O Espiritismo Não Faz Milagres
“(...) O
Espiritismo vem, a seu turno, fazer o que cada ciência fez no seu
advento: revelar novas leis e explicar os fenômenos na alçada dessas
leis”.
Allan Kardec
Certa feita, um eclesiástico dirigiu a seguinte pergunta ao Mestre Lionês: “Todos
aqueles que tiveram missão de Deus de ensinar a verdade aos homens,
provaram sua missão por milagres. Por quais milagres provais a verdade
de vosso ensinamento?”
A resposta de Kardec não se fez esperar 2:
“(...)
Confessamos – humildemente -, que não temos o menor milagre a oferecer;
dizemos mais: O Espiritismo não se apóia sobre nenhum fato miraculoso;
seus adeptos nunca fizeram e não têm a pretensão de fazer nenhum
milagre; não se crêem bastante dignos para que, à sua voz, Deus mude a
ordem eterna das coisas. O Espiritismo constata um fato material, o da
manifestação das almas ou Espíritos. Esse fato é real, sim ou não? Aí
está toda a questão; ora, nesse fato, admitindo como verdadeiro, nada há
de miraculoso. Como as manifestações desse gênero, tais como as visões,
aparições e outras, ocorreram em todos os tempos, assim como atestam as
histórias, sagradas e profanas, e os livros de todas as religiões,
outrora puderam passar por sobrenaturais; mas hoje que se lhes conhece a
causa, que se sabe que se produzem em virtude de certas leis, sabe-se
também que lhes falta o caráter essencial dos fatos miraculosos, o de
fazer exceção à lei comum.
Essas
manifestações, observadas em nossos dias com mais cuidado do que na
antigüidade, observadas sobretudo sem prevenção, e com a ajuda de
investigações tão minuciosas quanto as que se aplicam no estudo das
ciências, têm por conseqüência provar, de maneira irrecusável, a
existência de um princípio inteligente fora da matéria, sua
sobrevivência aos corpos, sua individualidade depois da morte, sua
imortalidade, seu futuro feliz ou infeliz, por conseguinte, a base de
todas as religiões.
Se
a verdade não fosse provada senão por milagres, poder-se-ia perguntar:
Por que os sacerdotes do Egito, que estavam no erro, reproduziram diante
do Faraó aquilo que Moisés fez? Por que Apolônio de Tiana, que era
pagão, curava pelo toque, devolvia a visão aos cegos, a palavra aos
mudos, predizia as coisas futuras e via o que se passava à distância? O
próprio Cristo não disse: "Haverá falsos profetas que farão prodígios"?
Um de nossos amigos, depois de uma fervorosa prece ao seu Espírito
protetor, foi curado quase instantaneamente de uma enfermidade, muito
grave e muito antiga, que resistia a todos os remédios; para ele o fato
era verdadeiramente miraculoso; mas, como ele acreditava nos Espíritos,
um cura, a quem contou a coisa, disse-lhe que o diabo também pode fazer
milagres. "Nesse caso, disse esse amigo, se foi o diabo que me curou, é ao diabo que devo agradecer."
Os prodígios e os milagres não são, pois, o privilégio exclusivo da verdade, uma vez que o próprio diabo pode fazê-los.
(...)
Há no Espiritismo duas coisas: o fato da existência dos Espíritos e de
suas manifestações, e a doutrina que disso decorre. O primeiro ponto não
pode ser posto em dúvida senão por aqueles que não viram ou que não
quiseram ver; quanto ao segundo, a questão é saber se essa doutrina é
justa ou falsa: é um resultado de apreciação.
(...)
Considerai o Espiritismo, se o quiserdes, não como uma revelação
divina, mas como a expressão de uma opinião pessoal, a tal ou tal
Espírito, a questão é saber se ela é boa ou má, justa ou falsa, racional
ou ilógica. A que se reportar para isso? É ao julgamento de um
indivíduo? De alguns indivíduos mesmo? Não; porque, dominados pelos
preconceitos, as idéias preconcebidas, ou os interesses pessoais, podem
se enganar. O único, o verdadeiro juiz, é o público, porque ali não há o
interesse de associação. Além disso, nas massas há um bom senso inato
que não se engana. A lógica sã diz que a adoção de uma idéia, ou de um
princípio, pela opinião geral, é uma prova de que ela repousa sobre um
fundo de verdade.
Os Espíritas não dizem, pois: "Eis
uma doutrina saída da boca do próprio Deus, revelada a um único homem
por meios prodigiosos, e que é preciso impor ao gênero humano." Eles dizem, ao contrário: "Eis
uma doutrina que não é nossa, e da qual não reivindicamos o mérito; nós
a adotamos porque a achamos racional. Abribuí-lhe a origem que
quiserdes: de Deus, dos Espíritos ou dos homens; examinai-a; se ela vos
convém, adotai-a; caso contrário, ponde-a de lado."
Não se pode ser menos absoluto!
O
Espiritismo não vem, pois, intrometer-se na religião; ele não se impõe;
não vem forçar a consciência, não mais dos católicos do que dos
protestantes, dos judeus; ele se apresenta e diz: "Adotai-me, se me achais bom."
É
culpa dos Espíritas se o acham bom? Se nele se encontra a solução do
que se procurava em vão alhures? Se nele se haurem consolações que
tornam felizes, que dissipam os terrores do futuro, acalmam as angústias
da dúvida e dão coragem para o presente? Não se dirige àqueles a quem
as crenças católicas ou outras bastam, mas àqueles que elas não
satisfazem completamente, ou que desertaram; em lugar de não mais crer
em nada, os conduz a crerem em alguma coisa, e a crer com fervor.
Pergunta-se
sobre que milagre nós nos apoiamos para crer a Doutrina Espírita boa.
Nós a cremos boa, não só porque é nossa opinião, mas porque milhões de
outros pensam como nós; porque ela conduz a crer aqueles que não crêem;
dá coragem nas misérias da vida. O milagre?! É a rapidez de sua
propagação, estranha nos fastos das doutrinas filosóficas; foi por ter,
em alguns anos, feito a volta ao mundo, e estar implantada em todos os
países e em todas as classes da sociedade; foi por ter progredido,
apesar de tudo o que se fez para detê-la, de ultrapassar as barreiras
que se lhe opôs; de encontrar um acréscimo de forças nas próprias
barreiras. Está aí o caráter de uma utopia? Uma idéia falsa pode
encontrar alguns partidários, mas nunca tem senão uma existência efêmera
e circunscrita; perde terreno em lugar de ganhá-lo, ao passo que o
Espiritismo ganha-o em lugar de perdê-lo. Quando é visto germinar por
todas as partes, acolhido por toda a parte como um benefício da
Providência, é que ali está o dedo da Providência; eis o verdadeiro
milagre, e nós o cremos suficiente para assegurar o seu futuro.
(...)
Em resumo: O Espiritismo, para se estabelecer, não reivindica a ação de
nenhum milagre; não quer, em nada, mudar a ordem das coisas; procurou e
encontrou a causa de certos fenômenos, erradamente reputados como
sobrenaturais; em lugar de se apoiar no sobrenatural, repudia-o por sua
própria conta; dirige-se ao coração e à razão; a lógica lhe abre o
caminho”.
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