A imensa maioria dos confrades espíritas ainda nasceu em família
católica, ou de outra religião cristã. Por isso, muitos acreditam que,
ao abraçar a Doutrina Espírita, começaram a crer num conceito novo,
criado na época de Kardec, chamado reencarnação. Outros, incluindo
críticos da Doutrina, acusam que o conceito de reencarnação foi copiado
de religiões orientais, particularmente indianas. Porém, nada está mais
distante da realidade.
O conceito de reencarnação não é novo, mesmo nas religiões
judaico-cristãs. Os judeus acreditavam na reencarnação (e alguns ainda
acreditam). Isso fica claro, quando Jesus pergunta a seus discípulos
sobre o que se andava a falar dele. “Responderam eles: Uns dizem que é
João, o Batista; outros, Elias; outros, Jeremias, ou algum dos
profetas.”1
Ora, como alguém poderia crer que Jesus, na casa dos 30 anos, poderia
ser Elias, Jeremias, ou qualquer outro profeta, que houveram vivido,
havia muitos anos, e que já tinham atingido idade avançada e morrido, se
não fosse através da reencarnação? E, mais adiante, a resposta de Jesus
foi mais clara ainda: “Digo-vos, porém, que Elias já veio, e não o
reconheceram; mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim também o Filho
do homem há de padecer às mãos deles. Então entenderam os discípulos que
lhes falava a respeito de João, o Batista.”2
O primeiro trecho foi escrito tanto por Mateus como Marcos e Lucas,
portanto, todos eles, ao escreverem isso, declaravam que a crença na
reencarnação era comum, na época. O segundo trecho foi citado tanto por
Mateus quanto por Marcos, afirmando que João Batista era Elias
reencarnado. Isso pareceu tão óbvio e certo, na época, que a crença na
reencarnação prosseguiu como parte do Cristianismo primitivo, às vezes,
sob o nome de “preexistência da alma”, ou seja, a alma não é criada por
Deus, no momento da concepção, como muitas religiões cristãs acreditam
hoje em dia. Ela antecede a isso.
Diversos teólogos cristãos acreditavam na reencarnação, inclusive alguns
santos, como Santo Agostinho. Não é de se estranhar que Santo Agostinho
(354-430) tenha sido reencarnacionista, já que era neoplatônico. Platão
acreditava na reencarnação, particularmente das almas imperfeitas. São
Jerônimo, o famoso autor da Vulgata e amigo de Santo Agostinho, também
aceitava a reencarnação. Estamos falando do quinto século depois de
Cristo, ou seja, por mais de quatrocentos anos, os cristãos seguiam a
Cristo, acreditando na reencarnação.
Todas as críticas são mais estranhas ainda porque a reencarnação é
realmente implícita no Cristianismo. Porque os cristãos acreditam até
hoje que Cristo existiu, como o Filho de Deus, antes de se encarnar na
forma humana. Também acreditam que a missão de Jesus era ensinar os
homens a agirem como Ele. Ora, isso seria absurdo, se Jesus tivesse uma
natureza totalmente distinta da nossa. Portanto, os homens também tinham
uma alma que preexistia ao nascimento.
Mas, quando o Cristianismo se afastou da crença na reencarnação? Tudo
começou, quando os imperadores romanos adotaram o Cristianismo como
religião oficial do Império. Com isso, muitos imperadores interferiam
nas questões religiosas, como se isso fizesse parte das atribuições de
seu cargo. Essa interferência não costumava ser tão grande, até o
governo do Imperador Justiniano.
Justiniano acreditava que seu poder político também se aplicava às
questões religiosas. Sua mulher, a imperatriz Teodora, foi uma cortesã
(prostituta de luxo) e se imiscuía nos assuntos do governo do seu marido
e, consequentemente, nos de teologia.
Contam alguns autores que, por ter sido ela uma prostituta, isso era
motivo de muito orgulho por parte das suas ex-colegas. Ela sentia, por
sua vez, uma grande revolta contra o fato de suas ex-colegas ficarem
decantando tal honra que Teodora gostaria de esconder.
Para acabar com essa história, mandou eliminar todas as prostitutas da
região de Constantinopla – cerca de quinhentas. Como os cristãos,
naquela época, eram reencarnacionistas, passaram a chamá-la de
assassina, e a dizer que deveria ser assassinada, em vidas futuras,
quinhentas vezes por ter mandado assassinar as suas ex-colegas.
Com isso, Teodora passou a odiar a crença na reencarnação. Resolveu
partir para uma perseguição, sem tréguas, contra essa doutrina e contra o
seu maior defensor entre os cristãos, Orígenes, cuja fama de sábio era
motivo de orgulho dos seguidores do Cristianismo, apesar de ele ter
vivido quase três séculos antes.
Como a doutrina da reencarnação pressupõe a da preexistência do
espírito, Justiniano e Teodora partiram, primeiro, para desestruturar a
crença na preexistência da alma, com o que estariam, automaticamente,
desestruturando a da reencarnação.
Em 543, Justiniano publicou um édito, em que expunha e condenava as
principais ideias de Orígenes, sendo uma delas a da preexistência da
alma. Em seguida à publicação do citado édito, Justiniano determinou ao
patriarca Menas de Constantinopla que convocasse um sínodo, convidando
os bispos para que votassem em seu édito, condenando dez anátemas
(excomunhões) deles constantes e atribuídos a Orígenes.
A cláusula ou anátema da condenação da preexistência da alma, em
síntese, é a seguinte: “Quem sustentar a mítica crença na preexistência
da alma e a opinião, consequentemente estranha, de sua volta, seja
anátema”. Ou seja, somente no Século VI depois de Cristo, o Cristianismo
deixou de crer na reencarnação, por uma decisão imperial e por motivos
escusos.
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