A Caminho da Luz

domingo, 19 de maio de 2013

MEMÓRIAS DE UM SUICIDA,,,,(Obra Mediúnica)


INTRODUÇÃO 
Devo estas páginas à caridade de eminente habitante do mundo espiritual, ao qual 
me sinto ligada por um sentimento de gratidão que pressinto se estenderá além da vida 
presente. Não fora a amorosa solicitude desse iluminado representante da Doutrina dos 
Espíritos – que prometeu, nas páginas fulgurantes dos volumes que deixou na Terra 
sobre filosofia espírita, acudir ao apelo de todo coração sincero que recorresse ao seu 
auxílio com o intuito de progredir, uma vez passado ele para o plano invisível e caso a 
condescendência dos Céus tanto lho permitisse - e se perderiam apontamentos que, 
desde o ano de 1926, isto é, desde os dias da minha juventude e os albores da 
mediunidade, que juntos floresceram em minha vida, penosamente eu vinha obtendo de 
Espíritos de suicidas que voluntariamente acorriam às reuniões do antigo "Centro Espírita 
de Lavras", na cidade do mesmo nome, no extremo sul do Estado de Minas Gerais, e de 
cuja diretoria fiz parte durante algum tempo. Refiro-me a Léon Denis, o grande apóstolo

melhores motivos para atribuir as intuições advindas para a compilação e redação da 
presente obra. 
Durante cerca de vinte anos tive a felicidade de sentir a atenção de tão nobre 
entidade do mundo espiritual piedosamente voltada para mim, inspirando-me um dia, 
aconselhando-me em outro, enxugando-me as lágrimas nos momentos decisivos em que 
renúncias dolorosas se impuseram como resgates indispensáveis ao levantamento de 
minha consciência, engolfada ainda no opróbrio das conseqüências de um suicídio em 
existência pregressa. 
E durante vinte anos convivi, por assim dizer, com esse Irmão venerável cujas 
lições povoaram minha alma de consolações e esperanças, cujos conselhos procurei 
sempre pôr em prática, e que hoje como nunca, quando a existência já declina para o seu 
ocaso, fala-me mais ternamente ainda, no segredo do recinto humílimo onde estas linhas 
são escritas! 
Dentre os numerosos Espíritos de suicidas com quem mantive intercâmbio através 
das faculdades mediúnicas de que disponho, um se destacou pela assiduidade e simpatia 
com que sempre me honrou, e, principalmente, pelo nome glorioso que deixou na 
literatura em língua portuguesa, pois tratava-se de romancista fecundo e talentoso, senhor 
de cultura tão vasta que até hoje de mim mesma indago a razão por que me distinguiria 
com tanta afeição se, obscura, trazendo bagagem intelectual reduzidíssima, somente 
possuía para oferecer ao seu peregrino saber, como instrumentação, o coração 
respeitoso e a firmeza na aceitação da Doutrina, porquanto, por aquele tempo, nem 
mesmo cultura doutrinária eficiente eu possuía! 
Chamar-lhe-emos nestas páginas - Camilo Cândido Botelho, contrariando, 
todavia, seus próprios desejos de ser mencionado com a verdadeira identidade. Esse 
nobre Espírito, a quem poderosas correntes afetivas espirituais me ligavam, 
freqüentemente se tornava visível, satisfeito por se sentir bem querido e aceito. Até o ano 
de 1926, porém, só muito superficialmente ouvira falar em seu nome. Não lhe conhecia 
sequer a bagagem literária, copiosa e erudita. 
Não obstante, veio ele a descobrir-me em uma mesa de sessão experimental, 
realizada na fazenda do Coronel Cristiano José de Souza, antigo presidente do "Centro 
Espírita de Lavras", dando-me então a sua primeira mensagem. Daí em diante, ora em 
sessões normalmente organizadas, ora em reuniões íntimas, levadas a efeito em 
domicílios particulares, ou no silêncio do meu aposento, altas horas da noite, dava-me 
apontamentos, noticiário periódico, escrito ou verbal, ensaios literários, verdadeira 
reportagem relativa a casos de suicídio e suas tristes conseqüências no Além-Túmulo, na 
época verdadeiramente atordoadores para mim. Porém, muito mais freqüentemente, 
arrebatavam-me, ele e outros amigos e protetores espirituais, do cárcere corpóreo, a fim 
de, por essa forma cômoda e eficiente, ampliar ditados e experiências. 
Então, meu Espírito alçava ao convívio do mundo invisível e as mensagens já não 
eram escritas, mas narradas, mostradas, exibidas à minha faculdade mediúnica para que, 
ao despertar, maior facilidade eu encontrasse para compreender aquele que, por mercê 
inestimável do Céu, me pudesse auxiliar a descrevê-las, pois eu não era escritora para o 
fazer por mim mesma! Estas páginas, portanto, rigorosamente, não foram psicografadas, 
pois eu via e ouvia nitidamente as cenas aqui descritas, observava as personagens, os 
locais, com clareza e certeza absolutas, como se os visitasse e a tudo estivesse presente 
e não como se apenas obtivesse notícias através de simples narrativas. Se descreviam 
uma personagem ou alguma paisagem, a configuração do exposto se definia 
imediatamente, à proporção que a palavra fulgurante de Camilo, ou a onda vibratória do 
seu pensamento, as criavam. 
Foi mesmo por essa forma essencialmente poética, maravilhosa, que obtive a 
longa série de ensaios literários fornecidos pelos habitantes do Invisível e até agora 
mantidos no segredo das gesuetas, e não psicograficamente. 

Da psicografia os Espíritos que me assistiam apenas se utilizavam para os 
serviços de receituário e pequenas mensagens instrutivas referentes ao ambiente em que 
trabalhávamos. E posso mesmo dizer que foi graças a esse estranho convívio com os 
Espíritos que me advieram as únicas horas de felicidade e alegria que desfrutei neste 
mundo, como a resistência para os testemunhos que fui chamada a apresentar à frente 
da Grande Lei! 
No entanto, as referidas mensagens e os apontamentos feitos ao despertar, eram 
bastante vagos, não apresentando nem a feição romântica nem as conclusões 
doutrinárias que, depois, para eles criou o seu compilador, por lhes desejar aplicar meio 
suave de expor verdades amargas, mas necessárias no momento que vivemos. 
Perguntar-se-á por que o próprio Camilo não o fez... Pois teria, certamente, capacidade 
para tanto. 
Responderei que, até o momento em que estas linhas vão sendo traçadas, ignoro o tanto como qualquer outra pessoa! jamais perquiri, aliás, dos Espíritos a razão de tal 
acontecimento. De outro lado, durante cerca de quatro anos vi-me na impossibilidade de
manter intercâmbio normal com os Espíritos, por motivos independentes de minha 
vontade. E quando as barreiras existentes foram arredadas do meu caminho, o autor das 
mensagens só acudiu aos meus reiterados apelos a fim de participar sua próxima volta à 
existência planetária. Encontrei-me então em situação difícil para redigir o trabalho, dando 
feição doutrinária e educativa às revelações concedidas ao meu Espírito durante o sono 
magnético, as quais eu sabia desejarem as nobres entidades assistentes fossem 
transmitidas à coletividade, pois eu não era escritora, não me sobrando capacidade para, 
por mim mesma, tentar a experiência. Releguei-os, portanto, ao esquecimento de uma 
gaveta de secretária e orei, suplicando auxilio e inspiração. Orei, porém, durante oito 
anos, diariamente, sentindo no coração o ardor de uma chama viva de intuição 
segredando-me aguardasse o futuro, não destruindo os antigos manuscritos. Até que, há 
cerca de um ano, recebi instruções a fim de prosseguir, pois ser-me-ia concedida a
necessária assistência! 
Prosseguindo, porém, direi que tenho as mais fortes razões para afirmar que a
palavra dos Espíritos é cena viva e criadora, real, perfeita! em sendo também uma 
vibração do pensamento capaz de manter, pela ação da vontade, o que desejar! Durante 
cerca de trinta anos tenho penetrado de algum modo os mistérios do mundo invisível, e 
não foi outra coisa o que lá percebi. É de notar, todavia, que, ao despertar, a lembrança 
somente me acompanhava quando os assistentes me autorizavam a recordar! Na maioria 
das vezes em que me foram facultados estes vôos, apenas permaneceu a impressão do 
acontecido, a íntima certeza de que convivera por instantes com os Espíritos, mas não a 
lembrança. 
Os mais insignificantes detalhes poderão ser notados quando um Espírito 
iluminado ou apenas esclarecido "falar", como, por exemplo - uma camada de pó sobre 
um móvel; um esvoaçar de brisa agitando um cortinado; um véu, um laço de fita gracioso, 
mesmo com o brilho da seda, no vestuário feminino; o estrelejar das chamas na lareira e 
até o perfume, pois tudo isso tive ocasião de observar na palavra mágica de Camilo, de 
Victor Hugo, de Charles e até do apóstolo do Espiritismo no Brasil - Bezerra de Menezes, 
a quem desde o berço fui habituada a venerar, por meus pais. Certa vez em que Camilo 
descrevia uma tarde de inverno rigoroso em Portugal, juntamente com um interior 
aquecido por lareira bem acesa, senti invadir-me tal sensação de frio que tiritei, buscando 
as chamas para aquecer-me, enquanto, satisfeito com a experiência, ele se punha a rir... 
Aliás, o fenômeno não será certamente novo. Não foi por outra forma que João 
Evangelista obteve os ditados para o seu Apocalipse e que os profetas da Judeia 
receberam as revelações com que instruíam o povo. 
No Apocalipse, versículos 10 e 11 e seguintes, do primeiro capítulo, o eminente 
servo do Senhor, positiva o fenômeno a que aludimos, em pequenas palavras: "Eu fui 
arrebatado em Espírito, um dia de domingo, e ouvi por detrás de mim uma grande voz 

como de trombeta, que dizia: - O que vês, escreve-o em um livro e envia-o às sete 
igrejas..." - etc., etc.; e todo o importante volume foi narrado ao apóstolo assim, através de 
cenas reais, palpitantes, vivas, em visões detalhadas e precisas! O Espiritismo tem 
amplamente tratado de todos esses interessantes casos para que não se torne causa de 
admiração o que vimos expondo; e no primeiro capitulo da magistral obra de Allan Kardec 
- "A Gênese" - existe este tópico, certamente muito conhecido dos estudantes da Doutrina 
dos Espíritos: "As instruções (dos Espíritos) podem ser transmitidas por diversos meios: 
pela simples inspiração, pela audição da palavra, pela visibilidade dos Espíritos 
instrutores, nas visões e aparições, quer em sonho quer em estado de vigília, do que há 
muitos exemplos no Evangelho, na Bíblia e nos livros sagrados de todos os povos." 
Longe de mim a veleidade de me colocar em plano equivalente ao daquele 
missionário acima citado, isto é, João Evangelista. Pelas dificuldades com que lutei a fim 
de compor este volume, patenteadas ficaram ao meu raciocínio as bagagens de 
inferioridades que me deprimem o Espírito. O discípulo amado, porém, que, em sendo um 
missionário escolhido, era também modesto pescador, teve sem dúvida o seu assistente 
espiritual para poder descrever as belas páginas aureoladas de ciência e ensinamentos 
outros, de valor incontestável, os quais romperiam os séculos glorificando a Verdade! É 
bem provável que o próprio Mestre fosse aquele assistente... 
Não posso ajuizar quanto aos méritos desta obra. 
Proibi-me, durante muito tempo, levá-la ao conhecimento alheio, reconhecendo-me incapaz de analisá-la. Não me sinto sequer à altura de rejeitá-la, como não ouso 
também aceitá-la. Vós o fareis por mim. De uma coisa, porém, estou bem certa: - é que 
estas páginas foram elaboradas, do princípio ao fim, com o máximo respeito à Doutrina 
dos Espíritos e sob a invocação sincera do nome sacrossanto do Altíssimo. 
Rio de Janeiro, 18 de maio de 1954. 





PRIMEIRA PARTE 
OS RÉPROBOS 
CAPÍTULO I
O Vale dos Suicidas 
Precisamente no mês de janeiro do ano da graça de 1891, fora eu surpreendido 
com meu aprisionamento em região do Mundo Invisível cujo desolador panorama era 
composto por vales profundos, a que as sombras presidiam: gargantas sinuosas e 
cavernas sinistras, no interior das quais uivavam, quais maltas de demônios enfurecidos, 
Espíritos que foram homens, dementados pela intensidade e estranheza, 
verdadeiramente inconcebíveis, dos sofrimentos que os martirizavam. 
Nessa paragem aflitiva a vista torturada do grilheta não distinguiria sequer o doce 
vulto de um arvoredo que testemunhasse suas horas de desesperação; tampouco 
paisagens confortativas, que pudessem distraí-lo da contemplação cansativa dessas 
gargantas onde não penetrava outra forma de vida que não a traduzida pelo supremo 
horror! 
O solo, coberto de matérias enegrecidas e fétidas, lembrando a fuligem, era 
imundo, pastoso, escorregadio, repugnante! O ar pesadíssimo, asfixiante, gelado, 
enoitado por bulcões ameaçadores como se eternas tempestades rugissem em torno; e, 
ao respirarem-no, os Espíritos ali ergastulados sufocavam-se como se matérias 
pulverizadas, nocivas mais do que a cinza e a cal, lhes invadissem as vias respiratórias, 
martirizando-os com suplício inconcebível ao cérebro humano habituado às gloriosas 
claridades do Sol - dádiva celeste que diariamente abençoa a Terra - e às correntes 
vivificadoras dos ventos sadios que tonificam a organização física dos seus habitantes. 
Não havia então ali, como não haverá jamais, nem paz, nem consolo, nem 
esperança: tudo em seu âmbito marcado pela desgraça era miséria, assombro, desespero 
e horror. Dir-se-ia a caverna tétrica do Incompreensível, indescritível a rigor até mesmo 
por um Espírito que sofresse a penalidade de habitá-la. 
O vale dos leprosos, lugar repulsivo da antiga Jerusalém de tantas emocionantes 
tradições, e que no orbe terráqueo evoca o último grau da abjeção e do sofrimento 
humano, seria consolador estágio de repouso comparado ao local que tento descrever. 
Pelo menos, ali existiria solidariedade entre os renegados! Os de sexo diferente 
chegavam mesmo a se amar! Adotavam-se em boas amizades, irmanando-se no seio da 
dor para suavizá-la! Criavam a sua sociedade, divertiam-se, prestavam-se favores, 
dormiam e sonhavam que eram felizes! 
Mas no presídio de que vos desejo dar contas nada disso era possível, porque as 
lágrimas que se choravam ali eram ardentes demais para se permitirem outras atenções 
que não fossem as derivadas da sua própria intensidade! 
No vale dos leprosos havia a magnitude compensadora do Sol para retemperar os 
corações! Existia o ar fresco das madrugadas com seus orvalhos regeneradores! Poderia 
o precito ali detido contemplar uma faixa do céu azul... Seguir, com o olhar enternecido, 
bandos de andorinhas ou de pombos que passassem em revoada!... Ele sonharia, quem 
sabe? Lenido de amarguras, ao poético clarear do plenilúnio, enamorando-se das 
cintilações suaves das estrelas que, lá no Inatingível, acenariam para a sua desdita, 
sugerindo-lhe consolações no insulamento a que o forçavam as férreas leis da época!..

E, depois, a Primavera fecunda voltava, rejuvenescia as plantas para embalsamar com 
seus perfumes cariciosos as correntes de ar que as brisas diariamente tonificavam com 
outros tantos bálsamos generosos que traziam no seio amorável... E tudo isso era como 
dádivas celestiais para reconciliá-lo com Deus, fornecendo-lhe tréguas na desgraça. 
Mas na caverna onde padeci o martírio que me surpreendeu além do túmulo, nada 
disso havia! 
Aqui, era a dor que nada consola, a desgraça que nenhum favor ameniza, a 
tragédia que ideia alguma tranquilizadora vem orvalhar de esperança! Não há céu, não há 
luz, não há sol, não há perfume, não há tréguas! 
O que há é o choro convulso e inconsolável dos condenados que nunca se 
harmonizam! O assombroso "ranger de dentes" da advertência prudente e sábia do sábio 
Mestre de Nazaré! A blasfêmia acintosa do réprobo a se acusar a cada novo rebate da 
mente flagelada pelas recordações penosas! A loucura inalterável de consciências 
contundidas pelo vergastar infame dos remorsos. O que há é a raiva envenenada daquele 
que já não pode chorar, porque ficou exausto sob o excesso das lágrimas! O que há é o 
desaponto, a surpresa aterradora daquele que se sente vivo a despeito de se haver 
arrojado na morte! É a revolta, a praga, o insulto, o ulular de corações que o percutir 
monstruoso da expiação transformou em feras! O que há é a consciência conflagrada, a 
alma ofendida pela imprudência das ações cometidas, a mente revolucionada, as 
faculdades espirituais envolvidas nas trevas oriundas de si mesma! O que há é o "ranger 
de dentes nas trevas exteriores" de um presídio criado pelo crime, votado ao martírio e 
consagrado à emenda! É o inferno, na mais hedionda e dramática exposição, porque, 
além do mais, existem cenas repulsivas de animalidade, práticas abjetas dos mais 
sórdidos instintos, as quais eu me pejaria de revelar aos meus irmãos, os homens! 
Quem ali temporariamente estaciona, como eu estacionei, são grandes vultos do 
crime! É a escória do mundo espiritual - falanges de suicidas que periodicamente para 
seus canais afluem levadas pelo turbilhão das desgraças em que se enredaram, a se 
despojarem das forças vitais que se encontram, geralmente intactas, revestindo-lhes os 
envoltórios físico-espirituais, por sequências sacrílegas do suicídio, e provindas, 
preferentemente, de Portugal, da Espanha, do Brasil e colônias portuguesas da África, 
infelizes carentes do auxílio confortativo da prece; aqueles, levianos e inconsequentes, 
que, fartos da vida que não quiseram compreender, se aventuraram ao Desconhecido, em 
procura do Olvido, pelos despenhadeiros da Morte! 
O Além-túmulo acha-se longe de ser a abstração que na Terra se supõe, ou as 
regiões paradisíacas fáceis de conquistar com algumas poucas fórmulas inexpressivas. 
Ele é, antes, simplesmente a Vida Real, e o que encontramos ao penetrar suas regiões é 
Vida! Vida intensa a se desdobrar em modalidades infinitas de expressão, sabiamente 
dividida em continentes e falanges como a Terra o é em nações e raças; dispondo de
organizações sociais e educativas modelares, a servirem de padrão para o progresso da 
Humanidade. É no Invisível, mais do que em mundos planetários, que as criaturas 
humanas colhem inspiração para os progressos que lentamente aplicam no orbe. 
Não sei como decorrerão os trabalhos correcionais para suicidas nos demais 
núcleos ou colônias espirituais destinadas aos mesmos fins e que se desdobrarão sob 
céus portugueses, espanhóis e seus derivados. Sei apenas é que fiz parte de sinistra 
falange detida, por efeito natural e lógico, nessa paragem horrenda cuja lembrança ainda 
hoje me repugna à sensibilidade. É bem possível que haja quem ponha a discussões 
mordazes a veracidade do que vai descrito nestas páginas. Dirão que a fantasia mórbida 
de um inconsciente exausto de assimilar Dante terá produzido por conta própria a 
exposição aqui ventilada... esquecendo-se de que, ao contrário, o vate florentino é que 
conheceria o que o presente século sente dificuldades em aceitar... 
Não os convidarei a crer. Não é assunto que se imponha à crença, simplesmente, 
mas ao raciocínio, ao exame, à investigação. Se sabem raciocinar e podem investigar -
que o façam, e chegarão a conclusões lógicas que os colocarão na pista de verdades 

assaz interessantes para toda a espécie humana! O a que os convido, o que 
ardentemente desejo e para que tenho todo o interesse em pugnar, é que se eximam de 
conhecer essa realidade através dos canais trevosos a que me expus, dando-me ao 
suicídio por desobrigar-me da advertência de que a morte nada mais é do que a 
verdadeira forma de existir!... 
De outro modo, que pretenderia o leitor existisse nas camadas invisíveis que 
contornam os mundos ou planetas, senão a matriz de tudo quanto neles se reflete?!... Em 
nenhuma parte se encontraria a abstração, ou o nada, pois que semelhantes vocábulos 
são inexpressivos no Universo criado e regido por uma Inteligência Onipotente! Negar o 
que se desconhece, por se não encontrar à altura de compreender o que se nega, é 
insânia incompatível com os dias atuais. O século convida o homem à investigação e ao 
livre exame, porque a Ciência nas suas múltiplas manifestações vem provando a 
inexatidão do impossível dentro do seu cada vez mais dilatado raio de ação. E as provas 
da realidade dos continentes super-terrenos encontram-se nos arcanos das ciências 
psíquicas transcendentais, às quais o homem há ligado muito relativa importância até 
hoje. 
O que conhece o homem, aliás, do próprio planeta onde tem renascido desde 
milênios, para criteriosamente rejeitar o que o futuro há de popularizar sob os auspícios 
do Psiquismo?... O seu país, a sua capital, a sua aldeia, a sua palhoça ou, quando mais 
avantajado de ambições, algumas nações vizinhas cujos costumes se nivelam aos que 
lhe são usuais?... 
Por toda a parte, em torno dele, existem mundos reais, exarando vida abundante e
intensa: e se ele o ignora será porque se compraz na cegueira, perdendo tempo com 
futilidades e paixões que lhe sabem ao caráter. Não perquiriu jamais as profundidades 
oceânicas – não poderá mesmo fazê-lo, por enquanto. Não obstante, debaixo das águas 
verdes e marulhentas existe não mais um mundo perfeitamente organizado, mas um 
universo que assombraria pela grandiosidade e ideal perfeição! 
No próprio ar que respira, no solo onde pisa encontraria o homem outros núcleos 
organizados de vida, obedecendo ao impulso inteligente e sábio de leis magnânimas 
fundamentadas no Pensamento Divino, que os aciona para o progresso, na conquista do 
mais perfeito! Bastaria que se munisse de aparelhamentos precisos, para averiguar a 
veracidade dessas coletividades desconhecidas que, por serem invisíveis umas, e outras 
apenas suspeitadas, nem por isso deixam de ser concretas, harmoniosas, verdadeiras! 
Assim sendo, habilite-se, também, desenvolvendo os dons psíquicos que herdou 
da sua divina origem... Impulsione pensamento, vontade, ação, coração, através das vias 
alcanforadas da Espiritualidade superior... e atingirá as esferas astrais que circundam a 
Terra! 
Era eu, pois, presidiário dessa cova ominosa do horror! 
Não habitava, porém, ali sozinho. Acompanhava-me uma coletividade, falange 
extensa de delinqüentes, como eu. 
Então ainda me sentia cego. Pelo menos, sugestionava-me de que o era, e, como 
tal, me conservava, não obstante minha cegueira só se definir, em verdade, pela 
inferioridade moral do Espírito distanciado da Luz. A mim cego não passaria, contudo, 
despercebido o que se apresentasse mal, feio, sinistro, imoral, obsceno, pois 
conservavam meus olhos visão bastante para toda essa escória contemplar - agravandose destarte a minha desdita. 
Dotado de grande sensibilidade, para maior mal tinha-a agora como 
superexcitada, o que me levava a experimentar também os sofrimentos dos outros 
mártires meus compares, fenômeno esse ocasionado pelas correntes mentais que se 
despejavam sobre toda a falange e oriundas dela própria, que assim realizava 
impressionante afinidade de classe, o que é o mesmo que asseverar que sofríamos 
também as sugestões dos sofrimentos uns dos  outros, além das insídias a que nos 
submetiam os nossos próprios sofrimentos. (1) 

(1) Após a morte, antes que o Espírito se oriente, gravitando para o verdadeiro "lar espiritual" que lhe cabe, 
será sempre necessário o estágio numa "antecâmara", numa região cuja densidade e aflitivas configurações 
locais corresponderão aos estados vibratórios e mentais do recém-desencarnado. Aí se deterá até que seja 
naturalmente "desanimalizado", isto é, que se desfaça dos fluidos e forças vitais de que são impregnados 
todos os corpos materiais. Por aí se verá que a estada será temporária nesse umbral do Além, conquanto 
geralmente penosa. Tais sejam o caráter, as ações praticadas, o gênero de vida, o gênero de morte que
teve a entidade desencarnada - tais serão o tempo e a penúria no local descrito. Existem aqueles que aí 
apenas se demoram algumas horas. Outros levarão meses, anos consecutivos, voltando à reencarnação 
sem atingirem a Espiritualidade. Em se tratando de suicidas o caso assume proporções especiais, por 
dolorosas e complexas. Estes aí se demorarão, geralmente, o tempo que ainda lhes restava para conclusão 
do compromisso da existência que prematuramente cortaram. Trazendo carregamentos avantajados de 
forças vitais animalizadas, além das bagagens das paixões criminosas e uma desorganização mental, 
nervosa e vibratória completas, é fácil entrever qual será a situação desses infelizes para quem um só 
bálsamo existe: a prece das almas caritativas! 
Se, por muito longo, esse estágio exorbite das medidas normais ao caso - a reencarnação imediata será a 
terapêutica indicada, embora acerba e dolorosa, o que será preferível a muitos anos em tão desgraçada 
situação, assim se completando, então, o tempo que faltava ao término da existência cortada. 
As vezes, conflitos brutais se verificavam pelos becos lamacentos onde se 
enfileiravam as cavernas que nos serviam de domicílio. Invariavelmente irritados, por 
motivos insignificantes nos atirávamos uns contra os outros em lutas corporais violentas, 
nas quais, tal como sucede nas baixas camadas sociais terrenas, levaria sempre o melhor 
aquele que maior destreza e truculência apresentasse. Freqüentemente fui ali insultado, 
ridiculizado nos meus sentimentos mais caros e delicados com chistes e sarcasmos que 
me revoltavam até o âmago; apedrejado e espancado até que, excitado por fobia idêntica, 
eu me atirava a represálias selvagens, ombreando com os agressores e com eles 
refocilando na lama da mesma ceva espiritual! 
A fome, a sede, o frio enregelador, a fadiga, a insônia; exigências físicas 
martirizantes, fáceis de o leitor entrever; a natureza como que aguçada em todos os seus 
desejos e apetites, qual se ainda trouxéssemos o envoltório carnal; a promiscuidade, 
muito vexatória, de Espíritos que foram homens e dos que animaram corpos femininos; 
tempestades constantes, inundações mesmo, a lama, o fétido, as sombras perenes, a 
desesperança de nos vermos livres de tantos martírios sobrepostos, o supremo 
desconforto físico e moral - eis o panorama por assim dizer "material" que emoldurava os 
nossos ainda mais pungentes padecimentos morais!
Nem mesmo sonhar com o Belo, dar-se a devaneios balsamizantes ou a 
recordações beneficentes era concedido àquele que porventura possuísse capacidade 
para o fazer. Naquele ambiente superlotado de males o pensamento jazia encarcerado 
nas fráguas que o contornavam, só podendo emitir vibrações que se afinassem ao tono 
da própria perfídia local... E, envolvidas em tão enlouquecedores fogos, não havia 
ninguém que pudesse atingir um instante de serenidade e reflexão para se lembrar de 
Deus e bradar por Sua paternal misericórdia! 
Não se podia orar porque a oração é um bem, é um bálsamo, é uma trégua, é 
uma esperança! e aos desgraçados que para lá se atiravam nas torrentes do suicídio 
impossível seria atingir tão altas mercês! 
Não sabíamos quando era dia ou quando voltava a noite, porque sombras perenes 
rodeavam as horas que vivíamos. Perdêramos a noção do tempo. Apenas esmagadora 
sensação de distância e longevidade do que representasse o passado ficara para açoitar 
nossas interrogações, afigurando-se-nos que estávamos há séculos jungidos a tão ríspido 
calvário! Dali não esperávamos sair, conquanto fosse tal desejo uma das causticantes 
obsessões que nos alucinavam... pois o Desânimo gerador da desesperança que nos 
armara o gesto de suicidas afirmava-nos que tal estado de coisas seria eterno! 
A contagem do tempo, para aqueles que mergulhavam nesse abismo, estacionara 
no momento exato em que fizera para sempre tombar a própria armadura de carne! Daí 
para cá só existiam - assombro, confusão, enganosas induções, suposições insidiosas! 

Igualmente ignorávamos em que local nos encontrávamos, que significação teria nossa 
espantosa situação. Tentávamos, aflitos, furtarmo-nos a ela, sem percebermos que era 
cabedal de nossa própria mente conflagrada, de nossas vibrações entrechocadas por mil 
malefícios indescritíveis! Procurávamos então fugir do local maldito para voltarmos aos 
nossos lares; e o fazíamos desabaladamente, em insanas correrias de loucos furiosos! A 
asveros malditos, sem consolo, sem paz, sem descanso em parte alguma... ao passo que 
correntes irresistíveis, como ímãs poderosos, atraíam-nos de volta ao tugúrio sombrio, 
arrastando-nos de envolta a um atro turbilhão de nuvens sufocadoras e estonteantes! 
De outras vezes, tateando nas sombras, lá íamos, por entre gargantas, vielas e 
becos, sem lograrmos indício de saída... Cavernas, sempre cavernas – todas numeradas 
-; ou longos espaços pantanosos quais lagos lodosos circulados de muralhas abruptas, 
que nos afiguravam levantadas em pedra e ferro, como se fôramos sepultados vivos nas 
profundas tenebrosidades de algum vulcão! Era um labirinto onde nos perdíamos sem 
podermos jamais alcançar o fim! Por vezes acontecia não sabermos retornar ao ponto de 
partida, isto é, às cavernas que nos serviam de domicílio, o que forçava a permanência ao 
relento até que deparássemos algum covil desabitado para outra vez nos abrigarmos. 
Nossa mais vulgar impressão era de que nos encontrávamos encarcerados no subsolo, 
em presídio cavado no seio da Terra, quem sabia se nas entranhas de uma cordilheira, da 
qual fizesse parte também algum vulcão extinto, como pareciam atestar aqueles 
imensuráveis poços de lama com paredes escalavradas lembrando minerais pesados?!... 
Aterrados, entrávamos então a bramir em coro, furiosamente, quais maltas de 
chacais danados, para que nos retirassem dali, restituindo-nos à liberdade! As mais 
violentas manifestações de terror seguiam-se então; e tudo quanto o leitor imaginar 
possa, dentro da confusão de cenas patéticas inventadas pela fobia do Horror, ficará 
muito aquém da expressão real por nós vivida nessas horas criadas pelos nossos 
próprios pensamentos distanciados da Luz e do Amor de Deus! Como se fantásticos 
espelhos perseguissem obsessoramente nossas faculdades, lá se reproduzia a visão 
macabra: - o corpo a se decompor sob o ataque dos vibriões esfaimados; a faina 
detestável da podridão a seguir o curso natural da destruição orgânica, levando em roldão 
nossas carnes, nossas vísceras, nosso sangue pervertido pelo fétido, nosso corpo enfim, 
que se sumia para sempre no banquete asqueroso de milhões de vermes vorazes, nosso 
corpo, que era carcomido lentamente, sob nossas vistas estupefatas!... que morria, era 
bem verdade, enquanto nós, seus donos, nosso Ego sensível, pensante, inteligente, que 
dele se utilizara apenas como de um vestuário transitório, continuava vivo, sensível, 
pensante, inteligente, desapontado e pávido, desafiando a possibilidade de também 
morrer! E - ó tétrica magia que ultrapassava todo o poder que tivéssemos de refletir e 
compreender! - ó castigo irremovível, punindo o renegado que ousou insultar a Natureza 
destruindo prematuramente o que só ela era competente para decidir e realizar: - Vivos, 
nós, em espírito, diante do corpo putrefato, sentíamos a corrupção atingir-nos!... Doíam 
em nossa configuração astral as picadas monstruosas dos vermes! Enfurecia-nos até à
demência a martirizante repercussão que levava nosso perispírito, ainda animalizado e 
provido de abundantes forças vitais, a refletir o que se passava com seu antigo envoltório 
limoso, tal o eco de um rumor a reproduzir-se de quebrada em quebrada da montanha, ao 
longo de todo o vale... 
Nossa covardia, então, a mesma que nos brutalizara induzindo-nos ao suicídio, 
forçava-nos a retroceder. 
Retrocedíamos. 
Mas o suicídio é uma teia envolvente em que a vítima - o suicida - só se debate 
para cada vez mais confundir-se, tolher-se, embaraçar-se. Sobrepunha-se a confusão. 
Agora, a persistência da auto-sugestão maléfica recordava as lendas supersticiosas, 
ouvidas na infância e calcadas por longo tempo nas camadas da sub-consciência; 
corporificava-se em visões extravagantes, a que emprestava realidade integral. 
Julgávamo-nos nada menos do que à frente do tribunal dos infernos!... Sim! Vivíamos na

plenitude da região das sombras!... E Espíritos de ínfima classe do Invisível - obsessores 
que pululam por todas as camadas inferiores, tanto da Terra como do Além; os mesmos 
que haviam alimentado em nossas mentes as sugestões para o suicídio, divertindo-se 
com nossas angústias, prevaleciam-se da situação anormal para a qual resvaláramos, a 
fim de convencer-nos de que eram juízes que nos deveriam julgar e castigar, 
apresentando-se às nossas faculdades conturbadas pelo sofrimento como seres 
fantásticos, fantasmas impressionantes e trágicos. Inventavam cenas satânicas, com que 
nos supliciavam. Submetiam-nos a vexames indescritíveis! Obrigavam-nos a torpezas e 
deboches, violentando-nos a compactuar de suas infames obscenidades! Donzelas que 
se haviam suicidado, desculpando-se com motivos de amor, esquecidas de que o vero 
amor é paciente, virtuoso e obediente a Deus; olvidando, no egoísmo passional de que 
deram provas, o amor sacrossanto de uma mãe que ficara inconsolável; desrespeitando 
as cãs veneráveis de um pai - os quais jamais esqueceriam o golpe em seus corações 
vibrados pela filha ingrata que preferiu a morte a continuar no tabernáculo do lar paterno, 
eram agora insultadas no seu coração e no seu pudor por essas entidades animalizadas e 
vis, que as faziam crer serem obrigadas a se escravizarem por serem eles os donos do 
império de trevas que escolheram em detrimento do lar que abandonaram! Em verdade, 
porém, tais entidades não passavam de Espíritos que também foram homens, mas que 
viveram no crime: sensuais, alcoólatras, devassos, intrigantes, hipócritas, perjuros, 
traidores, sedutores, assassinos perversos, caluniadores, sátiros - enfim, essa falange 
maléfica que infelicita a sociedade terrena, que muitas vezes tem funerais pomposos e 
exéquias solenes, mas que na existência espiritual se resume na corja repugnante que 
mencionamos... até que reencarnações expiatórias, miseráveis e rastejantes, venham 
impulsioná-la a novas tentativas de progresso. 
A tão deploráveis seqüências sucediam-se outras não menos dramáticas e 
rescaldantes: - atos incorretos por nós praticados durante a encarnação, nossos erros, 
nossas quedas pecaminosas, nossos crimes mesmo, corporificavam-se à frente de 
nossas consciências como outras visões acusadoras, intransigentes na condenação 
perene a que nos submetiam. As vítimas do nosso egoísmo reapareciam agora, em 
reminiscências vergonhosas e contumazes, indo e vindo ao nosso lado em atropelos 
pertinazes, infundindo em nossa já tão combalida organização espiritual o mais 
angustioso desequilíbrio nervoso forjado pelo remorso! 
Sobrepondo-se, no entanto, a tão lamentável acervo de iniqüidades, acima de 
tanta vergonha e tão rudes humilhações existia, vigilante e compassiva, a paternal 
misericórdia do Deus Altíssimo, do Pai justo e bom que "não quer a morte do pecador, 
mas que ele viva e se arrependa". 
Nas peripécias que o suicida entra a curtir depois do desbarato que 
prematuramente o levou ao túmulo, o Vale Sinistro apenas representa um estágio 
temporário, sendo ele para lá encaminhado por movimento de impulsão natural, com o 
qual se afina, até que se desfaçam as pesadas cadeias que o atrelam ao corpo físicoterreno, destruído antes da ocasião prevista pela lei natural. Será preciso que se 
desagreguem dele as poderosas camadas de fluidos vitais que lhe revestiam a 
organização física, adaptadas por afinidades especiais da Grande Mãe Natureza à
organização astral, ou seja, ao perispírito, as quais nele se aglomeram em reservas 
suficientes para o compromisso da existência completa; que se arrefeçam, enfim, as 
mesmas afinidades, labor que na individualidade de um suicida será acompanhado das 
mais aflitivas dificuldades, de morosidade impressionante, para, só então, obter 
possibilidade vibratória que lhe faculte alívio e progresso (2), De outro modo, tal seja a 
feição do seu caráter, tais os deméritos e grau de responsabilidades gerais - tal será o 
agravo da situação, tal a intensidade dos padecimentos a experimentar, pois, nestes 
casos, não serão apenas as conseqüências decepcionantes do suicídio que lhe afligirão a 
alma, mas também o reverso dos atos pecaminosos anteriormente cometidos.








(2) As impressões e sensações penosas, oriundas do corpo carnal, que acompanham o Espírito ainda 
materializado, chamaremos repercussões magnéticas, em virtude do magnetismo animal, existente em 
todos os seres vivos, e suas afinidades com o perispírito. Trata-se de fenômeno idêntico ao que faz a um 
homem que teve o braço ou a perna amputados sentir coceiras na palma da mão que já não existe com ele, 
ou na sola do pé, igualmente inexistente. Conhecemos em certo hospital um pobre operário que teve ambas 
as pernas amputadas senti-las tão vivamente consigo, assim como os pés, que, esquecido de que já não os 
possuía, procurou levantar-se, levando, porém, estrondosa queda e ferindo-se. Tais fenômenos são fáceis 
de observar. 
Periodicamente, singular caravana visitava esse antro de sombras. 
Era como a inspeção de alguma associação caridosa, assistência protetora de 
instituição humanitária, cujos abnegados fins não se poderiam pôr em dúvida. 
Vinha à procura daqueles dentre nós cujos fluidos vitais, arrefecidos pela 
desintegração completa da matéria, permitissem locomoção para as camadas do Invisível 
intermediário, ou de transição. 
Supúnhamos tratar-se, a caravana, de um grupo de homens. Mas na realidade 
eram Espíritos que estendiam a fraternidade ao extremo de se materializarem o suficiente 
para se tornarem plenamente percebidos à nossa precária visão e nos infundirem 
confiança no socorro que nos davam. 
Trajados de branco, apresentavam-se caminhando pelas ruas lamacentas do 
Vale, de um a um, em coluna rigorosamente disciplinada, enquanto, olhando-os 
atentamente, distinguiríamos, à altura do peito de todos, pequena cruz azul-celeste, o que 
parecia ser um emblema, um distintivo. 
Senhoras faziam parte dessa caravana. Precedia, porém, a coluna, pequeno 
pelotão de lanceiros, qual batedor de caminhos, ao passo que vários outros milicianos da 
mesma arma rodeavam os visitadores, como tecendo um cordão de isolamento, o que 
esclarecia serem estes muito bem guardados contra quaisquer hostilidades que 
pudessem surgir do exterior. Com a destra o oficial comandante erguia alvinitente flâmula, 
na qual se lia, em caracteres também azul-celeste, esta extraordinária legenda, que tinha 
o dom de infundir insopitável e singular temor: - LEGIÃO DOS SERVOS DE MARIA. 
Os lanceiros, ostentando escudo e lança, tinham tez bronzeada e trajavam-se com 
sobriedade, lembrando guerreiros egípcios da antiguidade. E, chefiando a expedição, 
destacava-se varão respeitável, o qual trazia avental branco e insígnias de médico a par 
da cruz já referida. Cobria-lhe a cabeça, porém, em vez do gorro característico, um 
turbante hindu, cujas dobras eram atadas à frente pela tradicional esmeralda, símbolo dos 
esculápios. 
Entravam aqui e ali, pelo interior das cavernas habitadas, examinando seus 
ocupantes. Curvavam-se, cheios de piedade, junto das sarjetas, levantando aqui e acolá 
algum desgraçado tombado sob o excesso de sofrimento; retiravam os que 
apresentassem condições de poderem ser socorridos e colocavam-nos em macas 
conduzidas por varões que se diriam serviçais ou aprendizes. 
Voz grave e dominante, de alguém invisível que falasse pairando no ar, guiava-os 
no caridoso afã, esclarecendo detalhes ou desfazendo confusões momentaneamente 
suscitadas. A mesma voz fazia a chamada dos prisioneiros a serem socorridos, proferindo 
seus nomes próprios, o que fazia que se apresentassem, sem a necessidade de serem 
procurados, aqueles que se encontrassem em melhores condições, facilitando destarte o 
serviço dos caravaneiros. Hoje posso dizer que todas essas vozes amigas e protetoras 
eram transmitidas através de ondas delicadas e sensíveis do éter, com o sublime 
concurso de aparelhamentos magnéticos mantidos para fins humanitários em 
determinados pontos do invisível, isto é, justamente na localidade que nos receberia ao 
sairmos do Vale. Mas, então, ignorávamos o pormenor e muito confusos nos sentíamos. 
As macas, transportadas cuidadosamente, eram guardadas pelo cordão de 
isolamento já referido e abrigadas no interior de grandes veículos à feição de comboios, 
que acompanhavam a expedição. Esses comboios, no entanto, apresentavam 
singularidade interessante, digna de relato. Em vez de apresentarem os vagões comuns   às estradas de ferro, como os que conhecíamos, lembravam, antes, meio de transporte 
primitivo, pois se compunham de pequenas diligências atadas uma às outras e rodeadas 
de persianas muito espessas, o que impediria ao passageiro verificar os locais por onde 
deveria transitar. Brancos, leves, como burilados em matérias específicas habilmente 
laqueadas, eram puxados por formosas parelhas de cavalos também brancos, nobres 
animais cuja extraordinária beleza e elegância incomum despertariam nossa atenção se 
estivéssemos em condições de algo notar para além das desgraças que nos mantinham 
absorvidos dentro de nosso âmbito pessoal. Dir-se-iam, porém, exemplares da mais alta 
raça normanda, vigorosos e inteligentes, as belas crinas ondulantes e graciosas 
enfeitando-lhes os altivos pescoços quais mantos de seda, níveos e finalmente franjados. 
Nos carros distinguia-se também o mesmo emblema azul-celeste e a legenda respeitável. 
Geralmente, os infelizes assim socorridos encontravam-se desfalecidos, 
exânimes, como atingidos de singular estado comatoso. Outros, no entanto, alucinados 
ou doloridos, infundiriam compaixão pelo estado de supremo desalento em que se 
conservavam. 
Depois de rigorosa busca, a estranha coluna marchava em retirada até o local em 
que se postava o comboio, igualmente defendido por lanceiros hindus. Silenciosamente 
cortava pelos becos e vielas, afastava-se, afastava-se... desaparecendo de nossas vistas 
enquanto mergulhávamos outra vez na pesada solidão que nos cercava... Em vão 
clamavam por socorro os que se sentiam preteridos, incapacitados de compreenderem 
que, se assim sucedia, era porque nem todos se encontravam em condições vibratórias 
para emigrarem para regiões menos hostis. Em vão suplicavam justiça e compaixão ou se 
amotinavam, revoltados, exigindo que os deixassem também seguir com os demais. Não 
respondiam os caravaneiros com um gesto sequer; e se algum mais desgraçado ou
audacioso tentasse assaltar as viaturas a fim de atingi-las e nelas ingressar, dez, vinte 
lanças faziam-no recuar, interceptando-lhe a passagem. 
Então, um coro hediondo de uivos e choro sinistros, de pragas e gargalhadas 
satânicas, o ranger de dentes comum ao réprobo que estertora nas trevas das males por 
si próprio forjados, repercutiam longa e dolorosamente pelas ruas lamacentas, parecendo 
que loucura coletiva atacara os míseros detentos, elevando suas raivas ao 
incompreensível no linguajar humano! 
E assim ficavam... quanto tempo?... Oh! Deus piedoso! Quanto tempo?... 
Até que suas inimagináveis condições de suicidas, de mortos-vivos, lhes 
permitissem também a transferência para localidade menos trágica... ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,






Nenhum comentário:

Postar um comentário