanos ilustres, do Império dos Césares; de patrícios
orgulhosos, de guerreiros altivos, autoridades das hostes de
Diocleciano, como de Adriano e Maxêncio, dolorosamente arrependidos
(...) expungiram sob o cativeiro africano a mancha que lhes enodoava o
Espírito” (p. 534)”. E conta, nas páginas 526 e seguintes, os dramas
vividos e o suicídio de um ex traficante de escravos, suas paixões
inferiores e sua prepotência. O escravo, sua vítima, o perdoara.
Contudo, faz-nos uma severa advertência (página 532):
“As
sociedades brasileiras (...) sofrem hoje e sofrerão ainda, por espaço
de tempo que estará ao seu alcance dilatar ou reprimir, as consequências
das iniquidades que em pleno domínio da era cristã permitiram fossem
cometidos em seu seio. (...) Se não foi crime individual e sim coletivo,
será a coletividade que expiará e reparará o opróbio, o grande martírio
infligido a uma raça carecedora do amparo fraternal da civilação cristã (...).”
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