A Caminho da Luz

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Lições de bichos e coisas


“Lições  de  bichos  e  coisas”






Tenho inveja das plantas e dos animais.

Parecem-me tão tranquilos, possuidores de uma sabedoria 
que nós não temos.

Como se desfrutassem da felicidade do Paraíso.





Sofrem, pois não existe vida sem sofrimento.

Mas sofrem sempre como se deve, quando o sofrimento vem, na hora certa, e não por antecipação.

Saber sofrer é uma lição difícil de aprender.

Se o terrível nos golpeia e não sofremos, algo está errado.




Pois como não chorar, se o destino nos faz sangrar?

Se não choramos é porque o coração está doente, perdeu
 a capacidade de sentir.

Mas sofrer fora de hora é doença também, permitir-se ser 
cortado por golpes que ainda não aconteceram e que só 
existem como fantasmas da imaginação




Os animais sabem sofrer. Nós não. 

Somos prisioneiros da ansiedade.

Pois ansiedade é isto: 

sofrer fora de hora, por um golpe que, 
por enquanto, só existe no futuro que imaginamos.

Talvez os animais sejam sadios de alma e nós, doentes.




Jesus, sofrendo com a nossa dor 

pelos sofrimentos que a 

ansiedade coloca no futuro, nos 

aconselhou a aprender da 

sabedoria das aves dos céus e 

dos lírios dos campos, 

reconciliados com a vida, vivendo 

as dores e felicidades do 

presente, e livres dos fantasmas 

da imaginação ansiosa. 




Sofremos pelo futuro e, por isso, não podemos colher 
as modestas mas reais alegrias que o presente nos oferece.




Acho que todo mundo sabe, intuitivamente, que existe uma 
loucura na maneira de ser dos homens.

E é por isso que a nostalgia por um sítio ou por uma casa na praia aparece como um dos nossos sonhos mais persistentes.




Para longe do falatório dos homens, 
quando todos falam e ninguém escuta.

De volta para a natureza, onde nada 
se diz e, no silêncio, 
se ouve uma 
sabedoria esquecida.




Dizem que São Francisco pregava
sermões aos animais. 
Não acredito.  

Pois só pregam sermões aqueles
que se julgam portadores de uma
sabedoria que os outros não têm.

Prega-se para convencer os
outros a reconhecerem os seus erros.
E para que, pela palavra ouvida,
eles se tornem melhores.




Mas, de que erro convenceremos
as plantas e os animais?

Pois são perfeitos em tudo que fazem.

Todos eles se movem harmônicos ao som
da melodia que toca dentro dos seus corpos.




Acredito que o santo conversava com os animais,
escutava o seu silêncio, e, se ele falava
alguma coisa, era como o aluno que repete
em voz alta aquilo que aprendeu dos seus mestres.

Não era o santo que pregava aos animais;
eram os animais que lhe ensinavam a sua sabedoria.




Me dirão que plantas e animais não falam.

Engano.

É verdade que estão mergulhados no silêncio.

Mas é neste silêncio que interrompe o
vozerio dos homens que uma voz é ouvida,
vinda das profundezas do nosso ser.

Pois é aí que mora a sabedoria que perdemos.




Você tem dificuldade em ouvir a voz
das plantas e dos animais?

Pois que leia os poetas, profetas do seu
saber sem palavras.

A ‘Sugestão’ de felicidade de Cecília Meireles.




Ela diz que deveríamos ser como a flor que
se cumpre sem pergunta, a cigarra,
queimando-se em música,

ao camelo que mastiga sua longa solidão,

o pássaro que procura o fim do mundo,

o boi que vai com inocência para a morte.

E conclui: “Sede assim qualquer coisa serena,
isenta, fiel. Não como os demais homens”.




Com o que concorda Alberto Caeiro,
discípulo dos mesmos mestres:

"Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!..."




Autor: Rubem Alves
Imagens: Christina Meirelles Neves



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