Na medida em que vamos analisando os aspectos cientificos do Espiritismo
e avançando sobre as digressões filosóficas, fica muito clara que a
inserção de uma estrutura religiosa se opõem ao desenvolvimento correto
do conhecimento espírita. E o motivo é simples: na estrutura religiosa
não existe lugar para a pesquisa cientifica. E quem acolhe novas
informações cientificas não é e nunca foi uma religião e sim a ciência.
A
ciência espirita foi criada para este fim: coletar informações de
nossas relações com o plano espiritual, elevando nosso conhecimento e
com isso impulsionando nossa capacidade de discernir os valores morais
pelo exercicio da filosofia.
Isso é completamente destruido por
qualquer manifestação de religiosismo. Em nenhum momento da história uma
religião se arvorou na pesquisa isenta de fenomenos quaisquer. Muito
pelo contrário, a pesquisa cientifica desafia os valores estabelecidos e
o status social alcançado por individuos num sistema religioso.
Apesar
disso, contudo, foi instituida uma estrutura religiosa de adoração
externa no Brasil desde o século XIX por meio do sincretismo fomentado
pela escola roustanguista. Essa estrutura, por todos os critérios, seja
pelo conteudo, pela ritualização e pela organização juridica fez surgir
os centros espiritas, de constituição e objetivos bem distantes daquilo
descrito por Kardec no Livro dos Mediuns - Das Socieadades Espiritas.
Sendo
essa estrutura, por todos os critérios, apartada do conceito cientifico
e filosofico do Espiritismo e havendo sido instituidos todos os
subsidios religiosos, desde uma casta sacerdotal (os mediuns), a
ritualização (dinamica das reunioes publicas), sacramentos (passes, agua
fluidificada, corrente de oração), santificação (idolatria a mediuns
famosos) - vamos ter que admitir que foi criada e existe, de fato, a
instituição "Religião Espirita".
Somos obrigados, enfim, a
reconhecer esta instituição. Ela existe e é um fenomeno social. E
podemos avançar: temos que avaliar se já podemos falar em uma "Igreja
Espirita", posto que todos os elementos constitutivos de uma igreja
tradicional estão contidos nessa "Religião Espirita".
Mas, à
parte dessa nova estrutura, ainda existe a Doutrina Espirita. Ela nada
tem a ver com a Religião Espirita, que é uma corrupção dos valores
contidos na codificação que estabelece os axiomas da ciência espirita -
que aguardam, inclusive, comprovação cientifica academica.
Reconhecida
essa nova instituição e suas diferenças para com a Ciência e Filosofia
Espirita, também somos obrigados a anunciar, avaliado o critério de
análise histórica e de conteudo, que a Religião Espirita é uma
dissidência do Espiritismo.
A Religião Espirita é uma negação dos
principios objetivos e racionais da Doutrina Espirita e aos lhe dar
sustentação, seus seguidores anotam para si também o status de
"dissidentes" do Espiritismo.
Desta forma, só pode de fato ser
considerado um espírita aquele que preceitua os valores axiomáticos
contidos na codificação espirita e sua metodologia. A corruptela
religiosa, independente de ser reconhecida, talvez nem deva ser
combatida, uma vez que, ao se tornar uma dissidência, assume caráter
próprio, defensável, inclusive, por lei. A Religião Espirita passa a ser
salvaguardada pela legislação brasileira e um ataque a ela pode, de
fato, ser considerado um atentado à liberdade religiosa.
Não se
trata mais, portanto, da iniciativa de trazer os membros da Religião
Espirita de volta para o Espiritismo. Independente da crítica que se
possa lhes fazer, a dissidencia pode - de fato - ter motivações
ideologicas consistentes. Afinal, foi criado um sistema de
auto-sustentação proprio, manifestado nas obras de Chico Xavier. A
Religião Espirita sobrevive sem a codificação da Doutrina Espirita, mas
ela não se sustenta se dela for retirado o subsidio contido nas obras de
Chico Xavier.
Podemos dizer, então, que o que sustenta
ideologicamente a Religião Espirita são as obras de Chico Xavier e seus
derivados consequentes e seguintes, ativos no mercado editorial
comercial até a presente data.
Já o que sustenta o Espiritismo é a
codificação Doutrinária Espirita e os novos conhecimentos adquiridos
por meio da aplicação do seu sistema metodologico e de investigação
cientifica acadêmica.
Há que se deixar muito clara essa diferença
nos conceitos. Indubitavelmente podemos e devemos declarar que os
desvios na prática espírita deram origem à Religião Espirita e que hoje
não há mais como estabelecer similaridades consistentes entre os dois
pensamentos. A Religião Espirita é a negação dos objetivos do
Espiritismo, mas sua existência deve ser respeitada, desde que seus
seguidores não se arvorem em se declararem espíritas, ou seja,
seguidores da codificação de Kardec e dos espiritos superiores.
Dissidências
sempre houveram na história do pensamento humano. Não seria o
Espiritismo a Filosofia que escaparia ao jogo de conveniencias que
caracteriza toda dissidência. A primeira e mais famosa, tanto quanto
mais grandiosa dissidência sobre um pensamento filosófico chama-se
Igreja Catolica, uma corrupção clara dos principios contidos no
pensamento difundido pelo filósofo Jesus, de alcunha "O Cristo" (que já é
uma nomeclatura corrompida).
A Religião Espirita está para o Espiritismo como a Religião Catolica está para o Cristianismo.
Na prática, a História ensina, mas há quem se recuse a aprender.
A
Religião Espirita não é a unica dissidência do Espiritismo, mas é a
mais forte e a mais organizada - como qualquer sistema religioso acaba
sendo. Aliás, a força de qualquer religião está na sua
institucionalização e na difusão opressiva de sua mensagem ideologica.
Não é diferente hoje e não e diferente com essa nova seita religiosa.
Porém, no universo das novas religiões, acaba sendo uma das menores
dela, perdida no meio de tantas outras, de quase absoluta
inexpressividade na sociedade mundial.
Ao Espiritismo, sendo
ciência e filosofia, cabe o caráter universal de trazer novas
informações e despertar com isso novos valores em toda a população
mundial. Qualquer forma de idéia ou conhecimento que se apresente como
religião tem imediata rejeição da parcela da humanidade que já fez sua
opção religiosa.
Daí que, se o Espiritismo fôsse, de fato, uma
religião, não seria universalista. No entanto, é universalista. A
linguagem da ciência transcende quaisquer sistemas de crenças ou
conveniencias ideologicas ou politicas.
Encaremos, então, o fato
de que a dissidência do Espiritismo, a Religião Espirita, deve ser
reconhecida também para não ser confundida com o Espiritismo. E a nós
cabe levar a mensagem espírita, investigar a fenomenologia, estimular o
pensamento filosofico e fazer a Doutrina Espirita alcançar as mentes e
os corações de cada ser humano encarnado neste planeta.
A ciência não tem limites. A religião tem.
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