FISSURAS
A
parede era robusta, aparentemente inabalável.
Suportava
ventos fortes e chuva intensa há anos.
Fazia
parte de uma grande fortaleza, a qual ninguém arriscava atacar porque parecia
ser intransponível.
No
entanto, na sua face sul, onde o sol raramente tocava havia uma irregularidade
quase imperceptível.
Era
o resultado da pressa em sua execução ou, quem sabe, do descuido de um dos
executores da obra.
Agora,
porém, isso pouco importava, afinal, aquela muralha estava erigida ali há tempos
e os responsáveis por ela nem mais andavam sobre a terra.
No
entanto, aquela imperfeição ao longo dos anos acabou servindo de depósito
natural da água da chuva e dos detritos trazidos pelo vento.
Aos
poucos a água foi se infiltrando no muro e trilhando um caminho próprio em busca
de uma saída entre as rochas reunidas por espessa argamassa.
Com
o passar do tempo, uma fissura surgiu onde antes havia apenas uma depressão
quase invisível.
Essa
fissura, alimentada pelas águas das chuvas e pelo limo que invadira a parede
úmida e fria, foi se expandindo, até tornar-se uma assustadora rachadura.
Agora,
era vista mesmo à distância, e parecia ameaçar a solidez daquela estrutura.
O
tempo corria veloz sem que providência alguma fosse tomada.
A
rachadura já corrompia a parte inferior do muro que, atingida pela umidade,
deteriorava-se a olhos vistos.
Em
uma noite fria, quando o temporal ruidoso e inclemente avançava sobre a praia
próxima, a ventania atingiu a muralha com violência.
A
muralha, que suportara tempos antes ventos ainda mais fortes, desta vez não
resistiu.
Corrompida
pela água, que durante anos deteriorou sua base e parte de seus materiais, a
grande parede cedeu.
Tombou
pesadamente como se estivesse cansada de resistir em vão.
Como
um robusto carvalho se permite um dia tombar depois de tantos anos de majestade,
também aquela murada, traída pela pequena fissura, entregou-se à ação do
tempo.
Uma
simples fissura, decorrente de uma imperfeição aparentemente insignificante,
causou a queda do grande muro.
E
hoje, os que passam ao lado das ruínas daquilo que um dia já foi uma imponente
fortaleza, ignoram que a destruição daquele monumento grandioso iniciou-se com
uma mera e banal rachadura.
*
* *
Assim
também são os vícios humanos.
Hábitos
infelizes, considerados como atitudes corriqueiras e comuns na sociedade, podem
corromper grandes mentes.
Hoje
são apenas "fofoquinhas" a servir de passatempo aos desocupados.
Amanhã
serão mentiras ardilosas a destruir lares e prejudicar vidas.
Hoje
são apenas goles de bebidas alcoólicas para descontrair.
Amanhã
serão drogas ainda mais pesadas a arruinar centros nervosos e lesionar
profundamente os destinos.
Hoje
são pequeninas barganhas para garantir que as crianças obedeçam.
Amanhã
serão pesados subornos para realizar o que o dever já impunha desde muito.
Os
vícios surgem como pequeninas fissuras na conduta humana.
Em
um primeiro momento não despertam grandes receios e chegam, até, a ser ignorados
pelos menos avisados.
No
entanto, com o passar do tempo, vão se agigantando e invadindo o espaço que
deveria ser da virtude.
Abalam
estruturas que pareciam sólidas e destroem futuros venturosos.
Arrastam
o ser para o lodaçal da culpa e do arrependimento, onde se encontram chafurdados
os escombros das ilusões do ontem.
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