A Teia da Adulação
“Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ser enganado pela adulação dos insensatos.” (Eclesiastes, 7:5)
No alto de uma árvore, um corvo segurava no bico um pedaço de carne.
Uma raposa, atraída pelo cheiro, aproxima-se e se lhe dirige a palavra:
- Ei! Bom-dia, senhor corvo! Como o senhor está lindo! Como é bela a sua plumagem! Se o seu canto for tão bonito quanto ela, sinceramente, o senhor é o fênix dos convidados destas florestas.
E para mostrar sua “melodiosa” voz, abriu o bico e deixa cair a presa.
A raposa se apodera da carne e diz ao corvo:
- Meu bom senhor, aprenda que todo adulador vive à custa de quem o escuta.
Esta lição vale, sem dúvida, pela carne que agora comerei.
O corvo, envergonhado e aborrecido, jurou, embora um pouco tarde, que nunca mais se deixaria levar por elogios.
Nesta pequena fábula, temos importante advertência para muitos de nós que nos deixamos influenciar pelas seduções, elogios e adulações.
Primeiramente, há que se fazer a distinção entre essas terminologias que se permeiam entre si, começando pelo elogio que é um dos mais fortes aliados da sedução e que serve frequentemente na “arte da adulação” quando se pretende atrair e conquistar coisas ou pessoas. Assim, a lisonja tem como objetivo primordial evidenciar qualidades que não existem, expressão acentuada que emoldura reais ou fictícias qualidades, ações ou feitos de alguém.
“Adular é exaltar de forma exagerada os feitos ou o modo de ser de um indivíduo para a obtenção de favores e privilégios. É a capacidade de convencer com artimanha, persuadir com astúcia, sob promessa de vantagens, aplausos e engrandecimento, pessoas submissas à vontade de outrem ou dependentes da opinião alheia.”[1]
Existem várias formas de envolvimento através das teias da bajulação e são inúmeras as táticas da sedução, que vão desde as pequenas expressões e entonações especiais ao se movimentar o corpo, mãos e braços até ao se pronunciar uma breve frase aparentemente sem intenção, que, se analisados nas entrelinhas, guarda-se um intuito ardiloso.
E como isso se processa em nossa intimidade? Necessário se faz avaliarmos o grau de persuasão ou intenção do sedutor, ou seja, a força e a intensidade que serão lançadas à criatura suscetível à sedução. Também se faz necessário verificarmos a suscetibilidade do seduzido, porque, na maioria das vezes, ele, o seduzido, tem em sua intimidade uma predisposição para ceder a esse tipo de influência e se deixar contaminar pela adulação. Aliás, é a suscetibilidade do seduzido que permite o envolvimento.
O aplauso ou o elogio que ele busca pode ser fruto de privação emocional ou falta de auto-aprovação na vida pessoal. Sua carência de autovalorização é atenuada com manifestações de enaltecimento. Mais cedo ou mais tarde, uma onda de fracasso o envolverá, porque nem sempre conseguirá demonstrar sua superioridade e acabará se frustrando. Assim como no estelionato, onde houver uma “raposa”, sempre haverá um “corvo” seduzido.
Quem adula suborna o outro e subornar não é simplesmente comprar com dinheiro algo ilegal, mas também dar qualidades fictícias, servir-se das fraquezas alheias, adulterar as possibilidades dos outros com manifestações exteriores totalmente falsas, com o intuito de tirar vantagens.
Importante ressaltar que há uma diferença incondicional entre adulação e admiração, pois quem admira não adula. O ser amadurecido impõe respeito e não cede diante da adulação.
Assim, fiquemos atentos a todos esses modos de desvirtuamento das possibilidades reais que habitam o nosso ser, não nos enganando com virtudes que ainda não granjeamos.
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