Intervenção dos
Espíritos no Mundo Corporal
Centralizando-se
a palestra no estudo das tentações, contou Jesus, sorridente:
- Um valoroso servidor do Pai movimentava-se, galhardamente, em populosa cidade
de pecadores, com tamanho devotamento à fé e à caridade,
que os Espíritos do Mal se impacientaram em contemplando tanta abnegação
e desprendimento. Depois de lhe armarem os mais perigosos laços, sem
resultado, enviaram um representante ao Gênio das Trevas, a fim de
ouvi-lo a respeito.
Um companheiro de conciência enrijecida recebeu a incumbência
e partiu.
O Grande Adversário escutou o caso, atenciosamente, e recomendou ao
Diabo Menor que apresentasse sugestões.
O subordinado falou, com ênfase:
- Não poderíamos despojá-lo de todos os bens?
- Isto, não - disse o perverso orientador -; para um servo dessa têmpera,
a perda dos recursos materiais é libertação. Encontraria,
assim, mil meios diferentes para aumentar suas contribuições
à Humanidade.
- Então, castigar-lhe-emos a família, dispersando-a e constrangendo-lhe
os filhos a anchê-lo de opróbrio e ingratidão... - aventou
o pequeno perturbador, reticencioso.
O perseguidor maior, no entanto, emitiu gargalhada franca e objetou:
- Não vês que, desse modo, se integraria facilmente com a família
total que é a multidão?
O embaixador, desapontado, acentuou:
- Será, talvez, conveniente lhe flagelemos o corpo; crivá-lo-emos
de feridas e aflições.
- Nada disto - acrescentou o gênio satânico -, ele acharia meios
de afervoar-se na confiança e aproveitaria o ensejo para provocar a
renovação íntima de muita gente, pelo exercício
da paciência e da serenidade na dor.
- Movimentaremos a calúnia, a suspeita e o ódio gratuito dos
outros contra ele! - clamou o emissário.
- Para quê? - tornou o Espírito das Sombras. - Transformar-se-ia
num mártir, redentor de muitos. Valer-se á de toda perseguição
para melhor engrandecer-se, diante do Céu.
Exasperado, agora, o demônio menor aduziu:
- Será, enfim, mais aconselhável que o assassinemos sem piedade...
- Que dizes? - redargüiu a Inteligência perversa. - A morte ser-lhe-ia
a mais doce bênção por conduzi-lo às claridades
do Paraíso.
E vendo que o aprendiz vencido se calava, humilde, o Adversário Maior
fez expressivo movimento de olhos e aconselhou, loquaz:
- Não sejas tolo. Volta e dize a esse homem que ele é um zero
na Criação, que não passa de mesquinho verme desconhecido...
Impões-lhe o conhecimento da própria pequenez, a fim de que
jamais se engrandeça, e verás...
O enviado regressou satisfeito e pôs em prática o método
recebido.
Rodeou o valente servidor com pensamentos de desvalia, acerca de sua pretendida
insignificância, e desfechou-lhe perguntas mentais como estas: "como
te atreves a admitir algum valor em tuas obras destinadas ao pó? não
te sentes simples joguete de paixões inferiores da carne? não
te envergonhas da animalidade que trazes no ser? que pode um grão
de areia perdido no deserto? não te reconheces na posição
de obscuro fragmento de lama?"
O valoroso colaborador interrompeu as atividades que lhe diziam respeito e,
depois de escutar longamente as perigosas insinuações, olvidou
que a oliveira frondosa começa no grelo frágil, e deitou-se,
desalentado, no leito do desânimo e da humilhação, para
despertar somente na hora em que a morte lhe descortinava o infinito da vida.
Silenciou Jesus, contemplando a noite calma...
Simão Pedro pronunciou uma prece sentida e os apóstolos, em
companhia dos demais, se despediram, nessa noite, cismarentos e espantadiços.
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