11 Escravidão e Espiritismo
-XI-
‘O Tigre da Abolição’
por Alberto de Souza Rocha
Novembro 1988
José Carlos do Patrocínio
nasceu em 9-10-1853 na Cidade de Campos-RJ, sendo filho do vigário João
Carlos, que o reconheceu e mandou educar. Sua mãe chamava-se Justina, a
quem ele amou e protegeu. Nunca escondeu ele sua origem, gabando-se de
mencionar que sua mãe era uma preta que vendia guloseimas no adro da
Igreja-Matriz. Iniciou o estudo de Medicina mas se formou em Farmácia.
Sua verdadeira vocação, porém, eram as letras. Tornou-se jornalista,
publicista, orador e escritor de raro talento, dominando as massas com a
sua pena e o seu verbo eloquente. Deixou três romances: “Mota
Coqueiro”, “Os Retirantes” e “Pedro Espanhol”. Fundou vários órgãos de
imprensa, como ‘A Cidade do Rio”; dirigiu vários jornais; foi redator de
muitos deles e em quase todos colaborou. Desencarnou em 30-1-1905, no
Rio de Janeiro, portanto já na República. E em 1902, acusado de
envolvimento em sedições contra o Governo Floriano, foi preso e
deportado para longínqua região do Norte do País, com outras figuras
ilustres. Conta-se que teve premonição da medida que revogava aquele ato
de força, reanimando os companheiros em pânico que, para logo, foram
devolvidos ao centro cultural e administrativo do País.
Patrocínio, cognominado,
pela energia de seu trabalho e pelo vigor de sua palavra, “O Tigre da
Abolição”, conta-se que, no auge do contentamento, rojou-se aos pés da
sereníssima princesa, no instante em que a Magnânima Senhora assinava a
Abolição da escravatura. Teria exclamado, em arrebatamento:
“- Meu Deus! Não há mais escravos em minha terra.”
O belo soneto alexandrino de José do Patrocínio em “Parnaso de Além-Túmulo”, já o transcrevemos na íntegra. [1]Pois
bem, foi em 1971 que ouvimos sua palavra através do médium Olympio da
Silva Campos e tivemos oportunidades de gravar e copiar importantes
dizeres desse antigo líder da liberdade e sua exposição, em linhas
gerais, coincide com o sentido da poesia aludida. Não deixaremos alguns
trechos;
“Liberdade!
A liberdade de pensar, de realizar, a flâmula da liberdade que todos
nós desejamos esteja erguida bem alto a conclamar os homens na defesa de
seus princípios! Liberdade! Partidário da Justiça, não admitimos que
essa liberdade de que Deus, na sua infinita misericórdia, dotou as suas
criaturas, possa ser cerceada pela prepotência, pelo domínio, pela
maldade, pela ira, pelos golpes de impiedade, com o sangrar constante
das vítimas indefesas, por questões de nascimento, de raça ou de cor,
para o luxo excessivo, no entusiasmo prepotente dos senhores do mundo e
das cousas, do poder da autoridade. Hasteamos a bandeira da liberdade
contra a escravatura. Não era mais possível ver um ser humano a gemer no
tronco, separados os seus membros pela impiedade de um senhor que após
exigir-lhe o trabalho ainda estimulava a revolta nascida da desigualdade
de condições humanas e da diferenciação de princípios que regia esse
descalabro da prepotência e da escravidão. Depois de todas essas
campanhas, de todas essas falações, de todo esse trabalho, tivemos um
dia de abandonar nosso corpo e volver às paragens da eterna liberdade...
Mas não nos sentimos libertados, pois ainda estávamos preso aos ímpetos
da alma. Nossa consciência tece cordões de acordo com as atitudes
tomadas na escola do mundo e o Espírito, embora liberto da carne,
prende-se à cadeia dos princípios que defendeu, de tudo aquilo que
fervilhava dentro de sua alma. É então preciso que os grilhões das
paixões sejam eliminados pela luz do conhecimento e da razão. É preciso
que ele enxergue e sinta que acima de sua vontade há uma outra maior;
que nós mesmos tecemos os grilhões da própria escravidão impulsionados
pelas paixões através de várias existências, quando também subjugamos o
nosso semelhante. Mas a peneira divina vai, através das oportunidades,
eliminando os seixos do nosso Espírito para que ele ganhe mais luz, mais
brilho e mais potencialidade. Potencialidade capaz de refletir a
sapiência divina; capaz de emitir as energias que reúne em amor ao
próximo; de ajudar a rasgar a camisa de força ajustada ao Espírito,
produzida pela paixões descabidas das vidas que se foram. Diante desses
conhecimentos o homem vai-se libertando. Mas as consequências das
iniquidades continuam a existir em outros, sendo necessário que, à
proporção que os Espíritos se libertem, voltem à retaguarda para ajudar
os outros, atados ainda à ignorância.”
E prossegue:
“Todos
os emissários que vieram à Terra com o propósito de libertar o homem da
cegueira e da escravidão sofreram, foram condenados (...), massacrados,
injuriados... O amor universal é uma essência muito pura, mas muito
tenra, que medra, mas muitas vezes é sufocada pela imperfeição e pela
negligência da maioria dos habitantes da Terra, ainda em preparo,
incapaz de sentir a grandeza de Deus”.
Com as ressalvas de uma
transcrição de mensagem psicofônica, ou, como se diz no Parlamento, “não
foi revista pelo orador”, aí está o pensamento de alguém que sente na
ignorância dos povos uma forma de servidão difícil de abolir por medidas
governamentais.
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