Entrevistamos dois respeitáveis nomes da imprensa espírita, ambos
autores de vários livros, com idênticas três perguntas, para trazermos
em justa lembrança os 150 anos da valorosa viagem de divulgação espírita
levada a efeito por Kardec em 1862 e que resultou no extraordinário
livro Viagem Espírita em 1862, publicado pela Casa Editora O Clarim e
também pela Federação Espírita Brasileira. Referida obra é uma das mais
valiosas obras publicadas e disponíveis na literatura espírita. Como se
sabe, o livro traz os pronunciamentos de Allan Kardec a grupos espíritas
que ele visitou em viagens de divulgação doutrinária, e como o próprio
nome diz, no ano de 1862. Portanto, há 150 anos. A obra é preciosa, pois
que repleta de esclarecimentos e orientações, considerando que vamos
nos encontrar com palestras proferidas pelo Codificador do Espiritismo.
Não poderíamos deixar passar tão importante efeméride em meio às
comemorações às demais obras da Codificação que também alcançam datas
significativas.
Entrevistamos Octávio Caúmo e Rogério Coelho, conhecidos autores e
lúcidos tarefeiros espíritas. Submetemos a ambos as seguintes questões,
cujas respostas de cada autor identificamos abaixo:
1 - Como encarar o esforço de Kardec nas pioneiras viagens de divulgação
espírita que ele realizou nos primeiros anos da Codificação Espírita?
Caúmo: Como homem de grande responsabilidade, queria ver de perto a
repercussão do Espiritismo nos diversos locais por onde ele já se
espalhara. Queria atender aos que necessitassem, orientando-os, e também
instruindo-se quanto ao que deveria ser feito para dar mais eficiência à
divulgação. E há que se levar em conta a grande dificuldade de
locomoção naqueles tempos, o que não lhe permitia ir a terras distantes.
Sacrifício puro em defesa da pureza doutrinária que ele sentia ser,
apesar de ditada pelos Espíritos, de sua responsabilidade desde a edição
de O Livro dos Espíritos em 1857.
Rogério: Com a máxima admiração, haja vista as dificuldades dos meios de
transporte daquela época: Carruagem, maria fumaça, estradas precárias,
etc. Além do mais, as atividades do Codificador em Paris não eram
poucas, mas ele se desdobrava para atender a tudo e a todos. Os
Espíritos lhe disseram que não bastava escrever 8 ou 10 livros e ficar
comodamente fechado em seu gabinete: Fazia-se mister sair a campo, "dar
a cara a tapa" como se diz. E ele não se fez de rogado: Realizou as
viagens e legou-nos um rico manancial de instruções, que nos cumpre
divulgar.
2 - De que forma podem os divulgadores e dirigentes espíritas tornar
esse precioso documento mais acessível e mais conhecido dos espíritas,
grupos e instituições em geral?
Caúmo: A atitude de Kardec, propondo-se a viajar para ver de perto os
acontecimentos, tem um paralelo na responsabilidade que compete a cada
dirigente espírita, o guardião da doutrina no centro que dirige. Todo
centro é importante, independente do tamanho. Kardec constatou que eram
preferíveis dez núcleos de dez pessoas a um grupo de cem, porque este
geralmente fica impessoal devido à diversidade de pensamentos dos que o
compõem, geralmente causando mais dissensões que concordâncias.
Conclui-se que independente do tamanho do centro e do número de
frequentadores e trabalhadores todo centro é peça vital para a
divulgação do Espiritismo, desde que seja fiel aos postulados ensinados
pela nossa Doutrina.
Rogério: Divulgando esse conteúdo através de todas as mídias ao nosso alcance.
3 - Em sua visão, qual o fato mais marcante das importantes viagens efetuadas por Kardec?
Caúmo: Sem dúvida, avaliar a repercussão e penetração da Doutrina nas
diferentes sociedades onde ela chegava, confirmando se levava consolação
e esclarecimento, o que daria mais esperança aos seus simpatizantes.
Gesto que deve ser imitado pelos dirigentes nos nossos centros, os quais
devem avaliar permanentemente o que se diz e se faz na sua instituição,
vigiando e conferindo sempre se tudo está coerente com os princípios
espíritas. Lembrar o dirigente que o estudo doutrinário permanente é o
mais importante trabalho dentro do centro, porque o conhecimento da
verdade é o que traz a libertação. Quem sabe e compreende o que sabe,
capacita-se a viver melhor.
Rogério: O amor e o respeito que Kardec sentia e demonstrava, sem
rebuços, pelas pessoas; e havia reciprocidade nisso, uma vez que ele era
calorosa e amorosamente recebido em todas as comunidades espíritas da
época.
* * *
As respostas dos conhecidos autores evidenciam e destacam, sem dúvida, a
noção exata de compromisso de Kardec com o Espiritismo.
Na edição da Casa Editora O Clarim, a tradução é de Wallace Leal V.
Rodrigues, cujo Prefácio é outro precioso documento, de onde extraímos
parcialmente o trecho abaixo transcrito, bem demonstram isso:
“(...) é o próprio Codificador, lúcido e desperto, que se encarrega de
iniciar a divulgação das verdades espíritas através das tribunas. Em
seguida a ele, em perfeita coordenação, surgirá Léon Denis.
Em um como em outro, e tal como sucede ainda em nosso dias, a
preocupação se converge para uma ética que, em sendo, até certo ponto,
patrimônio das mais antigas culturas, era, praticamente, apenas “letra
que mata”; agora vai ser “espírito que vivifica”, subversiva no sentido
de arremeter do exterior para o interior, da teoria para a ação. Seu
caráter renovador torna-a evangelicamente desmistificada e
autenticamente apostolar (...).
Noite! 19 de setembro de 1860. Kardec é recebido no Centro Espírita de
Broteaux, o único existente em Lyon. À porta esperam-no Dijou, operário,
chefe de oficinas, e sua esposa. Este é, na História, o primeiro
encontro de dirigentes espíritas. Dijou encontra-se à testa do grupo
lionês; Kardec desempenha as funções maiores na “Societé” parisiense. A
mão do emérito pensador aperta vigorosamente os dedos calosos e ásperos
do companheiro, a quem chama “irmão”. No olhar grave que trocam vê-se
que mutuamente se entendem: embora em planos diferentes, suas
responsabilidades se equivalem.
Transpostos os portais, o coração de Kardec se rejubila. O “milagre” a
que tantas vezes já fizera menção, sempre com arrebatamento e orgulho, o
grande feito que compete à doutrina espírita realizar, consubstancia-se
ali, ante seus olhos; e é um mentor espiritual, Erasto em sublime
epístola dirigida à comunidade lionesa, quem vai encontrar palavras para
vestir a emoção do Codificador: “Não podeis imaginar quanto nos é doce e
agradável presidir ao vosso banquete, onde o rico e o operário se
abraçam, bebendo a fraternidade!”(...).
Os conceitos nele contidos são tão atuais e frescos, tão fundamentais à
boa conduta das entidades espíritas, que poderiam ter sido escritos em
1962. O leitor arguto e atento fará aqui mil descobertas de
transcendental valor. Cem anos transcorridos, as instruções de Kardec
são ainda perfeitamente aplicáveis e uma garantia para a pureza
doutrinária. Caracterizam-se pela firmeza, lucidez e responsabilidade.
Finalmente, o seu curioso modelo de Regulamento, o antepassado dos
atuais estatutos das sociedades espíritas, é um exemplo de ponderação,
de repulsa ao misticismo e uma revelação de alto espírito universalista.
A “Viagem Espírita em 1862” é obra em que, de singular maneira, o
“homem” Allan Kardec se nos revela com sua consciência histórica e, em
súbitos clarões, permite que o vejamos bem próximo de nós, o ser que já
realizou o que intentamos, isto é, a substancial reforma interior que,
só ela, possibilita a mágica interação: a criatura vivendo no
Espiritismo, o Espiritismo vivendo na criatura”.
* * *
Neste início de 2012, nada de mais oportuno que divulgar a obra,
estudá-la nos grupos espíritas, incentivar o conhecimento de seu
conteúdo. Há valiosas orientações para os grupos, para os comportamentos
individuais e dicas muito preciosas para a superação das dificuldades
na condução dos grupos de estudos e mediúnicos e para a própria vivência
espírita, com destaque especial para o sentido da caridade.
Referindo-se a essa virtude, considera o Codificador num dos trechos da
obra:
a) “(...) se todos os membros de uma sociedade agissem de conformidade
com esse princípio, haveria menos decepções na vida. Uma vez que dois
indivíduos estão reunidos, contratam, por força disso mesmo, deveres
recíprocos (...)”;
b) “(...) urge que os esforços, e sobretudo os exemplos de todos homens
de bem, a difundam; e que eles não se desencorajem ao defrontarem as
recrudescências das más paixões (...)”;
c) “(...) é preciso reconhecer que a base da caridade é a crença (...)”;
d) “(...) a propagação da ideia espírita tende, necessariamente, a
tornar os homens melhores em suas mútuas relações. O que ele faz hoje,
relativamente aos indivíduos, fará amanhã, em relação às massas, quando
estiver difundido de maneira geral. Tratemos, pois, de torná-lo
conhecido, em proveito de todos (...)”.
* * *
Nada mais a acrescentar... a não ser sugerir, com muita ênfase, o conhecimento, divulgação e estudo da preciosa obra.
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