Deus
“Ouvimos uma apresentadora de TV dizer que Deus é estático,
porque é perfeito. E que toda perfeição é estática. Tenho a minha opinião, mas
gostaria de ouvir a sua.”
A concepção da apresentadora, de que Deus é estático porque é
perfeito, está atrelada, por assim dizer, à nossa lógica humana. Há uma lógica,
determinada praticamente pelas concepções do século XVIII. Já no século XIX e
nos fins do século XVIII tinha-se uma concepção diferente.
A perfeição não é estática. Perfeito não é aquilo que está acabado.
Pode haver uma perfeição naquilo que está iniciado. É um início perfeito, naquilo
que está em desenvolvimento, rumo àquilo que Kant chamava de “a
perfectibilidade possível” de cada Ser. Assim, há na perfeição um dinamismo e
uma estática. Há um dinamismo constante, porque a perfeição implica o processo
de desenvolvimento das potencialidades do Ser.
No campo do homem, por exemplo, isto se torna bem claro. O
homem aparece na Terra nos tempos primitivos, como selvagem, como quase um
animal. Entretanto, ele traz, dentro de si, todas as potencialidades da sua
perfeição. Ele é, portanto, perfeito em potência, isto é, potencialmente ele é
perfeito; à proporção que se vai desenvolvendo, através das vidas sucessivas,
na renovação das gerações, na humanidade, essas potencialidades vão se manifestando.
Então nós dizemos: “Fulano é uma criatura imperfeita, ainda em
desenvolvimento”. Mas esta é uma concepção humana. Para Deus, aquele fulano,
que está em desenvolvimento, é perfeito, porque ele traz em si todos os elementos
da perfeição, que estão apenas aflorando, desenvolvendo-se, maturando-se,
amadurecendo, para chegar, enfim, a um ponto determinado, que nós humanos
consideramos a perfeição, mas que ainda não é a perfeição, para Deus.
Para Deus, a perfeição é um incessante evoluir. Ela não está,
de maneira alguma, em algo que se fez e se completou. Por isso, costumo dizer
que as pessoas que dizem “Eu sou um homem que realmente me realizei”, se
soubessem o que quer dizer a realização das potencialidades internas do Espírito
da criatura humana, nunca usariam esta expressão. Um homem realizado, uma criatura
realizada, seria uma criatura que não teria nada a realizar, não teria nada a
fazer, estaria completa em si mesma.
Diz o filósofo Heidegger, uma das mais altas expressões do
pensamento contemporâneo, que “o homem só está completo quando morre”. A
passagem do homem pela vida é uma constante transformação, um constante
evoluir. Assim, nós só podemos considerá-lo completo na morte, porque aí
termina a sua vida de homem. Então este homem, que não é mais homem como criatura
encarnada, mas um Espírito, irá prosseguir, continuando o desenvolvimento das
suas potencialidades.
Deus é um renovador constante, incessante. Por exemplo: vamos
a uma imagem que talvez nos dê uma idéia mais concreta, mais precisa disto,
quando Zoroastro, na Pérsia – fundador da religião chamada, hoje, Madzeista,
dando uma idéia de Deus aos seus adeptos, disse: “A única imagem possível de
Deus, na Terra, é a do fogo. O fogo está continuamente se renovando, através
das suas labaredas. O fogo produz a luz e afugenta as trevas, quando os
selvagens precisam afugentar as feras que, no mato, os rodeiam, os rondam”.
Para Zoroastro, a única imagem perfeita de Deus é o fogo. E
então, o que fizeram os homens? Passaram a usar o fogo.
Quando vemos velas acesas em algum lugar, no sentido devocional;
quando vemos lâmpadas acesas, nos altares das igrejas, estamos diante de uma
transposição do Zoroastrismo para outras religiões. Ou, em outras palavras, da
adoração do fogo, da simbologia do fogo, presente nas manifestações religiosas.
Esta concepção de Zoroastro nos dá o exemplo concreto do que
seja aquilo que poderemos imaginar como constante e incessante dinâmica da
existência de Deus, se poderemos chamar assim; da sua vivência como uma
inteligência, que é o centro de todo o Universo, que controla toda a movimentação
dos astros, das galáxias, do espaço infinito. Deus é um dinamismo constante.
Não poderia ser, portanto, estático, de maneira alguma.
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