Bem-aventurados os Que Têm Fechados os Olhos
NOTA. Esta comunicação foi dada com relação a uma pessoa cega, a cujo favor se evocara o Espírito de J. B. Vianney, cura d’Ars.
Meus bons amigos, para que me chamastes? Terá sido para
que eu imponha as mãos sobre a pobre sofredora que está aqui e a cure?
Ah! que sofrimento, bom Deus! Ela perdeu a vista e as trevas a
envolveram. Pobre filha! Que ore e espere. Não sei fazer milagres, eu,
sem que Deus o queira. Todas as curas que tenho podido obter e que vos
foram assinaladas não as atribuais senão àquele que é o Pai de todos
nós. Nas vossas aflições, volvei sempre para o céu o olhar e dizei do
fundo do coração: "Meu Pai, cura-me, mas faze que minha alma enferma se
cure antes que o meu corpo; que a minha carne seja castigada, se
necessário, para que minha alma se eleve ao teu seio, com a brancura que
possuía quando a criaste." Após essa prece, meus amigos, que o bom Deus
ouvirá sempre, dadas vos serão a força e a coragem e, quiçá, também a
cura que apenas timidamente pedistes, em recompensa da vossa abnegação.
Contudo, uma vez que aqui me acho, numa assembléia onde
principalmente se trata de estudos, dir-vos-ei que os que são privados
da vista deveriam considerar-se os bemaventurados da expiação.
Lembrai-vos de que o Cristo disse convir que arrancásseis o vosso olho
se fosse mau, e que mais valeria lançá-lo ao fogo, do que deixar se
tornasse causa da vossa condenação. Ah! quantos há no mundo que um dia,
nas trevas, maldirão o terem visto a luz! Oh! sim, como são felizes os
que, por expiação, vêm a ser atingidos na vista! Os olhos não lhes serão
causa de escândalo e de queda; podem viver inteiramente da vida das
almas; podem ver mais do que vós que tendes límpida a visão!... Quando
Deus me permite descerrar as pálpebras a algum desses pobres sofredores e
lhes restituir a luz, digo a mim mesmo: Alma querida, por que não
conheces todas as delicias do Espírito que vive de contemplação e de
amor? Não pedirias, então, que se te concedesse ver imagens menos puras e
menos suaves, do que as que te é dado entrever na tua cegueira!
Oh! bem-aventurado o cego que quer viver com Deus. Mais
ditoso do que vós que aqui estais, ele sente a felicidade, toca-a, vê as
almas e pode alçar-se com elas às esferas espirituais que nem mesmo os
predestinados da Terra logram divisar. Abertos, os olhos estão sempre
prontos a causar a falência da alma; fechados, estão prontos sempre, ao
contrário, a fazê-la subir para Deus. Crede-me, bons e caros amigos, a
cegueira dos olhos é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, ao
passo que a vista é, com freqüência, o anjo tenebroso que conduz à
morte.
Agora, algumas palavras dirigidas a ti, minha pobre
sofredora. Espera e tem ânimo! Se eu te dissesse: Minha filha, teus
olhos vão abrir-se, quão jubilosa te sentirias! Mas, quem sabe se esse
júbilo não ocasionaria a tua perda! Confia no bom Deus, que fez a
ventura e permite a tristeza. Farei tudo o que me for consentido a teu
favor; mas, a teu turno, ora e, ainda mais, pensa em tudo quanto acabo
de te dizer.
Antes que me vá, recebei todos vós, que aqui vos achais reunidos, a minha bênção. - Vianney, cura d'Ars. (Paris, 1863.)
NOTA. Quando uma aflição não é conseqüência dos atos da
vida presente, devese- lhe buscar a causa numa vida anterior. Tudo
aquilo a que se dá o nome de caprichos da sorte mais não é do que efeito
da justiça de Deus, que não inflige punições arbitrárias pois quer que a
pena esteja sempre em correlação com a falta. Se, por sua bondade,
lançou um véu sobre os nossos atos passados, por outro lado nos aponta o
caminho, dizendo: '“Quem matou à espada, pela espada perecerá",
palavras que se podem traduzir assim: "A criatura é sempre punida por
aquilo em que pecou." Se, portanto, alguém sofre o tormento da perda da
vista, é que esta lhe foi causa de queda. Talvez tenha sido também causa
de que outro perdesse a vista; de que alguém haja perdido a vista em
conseqüência do excesso de trabalho que aquele lhe impôs, ou de
maus-tratos, de falta de cuidados, etc. Nesse caso, passa ele pela pena
de talião. É possível que ele próprio, tomado de arrependimento, haja
escolhido essa expiação, aplicando a si estas palavras de Jesus: "Se o
teu olho for motivo de escândalo, arranca-o."
Allan Kardec. Da obra: O Evangelho Segundo o Espiritismo.
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