Escravidão e Espiritismo
A Escravatura
e o ‘Livro dos Espíritos’
por Alberto de Souza Rocha
Na obra
fundamental da Doutrina Espírita não passaria em branco a questão
relacionada com a escravatura. E as afirmações não permitem evasivas:
Questão 829 ‘Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedades de outros homens?’
R.: ‘É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem.
A escravidão é um abuso da força, Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abuso.’
E é Kardec quem prossegue:
‘É
contrária à Natureza a lei humana que consagra a escravidão, pois que
assemelha o homem ao irracional e o degrada física e moralmente.’
É ainda o Codificador que dirá, através da ‘Revista Espírita’ de fevereiro de 1862;
Escravidão! Quando se pronuncia esse nome, o coração sente frrio, porque vê à sua frente o egoísmo e o orgulho’.
Na Questão seguinte (830) de ‘O Livro dos Espíritos’, leremos:
P.: ‘Quando
a escravidão faz parte dos costumes de um povo, são censuráveis os que
dela aproveitam, embora só o façam conformando-se com um uso que lhes
perece natural?’
R.: ‘O mal é sempre o mal e não há sofisma que se torne boa uma ação má.
A responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreende-lo.’
E prossegue o esclarecimento:
‘Aquele
que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da
lei da Natureza. Mas, aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa.
Tendo-se a escravidão introduzido nos costumes de certos povos, possível
se tornou que, de boa fé, o homem se aproveitasse dela como de uma
coisa que lhe parecia natural.’.
Mas logo adiante vem o reverso da medalha:
(...)
‘desde que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do
Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o escravo era um seu igual
perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem’.
Kardec fere agora um aspecto novo. É o da Questão 831:
‘A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes?’
E a resposta não se fez esperar:
‘Sim.,
mas para que estas se elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela
escravidão. Durante longo tempo, os homens consideraram certas raças
humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se
julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga.
Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos!
Nada vêem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o
Espírito.’
Continuemos com ‘O Livro dos Espíritos’; agora a Questão 832:
P.: Há,
no entanto, homens que tratam os seus escravos com humanidade; que não
deixam que lhes falte nada e acreditam que a liberdade os exporia a
maiores privações.
Que dizeis disso?’
R.: ‘Digo
que esses compreendem melhor os seus interesses. Igual cuidado
dispensam aos seus bois e cavalos, para que obtenham bom preço no
mercado. Não são tão culpados como os que maltratam os escravos, mas,
nem por isso deixam de dispor deles como uma mercadoria, privando-os do
direito de se pertencer a si mesmos.’
A questão um
pouco antes suscitada, o problema racial, em que se observam culturas
diferentes, poderia dar alguma razão à escola materialista, a primeira
vista. Entendamos no entanto o que está em ‘Obras Póstumas’, pág 175:
‘A reencarnação no mesmo meio é a causa do caráter distintivo dos povos e da raças.’
A identidade
entre as pessoas do grupo social resulta de encarnações de Espíritos que
entre si já se identificam e que dessa forma se afinizam. Não há,
contudo, inflexibilidade dessa regra geral. Vejamos a Questão 273 da obra básica:
P.: ‘Será possível que um homem de raça civilizada reencarne, por expiação, numa raça de selvagens?’
R.: É,
mas depende do gênero da expiação. Um senhor, que tenha sido de grande
crueldade para os seus escravos, poderá, por sua vez, tornar-se escravo e
sofrer os maus tratos que infligiu a seus semelhantes.’
E é bom
lembrar que também até mesmo por missão. Ora, o homem conscientemente se
interna na selva para ajudar coletividades, mesmo havendo nascido na
Civilização.
Há, não resta
dúvida, justiça nas aflições. Mas é sempre bom termos em mente, antes de
qualquer juízo apressado, falando-se, em tese, o que nos diz Léon Denis
em ‘O Problema do Ser, do Destino e da Dor’:
‘Nem
todos os que sofrem são forçosamente culpados em vias de expiação.
Muitos escolhem vidas penosas e de labor, para colherem o benefício
moral correspondente.’
São exceções,
certamente. Por outro lado, dominadores, de longínquo passado, quantos
de nós guardamos ainda sensíveis reminiscências, quais imagens fugidias,
de certos atos de prepotência. ..
Ao
profligarmos o regime de servidão, que estertora, que oficialmente está
sendo banido das leis e de nossos hábitos, pouco ainda estaremos fazendo
pela remissão daquelas faltas... Mas, pelo menos, fazemo-lo com a
autoridade de um sentimento profundo, a brotar nas raízes da
consciência.
É dessa forma
que saudamos os vultos cujos atos libertários, em nossa Pátria, escoaram
para a grande comporta que se romperia espetacularmente a 13 de maio de
1889, e estamos às vésperas do grande Centenário.
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