A Caminho da Luz

quinta-feira, 9 de maio de 2013

EM BUSCA DO SENTIDO,,,,,,,,


A liberdade interior 
 Esta tentativa de descrição psicológica e explicação psicopatológica dos traços 
típicos com que a estada mais demorada no campo de concentração marca a 
pessoa parece dar a impressão de que, afinal de contas, a alma humana é clara e 
forçosamente condicionada pelo ambiente. Na psicologia do campo de 
concentração, é precisamente a vida ali imposta, e que constitui um ambiente social 
todo peculiar, que determina, ao que parece, o comportamento da pessoa. Com 
razão se poderão levantar objeções e fazer várias perguntas. Onde fica a liberdade 
humana? Não haveria ali um mínimo de liberdade interior (geistg) no 
comportamento, na atitude frente às condições ambientais ali encontradas? Será 
que a pessoa nada mais é que um resultado da sua constituição física, da sua 
disposição caracterológica e da sua situação social? E, mais particularmente, será 
que as reações anímicas da pessoa a esse ambiente socialmente condicionado do 
campo de concentração estariam de fato evidenciando que ela nem pode fugir às 
influências desta forma de existência às quais foi submetida à força? Precisa ela 
necessariamente sucumbir a essas influências? Será que ela não pode reagir de 
outro modo, "por força das circunstâncias", por causa das condições de vida 
reinantes no campo de concentração? 
 Podemos dar resposta a esta pergunta tanto baseados na experiência como em 
caráter fundamental. A experiência da vida no campo de concentração mostrou-me 
que a pessoa pode muito bem agir "fora do esquema". Haveria suficientes exemplos, 
muitos deles heróicos, que demonstraram ser possível superar a apatia e reprimir a 
irritação; e continua existindo, portanto, um resquício de liberdade do espírito 
humano, de atitude livre do eu frente ao meio ambiente, mesmo nessa situação de 
coação aparentemente absoluta, tanto exterior como interior. Quem dos que 
passaram pelo campo de concentração não saberia falar daquelas figuras humanas 
que caminhavam pela área de formatura dos prisioneiros, ou de barracão em 
barracão, dando aqui uma palavra de carinho, entregando ali a última lasca de pão? 
E mesmo que tenham sido poucos, não deixam de constituir prova de que no campo 
de concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade última de 
assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas. E havia outra alternativa! 
A cada dia, a cada hora no campo de concentração havia milhares de oportunidades 
de concretizar esta decisão interior, uma decisão da pessoa contra ou a favor da

sujeição aos poderes do ambiente que ameaçavam privá-la daquilo que é a sua 
característica mais intrínseca - sua liberdade - e que a induzem, com a renúncia à 
liberdade e à dignidade, a virar mero joguete e objeto das condições externas, 
deixando-se por elas cunhar um prisioneiro "típico" do campo de concentração. 
 Deste último ponto de vista, também a reação anímica dos internados nos campos 
de concentração, em última análise, somente pode ser interpretada como algo mais 
que mera expressão de certas condições físicas anímicas e sociais - por mais que 
todas elas, seja a falta de calorias, seja a deficiência de sono, sejam os mais 
diversos "complexos" anímicos, pareçam sugerir que a decadência da pessoa esteja 
vinculada à lei normativa (Ge setzm. Éssigkeit) de uma psique típica do campo de 
concentração. Aquilo que sucede interiormente com a pessoa, aquilo em que o 
campo de concentração parece "transformá-la", revela ser o resultado de uma 
decisão interior. Em princípio, portanto, toda pessoa, mesmo sob aquelas 
circunstâncias, pode decidir de alguma maneira no que ela acabará dando, em 
sentido espiritual: um típico prisioneiro de campo de concentração, ou então uma 
pessoa humana, que também ali permanece sendo ser humano e conserva a sua 
dignidade. 
 Dostoievsky afirmou certa vez: "Temo somente uma coisa: não ser digno do meu 
tormento." Essas palavras só podiam mesmo ficar passando muitas vezes pela 
cabeça da gente quando se ficava conhecendo aquelas pessoas tipo mártir, cujo 
comportamento no campo de concentração, cujo sofrimento e morte testemunham 
essa liberdade interior última do ser humano, a qual não se pode perder. Sem 
dúvida, elas poderiam dizer que foram "dignas dos seus tormentos". Elas provaram 
que inerente ao sofrimento há uma conquista, que é uma conquista interior. A 
liberdade interior (geistig) do ser humano, a qual não se lhe pode tirar, permite-lhe 
até o último suspiro configurar a sua vida de modo que tenha sentido. Pois não 
somente uma vida ativa tem sentido, em dando à pessoa a oportunidade de 
concretizar valores de forma criativa. Não há sentido apenas no gozo da vida, que 
permite à pessoa a realização na experiência do que é belo, na experiência da arte 
ou da natureza. Também há sentido naquela vida que - como no campo de 
concentração - dificilmente oferece uma chance de se realizar criativamente e em 
termos de experiência, mas que lhe reserva apenas uma possibilidade de configurar 
o sentido da existência, precisamente na atitude com que a pessoa se coloca face à 
restrição forçada de fora sobre seu ser. Faz muito que o recluso está privado do 
gozo da vida criativa. Mas não é só a vida criativa e o gozo de seus dons que têm 
sentido. Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. 
Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo 
que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo. 
 A maioria se preocupava com a questão: "será que vamos sobreviver ao campo de 
concentração? Pois caso contrário todo esse sofrimento não tem sentido". Em 
contraste, a pergunta que me afligia era outra: "Será que tem sentido todo esse 
sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois caso contrário, afinal de contas, não 
faz sentido sobreviver ao campo de concentração." Uma vida cujo sentido depende 
exclusivamente de se escapar com ela ou não e, portanto, das boas graças de 
semelhante acaso – uma vida dessas nem valeria a pena ser vivida. 
O destino - um presente 
 Da maneira com que uma pessoa assume o seu destino inevitável, assumindo com 
esse destino todo o sofrimento que se lhe impõe, nisso se revela, mesmo nas mais 
difíceis situações, mesmo no último minuto de sua vida, uma abundância de possibilidades de dar sentido à existência. Depende se a pessoa permanece 
corajosa e valorosa, digna e desinteressada, ou se na luta levada ao extremo pela 
auto-preservação ela esquece sua humanidade e acaba tornando-se por completo 
aquele animal gregário, conforme nos sugeriu a psicologia do prisioneiro do campo 
de concentração. Dependendo da atitude que tomar, a pessoa realiza ou não os 
valores que lhe são oferecidos pela situação sofrida e pelo seu pesado destino. Ela 
então será "digna do tormento", ou não. 
 Ninguém pense que essas reflexões estejam distantes da realidade da vida e do 
mundo. Sem dúvida, poucas e raras são as pessoas capazes e à altura dessa 
elevada proposta. Pois poucos foram os que no campo de concentração mantiveram 
a sua plena liberdade interior e puderam alçar-se à realização daqueles valores 
possibilitada pelo sofrimento. E mesmo que tivesse sido um único apenas - ele 
bastaria como testemunho para o fato de que a pessoa interiormente pode ser mais 
forte que seu destino exterior, e isto não somente no campo de concentração. 
Sempre e em toda parte a pessoa está colocada diante da decisão de transformar a 
sua situação de mero sofrimento numa produção interior de valores. Tomemos o 
caso dos doentes, particularmente os incuráveis. Li certa vez a carta de um paciente 
relativamente jovem comunicando ao seu amigo que acabara de ficar sabendo que 
sua vida não duraria muito mais e que mesmo uma operação não o salvaria. Mas 
escrevia ainda nesta carta que justamente agora se lembrava de um filme no qual 
um homem encarava a sua morte com disposição, dignidade e coragem. Naquela 
ocasião, quando assistiu o filme, este nosso paciente pensara que só pode ser "um 
presente do céu" caminhar em direção à morte com essa atitude, de cabeça erguida, 
e agora - escrevia ele – seu destino lhe dera essa chance. 
 Anos atrás vimos outro filme, "Ressurreição", baseado num romance de Tolstoi. 
Quem então não pensou a mesma coisa: Que destinos grandiosos, quão grandes 
personalidades! Nós de certo não teremos um destino tão glorioso e por isso jamais 
poderemos alcançar semelhante grandeza humana. . . Terminada a sessão de 
cinema, íamos tomar um café, comer um sanduíche e acabávamos com essas 
estranhas idéias metafísicas que por um momento haviam cruzado nosso 
pensamento. Mas quando a gente mesmo se via colocado perante um destino 
grandioso, quando a gente mesmo se defrontava com a decisão de fazer frente ao 
destino com grandeza interior própria, já tínhamos esquecido aqueles propósitos 
pouco sérios e acabávamos falhando. . . 
 Para este ou aquele, entretanto, talvez tenha chegado o dia em que estava 
novamente sentado no cinema assistindo ao mesmo filme, ou a um filme 
semelhante, enquanto que interiormente o seu olhar imaginativo assistia 
simultaneamente ao filme de lembrança, de lembrança daquelas que jamais 
realizaram em sua vida tudo isso, e mais ainda do que o pode mostrar uma 
produção cinematográfica de cunho sentimental. Quem sabe, então nos ocorre esse 
ou aquele detalhe dessa ou daquela história da grandeza interior de determinada 
pessoa - como por exemplo a história de uma mulher jovem morrendo no campo de 
concentração, da qual fui testemunha. A história é singela, não há muito o que 
contar, e mesmo assim ela soará como que inventada, de tão poética que ela se me 
afigura. 
 Essa jovem mulher sabia que teria que morrer nos próximos dias. Quando falei com 
ela, ainda assim estava bem disposta. 
 "Sou grata a meu destino por ser assim tão duro comigo", foi o que ela me disse 
textualmente, "pois em minha vida burguesa anterior eu estive mal-acomodada 
demais e minhas ambições espirituais não eram lá muito sérias." Em seus últimos dias ela estava completamente ensimesmada. "Essa árvore ali é única amiga em 
minhas solidões", disse-me ela apontando pela janela do barracão. Lá fora um 
castanheiro estava em plena florescência e do catre da enferma podia-se enxergar, 
pela pequena janela do barracão da enfermaria, um único ramo verdejante com 
duas flores. "Com essa árvore eu converso muitas vezes", disse ela. Fico meio 
desconcertado, sem saber como interpretar as suas palavras: Estaria ela sofrendo 
de alucinações e delírios? Por isso lhe pergunto se a árvore também lhe responde - 
sim? - e que lhe estaria dizendo. Respondeu-me: "Ela me disse, estou aqui, eu - 
estou - aqui - eu sou a vida, a vida eterna..." 
Análise da existência provisória 
 Dissemos acima que a razão última para a deformação da realidade vital interior da 
pessoa no campo de concentração não está nas causas psicofísicas enumeradas, 
mas que ela se origina, em última análise, numa livre decisão. Isso queremos 
detalhar a seguir. A observação psicológica dos reclusos, no campo de 
concentração, revelou em primeiro lugar que somente sucumbe às influências do 
ambiente no campo, em sua evolução de caráter, aquele que entregou os pontos 
espiritual e humanamente. Mas somente entregava os pontos aquele que não tinha 
mais em que se segurar interiormente! Em que deveria e poderia consistir esse 
apoio interior? Eis a nossa questão. 
 Os relatos e descrições de casos vividos por ex-prisioneiros como Gordam em que 
o mais deprimente era o fato de o recluso geralmente nunca saber quanto tempo ele 
ainda teria que passar no campo de concentração. Ele não conhece o prazo para a 
libertação! Este, se entrava em cogitação (o que não acontecia no nosso campo), 
era tão indeterminado que na prática a duração do confinamento não só era 
impossível de se conhecer, mas podia ser considerada ilimitada. Um conhecido 
pesquisador na área da psicologia apontou certa vez para o fato de que a forma de 
existência no campo de concentração poderia ser caracterizada como uma 
"existência provisória". De nossa parte precisamos complementar essa 
caracterização dizendo que a existência do prisioneiro em campo de concentração 
pode ser definida como "provisória sem prazo". 
 Ao chegar a um campo de concentração, os recém-internados geralmente pouco 
sabiam sobre as condições ali vigentes. Os que voltavam tinham que se calar e de 
certos campos jamais alguém regressara... Ao pôr os pés no campo, entretanto, 
alterava-se o cenário interior. Com o fim da incerteza também já chegava - a 
incerteza do fim. Não se podia prever quando chegaria ao fim essa forma de 
existência, se é que jamais sucederia. 
 Como se sabe, o termo latino finis tem dois significados: fim e meta. A pessoa cuja 
situação não permite prever o final de uma forma provisória de existência também 
não consegue viver em função de um alvo. Ela também não consegue mais existir 
voltada para o futuro, como o faz a pessoa numa existência normal. 
Concomitantemente altera-se toda a estrutura de sua vida interior. Começam a 
aparecer sinais de decaimento interior como os conhecemos também de outras 
áreas de vivência. Numa situação psicológica idêntica encontra-se, por exemplo, o 
desempregado; também a sua existência se tornou provisória e também ele, de 
certo modo, não pode viver voltado para o futuro, em função de um alvo neste 
futuro. Pesquisas psicológicas sistemáticas junto a mineiros desempregados 
permitem analisar os efeitos deste modo deformado de existência sobre a percepção 
do tempo, sobre o tempo interior ou "tempo de vivência", como se o denomina na 
psicologia.

 No campo de concentração era assim: um breve período de tempo, por exemplo 
um dia, preenchido por incertezas e violências a todo momento, parecia 
interminável; um período mais longo, entretanto - digamos uma semana - preenchido 
com a monotonia diária, parecia transcorrer com rapidez incrível. E meus 
companheiros sempre me davam razão quando dizia: No campo de concentração 
um dia demora mais que uma semana! Tão paradoxal era a percepção do tempo. 
 Neste contexto, por sinal, vêm também à lembrança as certeiras observações 
psicológicas de Thomas Mann em seu romance A Montanha Mágica, onde se 
descreve a evolução anímica de pessoas em situação psicológica análoga: 
tuberculosos internados em sanatório, que igualmente não sabem quando receberão 
alta e ficam numa existência "sem futuro", sem orientação para uma meta, assim 
como os tipos humanos confinados em campo de concentração. 
 Um dos prisioneiros contou-me que, ao marchar numa longa coluna de reclusos 
recém-chegados, indo da estação ferroviária para o campo de concentração, teve o 
sentimento de estar andando "atrás de seu próprio cadáver". Tal a intensidade com 
que ele experimentou naquela ocasião a sua absoluta falta de futuro, a qual o 
obrigou a encarar toda a sua vida exclusivamente sob a perspectiva do passado, 
como algo passado, como de um morto. Essa experiência de ser "cadáver vivo" 
ainda é aprofundada por outros momentos. Enquanto que na dimensão temporal se 
faz sentir o caráter ilimitado da detenção, faz-se sentir na dimensão espacial a 
limitação, o encarceramento. Aquilo que se encontra do lado de fora do arame 
farpado muito cedo parece inacessível e finalmente irreal, de certo modo. Os 
acontecimentos lá fora, assim como as pessoas e toda a vida normal fora do campo 
assumem um aspecto de certa forma fantasmagórico para aquele que está dentro do 
campo de concentração. Na medida em que essa pessoa puder lançar um olhar 
para fora, a vida ali há ser vista por ela como que por um falecido que olha do "além" 
para este mundo. Em relação ao mundo normal, o recluso com o tempo se sentirá 
como se tivesse "desaparecido para este mundo". 
 Para quem entrega os pontos como pessoa; por não mais conseguir apoiar-se num 
alvo futuro, a forma de vida interior no campo de concentração acaba 
desembocando numa forma de existência retrospectiva. Dessa tendência de voltar 
para o passado já falamos em outro contexto. Ela se presta para a depreciação do 
presente com seus horrores. Ocorre, porém, que a depreciação do presente, da 
realidade envolvente, implica certo perigo. Isto porque podem ser facilmente 
esquecidas as possibilidades de influência criativa sobre a realidade, as quais não 
deixam de existir também no campo de concentração, como ficou demonstrado em 
diversos exemplos heróicos. A depreciação total da realidade oriunda da forma 
provisória de existência do recluso acaba seduzindo a pessoa a entregar os pontos 
completamente, a abandonar-se a si mesma, visto que de qualquer forma "tudo está 
perdido". Essas pessoas estão se esquecendo de que muitas vezes é justamente 
uma situação exterior extremamente difícil que dá à pessoa a oportunidade de 
crescer interiormente para além de si mesma. Em vez de transformar as dificuldades 
externas da vida no campo de concentração numa prova de sua força interna, elas 
não levam a sério a existência atual, e depreciam-na para algo sem real valor. 
Preferem fechar-se a esta realidade ocupando-se ainda apenas com a vida passada. 
 A vida dessas pessoas acaba se assoreando, em vez de alçar-se a um ponto alto 
justamente sob as dificuldades extremas da reclusão, para o que, em princípio, 
haveria a chance. Naturalmente são poucas as pessoas capazes para isso; mas elas 
conseguiram, mesmo no fracasso exterior e mesmo na morte, alcançar uma 
grandeza humana que antes, em sua existência cotidiana, talvez jamais lhes tivesse 

sido concedida. Para os outros, entretanto, para nós, do tipo médio e morno, 
passava a valer a advertência de Bismarck: "A vida é como estar no dentista: a 
gente pensa que o principal ainda vem, quando na realidade já passou." Variando 
um pouco, poderíamos dizer que a maioria das pessoas no campo de concentração 
acreditava terem perdido as verdadeiras possibilidades de realização, quando na 
realidade elas consistiam justamente naquilo que a pessoa fazia dessa vida no 
campo: vegetar como os milhares de prisioneiros ou, como uns poucos, vencer 
interiormente. 

Espinoza como educador 
 Assim fica evidente que toda tentativa psicoterapêutica ou mesmo psicohigiênica 
de combater os fenômenos psicopatológicos suscitados no prisioneiro pela vida no 
campo de concentração necessariamente terá que procurar a reconstrução interior 
da pessoa lá e a despeito de lá, procurando fazê-la orientar-se para o futuro, para 
um alvo no futuro. Instintivamente um ou outro recluso o fez por si. A maioria 
dispunha de algo que os sustentava, e geralmente se tratava de um pedaço de 
futuro. Não deixa de ser uma peculiaridade do ser humano que ele somente pode 
existir propriamente com uma perspectiva futura, de certa forma subespécie 
aeternitatis - perspectiva da eternidade. 
 Nos momentos difíceis de sua existência, ele sempre de novo se refugia nesta 
dimensão futura. Muitas vezes isto pode tomar a forma de um truque. 
 No que tange a mim, lembro-me da seguinte experiência: Quase chorando de dor 
nos pés lesionados postos em sapatos abertos, num frio terrível e enfrentando um 
vento gelado, eu ia mancando na longa coluna no caminho de vários quilômetros 
entre o campo e o local da obra. Meu espírito se ocupava sem cessar com os 
milhares de pequenos problemas de nossa mísera vida de campo de concentração. 
Que vamos comer à noite? Não será melhor trocar a rodela extra de lingüiça por um 
pedaço de pão? Será que devo negociar por uma tigela de sopa o último cigarro que 
recebi de "prêmio" duas semanas atrás? Como vou conseguir um pedaço de arame 
para substituir o que quebrou e que servia para fechar os sapatos? Será que vou me 
integrar em tempo ao habitual grupo de trabalho no local da obra, ou vão me 
despachar para outra turma com capataz brutal e violento? E que poderia eu fazer 
para cair no agrado de determinado Capo, que me poderia proporcionar a imensa 
felicidade de ser utilizado como trabalhador de depósito no próprio campo de 
concentração, de modo que não precisasse mais acompanhar diariamente essa 
marcha terrível? Já me causa repugnância essa compulsão cruel que força meu 
pensamento a se atormentar diária e constantemente só com esse tipo de 
problemas. Eis que então aplico um truque: Vejo-me de repente ocupando a tribuna 
de um grande auditório magnificamente iluminado e aquecido, diante de mim um 
público a ouvir atento, sentado em confortáveis poltronas, enquanto vou falando; dou 
uma palestra sobre a psicologia do campo de concentração, e tudo aquilo que tanto 
me tortura e oprime acaba sendo objetivado, visto e descrito da perspectiva mais 
alta da ciência. . . Através desse truque consigo alçar-me de algum modo para acima 
da situação, colocar-me acima do tempo presente e de seu sofrimento, 
contemplando-o como se já estivesse no passado e como se eu mesmo, com todo o 
meu tormento, fosse objeto de uma interessante investigação psicológico-científica, 
por mim mesmo empreendida. Diz Espinoza em sua "Ética": "þIffectur qui parsio 
esta, desinit esse parsio simulatque eius claram et distinctam formamus ideam. " (A 
emoção que é sofrimento deixa de ser sofrimento no momento em que dela

formarmos uma idéia clara e nítida. - Ética, quinta parte, "Do poder do espírito ou a 
liberdade humana", sentença III.) 
 Quem não consegue mais acreditar no futuro - seu futuro - está perdido no campo 
de concentração. Com o futuro, tal pessoa perde o apoio espiritual, deixa-se cair 
interiormente e decai física e psiquicamente. Geralmente isto acontece de forma até 
bastante repentina, numa espécie de crise cujos sintomas o recluso relativamente 
experiente conhece muito bem. Cada um de nós temia aquele momento em que se 
manifestava pela primeira vez essa crise - não em si próprio, pois então já teria sido 
indiferente, e sim em seus amigos. Geralmente essa crise se configurava da 
seguinte maneira: A pessoa em questão certo dia ficava simplesmente deitada em 
seu barracão, e ninguém conseguia persuadi-la a botar a roupa, ir ao lavatório ou 
mesmo a se apresentar na formatura de chamada. Nada mais surtia efeito, nada lhe 
metia medo, nem súplicas, nem ameaças, nem golpes, tudo em vão. O sujeito 
simplesmente ficava deitado, não se mexia, e quando uma doença provocava essa 
crise, a pessoa se negava inclusive a ser transportada para o ambulatório ou tomar 
qualquer medida em prol de si mesma. Ela entrega os pontos! Fica deitada até nas 
próprias fezes e urina, pois nada mais a interessa. 
 Certa vez vivenciei de forma dramática a importância da relação existente entre 
esse perigosíssimo entregar os pontos, o deixar-se cair, por um lado, e a perda da 
vivência em função do futuro, por outro. O chefe do meu bloco, um estrangeiro que 
outrora fora um compositor musical bastante conhecido, disse-me certo dia: "Ei, 
doutor, gostaria de lhe contar uma coisa. Há pouco tempo tive um sonho curioso. 
Uma voz me disse que eu poderia expressar um desejo, que poderia dizer o que 
gostaria de saber e ela me responderia qualquer pergunta. Sabe o que eu 
perguntei? Quero saber quando a guerra terminará para mim. Sabe o que quero 
dizer: para mim! Isto é, queria saber quando seremos libertos do nosso campo de 
concentração, ou seja, quando terminarão os nossos sofrimentos." Perguntei-lhe 
quando tivera esse sonho. "Em fevereiro de 1945", respondeu. Estávamos no 
começo de março. "E o que te disse então a voz em sonho?", continuei perguntando. 
Bem baixinho, me segredou: "Em trinta de março. . ." 
 Quando este meu companheiro me narrou o seu sonho, estava ainda cheio de 
esperança, convicto de que cumpriria o que anunciara aquela voz. Mas a data 
profetizada se aproximava cada vez mais e as notícias sobre a situação militar, na 
medida em que penetravam em nosso campo, faziam parecer cada vez menos 
provável que a frente de batalha de fato nos trouxesse a liberdade ainda no mês de 
março. Deu-se então o seguinte: Em vinte e nove de março aquele companheiro foi 
repentinamente atacado de febre alta. Em trinta de março, no dia em que de acordo 
com a profecia a guerra e o sofrimento (para ele) chegaria ao fim, ele caiu em pleno 
delírio e finalmente entrou em coma. . . No dia trinta e um de março ele estava 
morto. Falecera de tifo exantemático. 
 Quem conhece as estreitas relações existentes entre o estado emocional de uma 
pessoa e as condições de imunidade do organismo, compreenderá os efeitos fatais 
que poder ter a súbita entrega ao desespero e ao desânimo. Em última análise, meu 
companheiro foi vitimado porque sua profunda decepção pelo não-cumprimento da 
libertação pontualmente esperada reduziu drasticamente a capacidade de seu 
organismo contra a infecção de tifo exantemático já latente. Paralisaram-se sua fé no 
futuro e sua vontade de futuro, acabando seu organismo por sucumbir à doença. 
Assim a voz do seu sonho acabou prevalecendo... 
 Este caso isolado e as conclusões dele tiradas coadunam-se com outra observação 
para a qual o médico-chefe do nosso campo chamou a minha atenção certa vez. Na 

semana entre o Natal de 1944 e o Ano Novo de 1945 irrompeu uma mortandade 
jamais vista anteriormente no nosso campo de concentração. Também o médicochefe foi de opinião de que as causas da mesma não estavam num agravamento 
das condições de trabalho ou de alimentação ou numa eventual alteração climática 
ou mesmo novas epidemias. Antes, a causa dessa mortandade em massa devia ser 
procurada exclusivamente no fato de a maioria dos prisioneiros ter se entregue à 
habitual e ingênua esperança de estar de volta em casa já para o Natal. Como, 
porém, as notícias dos jornais fossem tudo menos animadoras, ao se aproximar 
aquela data, os reclusos foram tomados de desânimo e decepção gerais, cuja 
perigosa influência sobre a capacidade de resistência dos prisioneiros se manifestou 
justamente também naquela mortandade em massa daquele período. 
 Dissemos acima que toda tentativa de restabelecer interiormente as pessoas no 
campo de concentração pressupõem que, consigamos orientá-los para um alvo no 
futuro. A divisa que necessariamente orientou todos os esforços psicoterapêuticos 
ou psico-higiênicos junto aos prisioneiros talvez encontre sua melhor expressão nas 
palavras de Nietzsche: "Quem tem por que viver agüenta quase qualquer como". 
Portanto era preciso conscientizar os prisioneiros, à medida em que era dada a 
oportunidade, do "porquê" de sua vida, do seu alvo, para assim conseguir que eles 
estivessem também interiormente à altura do terrível "como" da existência presente, 
resistindo aos horrores do campo de concentração. E, inversamente, ai daquele que 
não via mais a meta diante de si em sua vida, cuja vida não tinha mais conteúdo, 
mas perdia o sentido de sua existência e assim todo e qualquer motivo para suportar 
o sofrimento. Essas pessoas perdiam a estrutura e deixavam-se cair muito cedo. A 
expressão típica com que replicavam a toda e qualquer palavra animadora era 
sempre a mesma: "Não tenho mais nada a esperar da vida". Como se reagir a esta 
atitude? 

Perguntar pelo sentido da vida 
 O que se faz necessário aqui é uma viravolta em toda a colocação da pergunta 
pelo sentido da vida. Precisamos aprender e também ensinar às pessoas em 
desespero que a rigor nunca e jamais importa o que nós ainda temos a esperar da 
vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós. Falando em termos 
filosóficos, se poderia dizer que se trata de fazer uma revolução copernicana. Não 
perguntamos mais pelo sentido da vida, mas nos experimentamos a nós mesmos 
como os indagados, como aqueles aos quais a vida dirige perguntas diariamente e a 
cada hora - perguntas que precisamos responder, dando a resposta adequada não 
através de elucubrações ou discursos, mas apenas através da ação, através da 
conduta correta. Em última análise, viver não significa outra coisa que arcar com a 
responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, pelo 
cumprimento das tarefas colocadas pela vida a cada indivíduo, pelo cumprimento da 
exigência do momento. 
 Essa exigência, e com ela o sentido da existência, altera-se de pessoa para pessoa 
e de um momento para o outro. Jamais, portanto, o sentido da vida humana pode 
ser definido em termos genéricos, nunca se poderá responder com validade geral a 
pergunta por este sentido. A vida como a entendemos aqui não é nada vago, mas 
sempre algo concreto, de modo que também as exigências que a vida nos faz 
sempre são bem concretas. Esta concreticidade está dada pelo destino do ser 
humano, que para cada um sempre é algo único e singular. Nenhum ser humano e 
nenhum destino pode ser comparado com outro; nenhuma situação se repete. E em 
cada situação a pessoa é chamada a assumir outra atitude. Para a sua situação concreta exige dela que ela aja, ou seja, que ela procure configurar ativamente o seu 
destino; ora, que ela aproveite uma oportunidade para realizar valores simplesmente 
vivenciando (por exemplo, gozando); outra vez, que ela simplesmente assuma o seu 
destino. Mas sempre é assim que toda e qualquer situação se caracteriza, por esse 
caráter único e exclusivo que somente permite uma única resposta" correta à 
pergunta contida na situação concreta. 
 Quando um homem descobre que seu destino é sofrer, tem que ver neste 
sofrimento uma tarefa sua e única. Mesmo diante do sofrimento, a pessoa precisa 
conquistar a consciência de que ela é única e exclusiva em todo o cosmo-centro 
deste destino sofrido. Ninguém pode assumir dela isso, e ninguém pode substituir a 
pessoa no sofrimento. Mas na maneira como ela própria suporta este sofrimento 
está também a possibilidade de uma vitória única e singular. 
 Para nós, no campo de concentração, nada disso era especulação inútil sobre a 
vida. Essas reflexões eram a única coisa que ainda podia ajudar-nos, pois esses 
pensamentos não nos deixavam desesperar quando não enxergávamos chance 
alguma de escapar com vida. O que nos importava já não era mais a pergunta pelo 
sentido da vida como ela é tantas vezes colocada, ingenuamente, referindo-se a 
nada mais do que a realização de um alvo qualquer através de nossa produção 
criativa. O que nos importava era o objetivo da vida naquela totalidade que incluiu a 
morte e assim não somente atribui sentido à "vida", mas também ao sofrimento e à 
morte. Este era o sentido pelo qual estávamos lutando! 
Sofrimento como vitória 
 Uma vez que se nos revelara o sentido do sofrimento, também nos negávamos 
então a ficar desfazendo ou minimizando o volume de sofrimento que havia no 
campo de concentração, seja "reprimindo-o" ou iludindo-nos a respeito do mesmo 
com otimismo barato ou artificial. Para nós também o sofrimento passara a ser uma 
incumbência cujo sentido não mais queríamos excluir. Para nós ele tinha revelado o 
seu caráter de conquista, aquele caráter de conquista que levou Rilke a exclamar: 
"Wieviel ist aufzuleiden!" (Quanto sofrimento há por resgatar!) Rilke falava de 
resgatar o sofrimento como outros diriam cumprir uma tarefa. 
 Havia muito sofrimento esperando ser resgatado por nós. Por isso, era também 
necessário olhar de frente a situação, a avalanche de sofrimento, apesar do perigo 
de alguém "amolecer" e quem sabe, em segredo deixar as lágrimas correr 
livremente. Não precisaria envergonhar-se dessas lágrimas. Eram o penhor de ele 
ter a maior das coragens - a coragem de sofrer. Mas pouquíssimos sabiam disso, e 
só envergonhados admitiam ter-se extravasado em lágrimas de novo. Certa vez 
perguntei a um companheiro como fizera desaparecer os seus edemas de fome, ao 
que ele confessou: "Curei-os chorando..." 
Algo está esperando 
 As tentativas embrionárias de uma psicoterapia ou psicahigiene no campo de 
concentração foram de natureza individual e coletiva. As tentativas psicoterapêuticas 
individuais foram muitas vezes um "tratamento" urgente para salvar a vida. Afinal 
esses esforços se destinavam sobretudo à prevenção de suicídios. Para os casos 
em que se concretizara a tentativa de suicídio havia uma proibição rigorosíssima de 
salvar a pessoa em questão. Assim era oficialmente proibido, por exemplo, "soltar" 
companheiros que alguém encontrasse enforcados. Tanto mais se impunha a 
necessidade de tomar medidas preventivas. Lembro de dois "casos". Apresento-os 
não só por servirem de paradigmas para a aplicação prática das reflexões acima 

expostas, mas por revelarem também um notável paralelismo. Trata-se de dois 
homens que em conversas haviam manifestado intenções de suicídio. Ambos 
alegaram da maneira típica que "nada mais tinham a esperar da vida". Importava 
mostrar a ambos que a vida esperava algo deles, e algo na vida, no futuro, estaria 
esperando por eles. E de fato revelou-se que por um deles havia um ser humano 
esperando: seu filho, ao qual idolatrava, "esperava" pelo pai no exterior. Pelo outro 
"esperava" não uma pessoa, mas um objeto: sua obra. O homem era cientista e 
publicara uma série de livros sobre determinado tema, a qual não estava concluída e 
aguardava a sua conclusão. E para esta obra este homem era insubstituível, não 
podia ser trocado por outro. Mas ele não era nem mais nem menos insubstituível 
que aquele outro que, no amor da criança, era único e não podia ser trocado. Aquela 
unicidade e exclusividade que caracteriza cada pessoa humana e dá sentido à 
existência do indivíduo, faz-se valer tanto em relação a uma obra ou uma conquista 
criativa, como também em relação a outra pessoa e ao amor da mesma. Esse fato 
de cada indivíduo não poder ser substituído nem representado é, no entanto, aquilo 
que, levado ao nível da consciência, ilumina em toda a sua grandeza a 
responsabilidade do ser humano por sua vida e pela continuidade da vida. A pessoa 
que se deu conta dessa responsabilidade em relação à obra que por ela espera ou 
perante o ente que a ama e espera, essa pessoa jamais conseguirá jogar fora a sua 
vida. Ela sabe do "porquê" de sua existência - e por isso também conseguirá 
suportar quase todo "como". 
Uma palavra na hora certa 
 As possibilidades de psicoterapia coletiva naturalmente eram extremamente 
restritas no campo de concentração. Nesta área, o que tinha efeito 
incomparavelmente maior do que a fala era o exemplo. Contanto que um chefe de 
bloco não estivesse do lado das autoridades nazistas tinha incontáveis 
oportunidades de exercer uma influência profunda e positiva sobre aqueles que se 
achavam sob sua esfera de ação, através de uma atitude reta e encorajadora. O 
efeito direto do ser exemplo sempre é maior do que o efeito de palavras. Volta e 
meia, porém, também a palavra tinha efeito, quando por alguma circunstância 
externa aumentava o eco interior. Lembro-me de certa ocasião em que surgiu a 
oportunidade de aproveitar psicoterapeuticamente, numa espécie de diálogo 
coletivo, a receptividade interior dos reclusos favorecida por determinada situação 
externa. 
 O dia fora terrível. Fazia pouco, haviam sido anunciados na hora da chamada todos 
os pontos que doravante seriam considerados sabotagem e punidos imediatamente 
por enforcamento. Entre estes delitos constavam trivialidades como cortar tiras 
estreitas de nossos velhos cobertores (o que muitos de nós tínhamos feito para 
confeccionar polainas improvisadas), além de qualquer "furto", mesmo o mais 
insignificante. Acontece que poucos dias antes um prisioneiro que estava morrendo 
de fome penetrara no depósito de batatas para roubar uns quilos delas. Constatouse o arrombamento e alguns prisioneiros descobriram o "assaltante". Quando a 
direção do campo deu pela coisa, exigiu a entrega do delinqüente, caso contrário o 
campo inteiro teria que ficar de jejum durante um dia. Naturalmente os dois mil e 
quinhentos companheiros preferiram jejuar a entregar o companheiro para ser 
enforcado. Ao chegar a noite desse dia de jejum, estávamos estirados em nosso 
barracão, todos tomados de depressão geral. Falava-se pouco e quando saía uma 
palavra ela demonstrava irritação. Como se não bastasse, a luz apagou. O estado 
de espírito geral atingia o seu ponto mais baixo. O chefe do grupo, porém, era uma

pessoa atilada e improvisou uma conversa sobre tudo aquilo que tanto nos 
preocupava interiormente. Falou sobre os tantos companheiros que haviam morrido 
nos últimos dias, de doença ou por suicídio. Falou também sobre o que 
provavelmente seria o motivo real dessas mortes, em ambas as modalidades: o 
entregar os pontos. Sobre este ponto bem como sobre a questão de como se 
poderia talvez resguardar ainda as prováveis vítimas seguintes desse fatal autoabandono interior, o nosso chefe pediu que se desse algumas explicações e citou o 
meu nome! Ora, o meu estado de espírito naquele momento nem de longe era de 
dar explicações psicológicas ou qualquer consolo psicoterapêutico para meus 
companheiros de barracão, numa espécie de aconselhamento médico-pastoral. Eu 
estava com frio e com fome e também me sentia muito mole e irritado. Mas tive que 
juntar as forças e aproveitar esta oportunidade única, pois o que mais precisavam 
agora era de ânimo. 
Terapia médica da alma 
 Iniciei por dizer que, olhando objetivamente, o futuro só podia parecer 
desesperador. Admiti que cada um de nós podia calcular para si mesmo como 
mínimas as chances de sobrevivência. Ainda não chegara ao campo a epidemia de 
tifo exantemático. Mesmo assim, estimei em cinco por cento minhas chances de 
sobreviver. E disse isso a eles! E lhes disse também que, no que dependesse de 
mim, não perderia a esperança nem desistiria de lutar Pois ninguém conhece o 
futuro. Nenhuma pessoa sabe o que talvez lhe ocorrerá dentro de uma hora. Não 
podíamos esperar novidades militares sensacionais para o dia seguinte - e ninguém 
melhor que nós, com longa experiência de campo de concentração, para sabê-lo. 
Mas muitas vezes surge de repente uma grande chance, no mínimo para o 
indivíduo: ser destacado para um reduzido transporte destinado a um comando 
especial com condições de trabalho excepcionalmente favoráveis, etc. - coisas que 
às vezes eram o anseio e a maior "felicidade" do recluso.
 Mas não falei somente do futuro e da penumbra em que este felizmente estava 
envolto, nem fiquei apenas no presente com todo seu sofrimento. Falei também do 
passado, com todas as suas alegrias, e da luz que ele ainda lançava para dentro 
das trevas dos nossos dias. Citei o poeta que diz: "Aquilo que viveste nenhum poder 
do mundo tirará." Aquilo que realizamos na riqueza da nossa vida passada, na 
abundância de suas experiências, essa riqueza interior nada nem ninguém nos 
podem tirar. Mas não só o que vivenciamos; também aquilo que fizemos, aquilo que 
de grandioso pensamos, e o que padecemos, tudo isso salvamos para a realidade 
de uma vez por todas. Estas experiências podem pertencer ao passado, justamente 
no passado ficam asseguradas para toda a eternidade! Pois o passado também é 
uma dimensão do ser, quem sabe, a mais segura. 
 Finalizando, disse que a vida está repleta de oportunidades para dotá-la de sentido. 
Os meus companheiros mal se mexiam, estirados pelo chão. Vez por outra, ouvia-se 
um suspiro doloroso. Dei a entender que a vida humana tem sentido sempre e em 
todas as circunstâncias, e que esse infinito significado da existência também 
abrange sofrimento, morte e aflição. Pedi àqueles pobres coitados, que há tempo me 
escutavam na escuridão total do barracão, que olhassem de frente para a situação 
em que estávamos, por mais difícil que ela fosse, e não desesperassem, mas 
recobrassem o ânimo, cientes de que, mesmo perdida, a nossa luta, nossos 
esforços não perderiam seu sentido e dignidade. Cada um de nós, disse-lhes eu, 
nestes momentos difíceis e mais ainda na hora derradeira que se aproxima para 
muitos de nós, se encontra sob o olhar desafiante de amigos ou de uma mulher, de um vivente ou de um morto - ou sob o olhar de Deus. Que espera que não o 
decepcionemos e que saibamos sofrer e morrer não miseravelmente, mas com 
orgulho! Encerrando, falei do nosso sacrifício. Disse que ele tem sentido em todo e 
qualquer caso. Disse que a natureza do sacrifício implica ser ele vivido na premissa 
de que, neste nosso mundo, no mundo do êxito, nada se alcança com ele. Não vem 
ao caso se o sacrifício é feito em prol de uma idéia política ou se trata de autoimolação de uma pessoa em favor de outra. Claro, aqueles que fossem crentes no 
sentido religioso poderiam entendê-lo com facilidade. Mencionei aquele 
companheiro que, no início de sua estada no campo de concentração, propusera ao 
céu um pacto: que o seu sofrimento e morte poupassem de uma morte atormentada 
a pessoa por ele tão amada. Para este homem sofrimento e morte não eram sem 
sentido, mas sim, foram dotados do mais profundo sentido em sua função de 
sacrifício. Ele não queria nem sofrer nem morrer sem um sentido. Ninguém de nós o 
queria! Dar a esta vida, aqui e agora, naquele barracão, naquela situação 
praticamente sem saída, este sentido último, foi o propósito das minhas palavras. 
 Não demorou muito e pude perceber que esse propósito atingira o seu objetivo. Ao 
acender-se novamente a lâmpada elétrica do barracão, vi achegarem-se as figuras 
miseráveis de meus companheiros, mancando, com lágrimas nos olhos, para 
agradecer-me. Mas quero confessar aqui que apenas raramente tive a força interior 
para abrir-me num contato tão intenso e último com meus companheiros de cruz 
como naquela noite. 
Psicologia da guarda 
 Discutimos até aqui o choque na recepção e a psicologia da vida propriamente dita 
no campo de concentração. Antes de nos voltarmos à terceira fase de reações 
anímicas do recluso, ou seja, à psicologia de recém-liberto do campo de 
concentração, queremos dedicar nossa atenção, por um momento, a uma questão à 
parte, que repetidamente é apresentada ao psicólogo, de modo geral, e mais 
particularmente àquele que vivenciou em pessoa essas coisas: a psicologia do 
pessoal da guarda no campo de concentração. Como é possível que pessoas de 
carne e osso cheguem a infligir tamanho sofrimento a outros seres humanos? 
Quando alguém ouve estes relatos, realmente dando-lhes crédito, e dando-se conta 
de que semelhantes coisas de fato são possíveis, então se pergunta como algo 
assim é possível psicologicamente. Para responder a esta pergunta, mesmo sem 
querer entrar a fundo na questão, é preciso lembrar que existem entre os guardas de 
um campo de concentração sádicos por excelência, no sentido estritamente clínico. 
Em segundo lugar se escolhiam sádicos justamente quando se compunham 
pelotões de guarda excepcionalmente rigorosos. Já falamos da seleção negativa de 
carrascos e cúmplices feita entre a massa dos prisioneiros para ocupar a posição de 
Capo, o que explica por que justamente os elementos brutais e os indivíduos 
egoístas conseguiam sobreviver. Além dessa seleção negativa, havia ainda no 
campo uma seleção positiva das pessoas sádicas. 
 Às vezes ficávamos no local da obra trabalhando no valo sob temperaturas abaixo 
de zero, praticamente sem agasalho, recebendo, porém a licença de nos aquecer 
junto a uma lareira portátil, cada um por seu turno e alguns minutos a cada duas 
horas. Alimentávamos esta lareira com galhos e restos de lenha. Nestas ocasiões a 
alegria era geral. Mas de vez em quando havia um capataz ou contramestre que 
tinha um prazer especial em nos tirar essa alegria e era fácil reconhecer em sua 
fisionomia o sádico prazer com que ele proibia tudo arbitrariamente e jogava a lareira 
na neve juntamente com o braseiro tão aconchegante. E quando a SS antipatizava

mais fortemente com alguém, ela deixava o pobre coitado à mercê de um homem 
conhecido por sua devassidão e por sua especialização em torturas sádicas. 
 Em terceiro lugar deve ser observado que grande parte do corpo da guarda estava 
simplesmente insensibilizada por tantos anos de convivência com o sadismo cada 
vez maior do campo de concentração. Foram principalmente estas pessoas 
embrutecidas em sua vida emocional que rejeitaram, ao menos para si, as atitudes 
próprias do sadismo. Mas foi também só isto, porque naturalmente nada 
empreendiam contra o sadismo dos outros. 
 Em quarto lugar, porém, deve-se lembrar ainda que mesmo entre o pessoal do 
corpo da guarda havia sabotadores. Quero mencionar aqui apenas o chefe do último 
campo de concentração em que estive e do qual fui libertado. Ele era integrante da 
SS. Após a libertação daquele campo, constatou-se um fato do qual somente o 
médico do campo - ele mesmo prisioneiro - tinha conhecimento até ali. O chefe do 
campo dera, em segredo, considerável somas de dinheiro do próprio bolso para que 
se pudesse arranjar medicamentos para os reclusos na farmácia do lugarejo mais 
próximo! Essa história ainda teve um epílogo. Após a libertação, prisioneiros judeus 
esconderam esse homem da SS das tropas americanas e declararam a seu 
comandante que o entregariam única e exclusivamente sob a condição de não se 
tocar em um fio de seu cabelo sequer. O comandante das tropas americanas deulhes então a sua palavra de honra como oficial militar, e os prisioneiros judeus lhe 
apresentaram o ex-comandante do campo. O comandante das tropas reintegrou 
esse homem da SS em seu cargo de comandante do campo, e ele organizou então 
para nós coletas de gêneros alimentícios e de agasalho entre a população dos 
vilarejos circunvizinhos. 
 Em contrapartida, o preposto justamente daquele campo, prisioneiro ele mesmo, foi 
mais brutal que todos os guardas SS do campo juntos. Batia nos prisioneiros 
quando, onde e como pudesse, ao passo que o chefe não levantou o punho sequer 
uma vez, ao que eu saiba, contra qualquer dos "seus" prisioneiros. 
 Daí se deduz uma coisa. Afirmar que alguém fazia parte da guarda do campo de 
concentração, ou que foi prisioneiro no campo não quer dizer nada. A bondade 
humana pode ser encontrada em todas as pessoas e ela se acha também naquele 
grupo que à primeira vista deveria ser sumariamente condenado. As delimitações se 
sobrepõem. Não podemos simplificar as coisas dizendo: "Os prisioneiros são anjos, 
e os guardas são demônios". 
 Pelo contrário. Contrariando o que de modo geral é sugerido pela vida no campo 
de concentração, ser guarda ou supervisor e ter uma atitude humana para com os 
prisioneiros sempre será de certa forma um mérito pessoal e moral. Em 
contrapartida, é particularmente deplorável a baixeza do prisioneiro que inflige um 
mal a seus próprios companheiros de dor. É claro que essa falta de caráter é mais 
dolorosa para os reclusos, da mesma forma como um prisioneiro que é alvo do mais 
insignificante gesto humano que lhe fizer um integrante da guarda fica 
profundamente comovido. Lembro-me que um dia um capataz (não-prisioneiro) 
furtivamente me passou um pedaço de pão. Eu sabia que ele só podia tê-lo poupado 
da sua merenda. O que me derrubou a ponto de derramar lágrimas não foi aquele 
pedaço de pão em si, e sim o afeto humano que esse homem me ofereceu naquela 
ocasião, a palavra e o olhar humanos que acompanharam a oferta... 
 De tudo isso podemos aprender que existem sobre a terra duas raças humanas e 
realmente apenas essas duas: a "raça" das pessoas direitas e a das pessoas torpes. 
Ambas as "raças" estão amplamente difundidas. Insinuam-se e infiltram-se em todos 
os grupos; não há grupo constituído exclusivamente de pessoas direitas nem  unicamente de pessoas torpes. Neste sentido não existe grupo de "raça pura", e 
assim também havia uns e outros sujeitos decentes no corpo da guarda. 
 A vida no campo de concentração ensejava sem dúvida o rompimento de um 
abismo nas profundezas extremas do ser humano. Não deveria surpreender-nos o 
fato de que essas profundezas punham a descoberto simplesmente a natureza 
humana, o ser humano como ele é - uma liga do bem e do mal! A ruptura que 
perpassa toda a existência humana e distingue bem e mal alcança mesmo as mais 
extremas profundezas e se revela até no fundo desse abismo aberto pelo campo de 
concentração. 
 Ficamos conhecendo o ser humano como talvez nenhuma geração humana antes 
de nós. O que é, então, um ser humano? É o ser que sempre decide o que ele é. É o 
ser que inventou as câmaras de gás; mas é também aquele ser que entrou nas 
câmaras de gás, ereto, com uma oração nos lábios,,,, Continua,,,,,,










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