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O PRIMEIRO CONTATO DE JESUS GONÇALVES COM DIVALDO PEREIRA FRANCO
Desde
criança, o médium, educador e conferencista Divaldo Pereira Franco vivenciou
inúmeras experiências de comunicação espontânea com os espíritos.
Abordaremos neste artigo uma dessas comunicações, ocorrida em sua juventude, quando recebeu a visita espiritual de Jésus Gonçalves.
Abordaremos neste artigo uma dessas comunicações, ocorrida em sua juventude, quando recebeu a visita espiritual de Jésus Gonçalves.
Desse
encontro com Jésus, resultou suas visitas ininterruptas à colônia de hansenianos
de Águas Claras e também sua primeira palestra pública na Federação Espírita do
Estado de São Paulo, onde foi apresentado, jovem ainda, ao público espírita
paulista, com crescente repercussão nacional e internacional.
Conta
o próprio Divaldo:
“No
ano de 1949, quando os tormentos obsessivos me avassalavam, porque ainda não me
adestrara no conhecimento espírita, e também pela juventude do corpo, todas as
tardes eu tinha por hábito ir sentar-me no quintal da casa onde morava, no
Bairro do Machado. O quintal dava o fundo para as Invasões, onde centenas de
casebres sobre o lamaçal apresentavam grave problema sócio-econômico dos que
residem em tal região, em Salvador.
“A
minha vida íntima, sacudida por inquietações e tormentos, por ansiedades e
tristezas, era uma constante busca de paz, uma contínua procura de Deus. Numa
tarde muito especial para mim, buscando a calma interior, eu me pus a orar. O
quadro que se me erguia à frente era de muita beleza. O sol declinava por sobre
o pantanal e havia um silêncio interior muito grande. Procurei, então, mergulhar
nas blandícias da prece, pedindo a Deus a mão socorrista, assim como aos bons
espíritos o seu apoio e assistência, para que não viesse a resvalar pelas rampas
do desequilíbrio.
“Foi
nesse momento que, de súbito, eu vi chegar um ser espiritual com características
para mim até então jamais vistas: apresentava profundas marcas na aparência
física. Um dos pés, que parecia ter os dedos amputados, estava envolto em gaze,
com uma deformidade visível. O corpo alquebrado, a cabeça marcada por
cicatrizes, o nariz deformado, sem o septo nasal, e numa expressão de profunda
melancolia, olhando-me com enternecimento e carinho comovedores.
“Na
minha ignorância, na minha falta de discernimento doutrinário, pensei de
imediato: apesar da prece, eis aí a presença de um espírito obsessor. Bem se vê
que eu confundia, então, a aparência com o conteúdo, a realidade íntima. Foi
quando o ouvi dizer nitidamente:
—
Não sou um bem-aventurado, mas tampouco eu sou um obsessor. Sou teu irmão.
Chamo-me Jésus Gonçalves, e desencarnei, não há muito, num sanatório de
leprosos, em Pirapitingui, Estado de São Paulo.
“Naquela
época ainda não se usava o verbete hanseniano. Era a palavra marcadora, quase
cruel, da tradição bíblica. E ele prosseguiu:
—
Fomos amigos. Venho, de etapa em etapa, ressarcindo a duras penas o que contraí
desde os dias em que, na condição de conquistador, disseminei a morte pela
guerra, destruindo lares, roubando vidas, deixando órfãos e viúvas a prantearem
os seus mortos. Indiferente, à alheia dor, era devorado pela volúpia da
insanidade destruidora. Mais tarde, muito mais tarde, já conhecendo Jesus, não
me foi possível fugir daquela compulsão guerreira e, em posição relevante na
política francesa do século XVII, novamente me engalfinhei em lutas tenebrosas,
sendo um dos responsáveis pelo prosseguimento da guerra franco-austríaca,
especialmente na sua terceira fase.
—
Em chegando do lado de cá, dei-me conta da alucinação que me devorava e roguei
ao Senhor, por misericórdia, me concedesse a lepra purificadora, para o
despertar dos deveres de profundidade, aqueles que me poderiam conscientizar das
finalidades superiores da vida. Eis por que, desde então, venho no processo
purificador, havendo concluído uma etapa muito consciente, em Pirapitingui, no
Estado de São Paulo, poucos anos atrás, onde pude integrar-me no serviço da
Revelação Espírita, entregando-me a Jesus.”
Divaldo
lembra que, enquanto falava, Jésus Gonçalves se metamorfoseava. Aquela aparência
lôbrega e triste se transfigurou diante de seus olhos deslumbrados, que pôde
ver-lhe a luminosidade interior. Semelhante a um pequeno sol, parecia clarear o
seu entardecer. Curiosamente, das deformações em seu corpo uma substância
luminescente tecia uma nova forma bem feita. Jésus Gonçalves disse, como
desejando explicar ao médium:
—
O que a lepra carcomeu ficou sublimado nas regiões perispirituais. Mas, venho
aqui, por dois motivos, falar contigo. Na reunião doutrinária de hoje, estará
presente uma amiga muito querida. Desejo que a informes do nosso encontro. O
segundo motivo é que eu te queria pedir visitares a colônia de leprosos desta
cidade, no subúrbio de Águas Claras.
Surpreso
pela solicitação, e ainda preconceituoso em função do tabu e pela ignorância a
respeito do mal de Hansen, o médium respondeu comovido:
—
Por favor, não me faça um pedido de tal natureza. Esta doença, cujo nome nem
sequer eu pronuncio, tal o pavor que me causa, assusta-me demasiadamente e eu
nunca teria coragem de visitar o lugar onde estivessem pessoas com ela...
Sorrindo
da ingenuidade de Divaldo, Jésus Gonçalves redargüiu:
—
Divaldo, eu estou te pedindo que vás lá, a fim de que não vás para lá! Preferes
ir lá ou para lá?
Apressadamente,
o médium disse que preferia ir lá! Jésus, então, disse-lhe que tomaria
providências para irem os dois juntos, falar aos irmãos hansenianos. E
desapareceu diante dos olhos assombrados do jovem médium, deixando-lhe uma
indefinível sensação de paz e bem-estar...
Naquela
noite, em seu grupo de trabalhos, no Centro Espírita “Caminho da Redenção”,
Divaldo contou essa experiência aos irmãos, perguntando-lhes se, por acaso,
alguém ali ouvira falar ou conhecera Jésus Gonçalves. Levantou-se, então, uma
senhora de grande beleza física e espiritual e declarou:
—
Jésus Gonçalves foi meu amigo. Quase desencarnou em meus braços. Convivi com
ele, quanto me permitiram as possibilidades. Sou mineira do interior, e resido
na capital de São Paulo, há muitos anos, onde mantenho um serviço de visita a
várias casas de leprosos. Meu nome é Zaira Pitt. Em companhia de Julinha
Koffmann e de outros, procuramos dar assistência aos nossos irmãos leprosos.
Neste momento, com um grande número de amigos, estamos ajudando a construção do
pavilhão para tuberculosos hansenianos, lá mesmo no hospital Parapitingui.
“A
senhora confirmou”, conta Divaldo, “para a surpresa de todos nós, a existência
desse espírito, dizendo a ele estar vinculada, fazia muito tempo”.
Quando
o jovem baiano disse que Jésus Gonçalves pedira que ele visitasse a colônia de
leprosos de Águas Claras, D. Zaira Pitt o estimulou muito para essa tarefa,
dizendo que não havia o menor perigo de contágio, como comumente se pensava e
propalava por aí...
Antes
do espírito de Jésus Gonçalves se retirar, naquela tarde em que se manifestara a
Divaldo, aconselhou-o a ler um livro que o ajudaria a perder o medo da lepra,
intitulado “Eles Caminham Sós”.
Com
o pedido de Jésus e o encorajamento dado por Zaira Pitt, o jovem médium, então,
mobilizou os freqüentadores do centro espírita para a visita àquele lar
expurgador. Amigos mais bem relacionados na sociedade entraram em contato com o
diretor do hospital que, a princípio, vetou aprioristicamente o plano de visita.
Divaldo insistiu, afirmando de que o objetivo era apenas fazer uma visita
fraterna, levando alguns brindes e um pouco de alegria, respeitando todas as
instruções da casa. O diretor aquiesceu, impondo uma série de restrições.
Até
aquela época, 1949, o mal de Hansen ainda gozava de muitos tabus e preconceitos
que impediam as visitas. Mas Divaldo logrou a liberação da ordem de impedimento
e o grupo fez a primeira visita. Foi com ela que iniciou a série de excursões
que até hoje faz à colônia de hansenianos, em Águas Claras. Isto, há mais de 50
anos consecutivos.
Aquele
encontro de Dona Zaira Pitt com Divaldo ocorrera absolutamente de forma casual.
Visitando uma instituição espírita em Salvador, alguém havia indicado o nome de
Divaldo e por esse motivo fora ao Centro Espírita “Caminho da Redenção”, naquela
noite, naturalmente, inspirada por Jésus Gonçalves.
No
dia 1.° de janeiro de 1951, a convite de Zaira Pitt, Divaldo faz sua primeira
visita ao leprosário de Pirapitingui. No grupo estavam aquela senhora, Divaldo e
o sr. Joaquim Alves, o famoso Jô, admirável trabalhador espírita, desenhista e
pintor exímio, o dr. Lauro Michelin, um dos criadores e fundadores do Sanatório
Espírita “Luiz Sayão” (Araras, SP) e que, sob o pseudônimo de Jacques Garnier
escreveu várias obras espíritas a benefício daquela casa de doentes mentais.
Chegando
a Pirapitingui, o grupo conheceu a viúva de Jésus Gonçalves, dona Ninita, que
era cega, mas excelente médium vidente. Ela descreveu Divaldo tal como se o
tivesse vendo! Falou da presença espiritual do marido ali também. Mas, uma
senhora muito rica, que Zaira Pitt levara, viúva recente, trajando mesmo luto
fechado, foi quem mais chamou a atenção de Ninita, que lhes descreveu o esposo
desencarnado e pediu-lhe para tirar o luto, dando-lhe uma lição de imortalidade
das mais comovedoras.
O
grupo foi depois ao Centro Espírita “Santo Agostinho” e, ali, Divaldo proferiu
uma palestra para os internos e visitantes. Em seguida, todos voltaram para a
Capital.
No
domingo seguinte, por solicitação de Dona Zaira, Divaldo fez uma palestra na
reunião das 10 horas da manhã na Federação Espírita do Estado de São Paulo.
Naquela
época, Pedro de Camargo, o inesquecível escritor e orador Vinícius, que mantinha
uma grande assistência, havia anos, ali acorrendo para ouvir-lhe a palavra
fluente e evangelizadora, foi quem apresentou o jovem baiano, assim falando:
—
Muitos aí estão a perguntar quem é este jovenzinho e o que faz ele aqui, ao meu
lado. Tenho, assim, a imensa satisfação de apresentar Divaldo Pereira Franco aos
nossos irmãos paulistas. Este nosso amigo vindo da Bahia traz uma mensagem de
vida, com a sua mediunidade voltada para o Bem e guiada pela doutrina espírita,
a fim de nos estimular a marcha e nos encorajar para a luta.
Foi
dessa forma que Divaldo proferiu a sua primeira palestra na Federação Espírita
do Estado de São Paulo, vinculando-se também àquele missionário do bem e da luz,
que era Vinícius, o emérito educador e sacerdote, no sentido profundo da
palavra, da mensagem evangélica e espírita.
Assim,
Divaldo Pereira Franco iniciou as suas pregações na capital bandeirante. Era
janeiro de 1951 — há mais de cinqüenta anos atrás.
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