A Mulher Não Existe
Hoje é dia 07 de marco e amanhã é o Dia Internacional da Mulher. E várias amigas já me pedem:
"Escreve, escreve sobre nós!..."
Sempre me espanto com o Dia Internacional da Mulher. O psicanalista Lacan disse que "A Mulher" não existe, pois não há nenhuma coisa que as unifique. Eu nunca conheci a Mulher. Eu já amei e odiei "mulheres".
Então, por que esse título genérico?
▬ Existe a mulher:
Eva
A freira,
De burca,
A histérica,
A malvada,
A bondosa,
A obsessiva,
A stripteaser,
A Virgem Maria.
A "Mulher" é invenção dos machos.
Sempre que chega esse Dia Internacional, nós machistas elogiamos o lado "abstrato" das fêmeas, sua delicadeza, sua capacidade de perdão (sic), sua coragem, em textos de hipocrisia paternalista, como se falássemos de pobres, de crianças ou de vítimas. Claro que na História, as mulheres foram e são oprimidas, estupradas na alma e corpo.
Mas não é como vítimas que devemos lamentá-las ou louvá-las . Sua importância é afirmativa, pois elas estão muito mais próximas que nós da realidade deste mundo aberto, sem futuro ou significado. Elas não caminham em busca de um "sentido" único, de um poder brutal.
Não é que sejam "incompreensíveis"; elas são mais complexas, imprevisíveis como a natureza. O homem se crê acima do mistério, mas as mulheres estão dentro. São impalpáveis como a realidade que o homem "pensa" que controla.
A mulher pensa por metáforas. O homem por metonímias.
Entenderam?
Claro que não!
Digo melhor, a mulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim.
A mulher não é um enigma. Nós é que somos, disfarçados de sólidos. Os homens são óbvios, fálicos. A mulher não acredita em nosso amor. Quando tem certeza dele, para de nos amar.
O homem só vira homem quando é corneado. A mulher não vira nada nunca... Nem nunca é corneada, pois está sempre se sentindo assim... Como no homossexualismo: a lésbica não é veado.
A mulher precisa do homem impalpável. As mulheres têm uma queda pelo canalha (cartas indignadas para a redação). O canalha é mais amado que o bonzinho. Ela sofre com o canalha, mas isso a legitima, pois ela quer que o homem a entenda e o canalha lhe dá um sentido claro com sua viril antipatia.
As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe. O masculino é certo; o feminino é insolúvel. A mulher é metafísica; homem é engenharia.
▬ A mulher deseja o impossível, e desejar o impossível é sua grande beleza:
Elas ventam,
Elas chovem,
Elas sangram,
Elas têm verão,
Elas têm TPMs,
Elas têm inverno,
Elas derrubam homens com terremotos,
Elas raiam com a luz da manhã ou brilham à noite,
Elas nos fazem apaixonados porque nelas também buscamos um sentido que não chega jamais.
Elas querem ser decifradas por nós, mas nunca acertamos no alvo, pois não há alvo, nem mosca.
Daí o pânico que sentimos diante dessas forças da natureza, com nossas gravatas da cultura, daí o ódio que os primitivos cultivam contra elas, daí os boçais assassinos do Islã apedrejando-as até a morte.
As mulheres são sempre várias. Isso não as faz traidoras; nós é que nos achamos "unos". Só os autoconfiantes são traídos. Esta é uma das razões do sucesso das prostitutas.
O que buscamos nelas?
Os homens pagam para que elas não existam, para que sejam úteis, sem vida interior. Pagamos a prostituta para que nos dê uma trégua, para que não nos confunda, não nos traia. Nós nos deixamos enganar e ela finge que não nos engana.
Ela nos despreza, claro, mas muitos preferem essa humilhação consentida, em vez de um amor puro e perigoso. A prostituta só ama o cafetão porque ele a esbofeteia e lhe dá o alívio de se sentir injustiçada.
O único grande mistério talvez seja a divisão entre os sexos. Por mais que queiramos, nunca chegaremos lá.
Lá, aonde?
Lá na diferença radical onde mora o "outro".
▬ Há alguns exploradores:
Os veados,
Os travestis,
Os sapatões.
Que mergulham nesse mar e voltam de mãos vazias, pois nunca saberemos quem é aquele ser com útero, seios, vagina, aquele ser maternal, bom, terrível quando contrariado no "ponto G" da alma.
▬ Por outro lado elas nunca saberão o que é:
Um bigodão,
Um pênis pendurado,
Um prostíbulo visitado de porre,
A porrada num jogo do Flamengo,
O desamparo do macho em sua frágil grossura.
Elas jamais saberão como somos.
O amor é a tentativa de pular esse abismo. Eu sou hoje o que as mulheres fizeram comigo ou o que eu aprendi com elas, no amor ou no sofrimento.
Eu descobri defeitos e qualidades que me formaram, como acidentes que me foram desfigurando.
O que aprendi com elas?
Não tenho ideia, mas sei que me mudaram. Eram como quebra-cabeças: ao tentar armá-los, eu achava que sabia tudo, mas entrava em novos labirintos.
Com elas, loucas, sóbrias, boas e más, descobri que não tenho forma nem lógica e que sempre me faltará uma peça na charada.
Arnaldo Jabor.
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