O
fato corria de boca em boca. Sacerdotes e patriarcas, negociantes e pastores,
sapateiros e tecelões discutiam o acontecimento.
Em
algumas sinagogas, fizeram-se ouvir inflamados oradores, denunciando a invasão
galiléia.
Imaginem
exclamava um deles da tribuna, diante das tábuas da lei , imaginem que a mulher
mais importante do grupo, a que se encarregou da chamada mensagem de
ressurreição, é uma criatura que já foi possuída por sete demônios. Em Magdala,
todos a conhecem. Seu nome rasteja no chão. Como aceitar um acontecimento
espiritual, através de pessoa desse jaez? Os galileus são velhacos e impostores.
Naturalmente cansados da pesca, que lhes rende parcos recursos, atiram-se, em
Jerusalém, a uma aventura de imprevisíveis conseqüências. É indispensável
reajustar impressões. Moisés, o maior de todos os profetas, o salvador de nosso
povo, morreu no monte sebo, contemplando a Terra da Promissão sem poder
penetrá-la... Por que motivo um filho de carpinteiro, que não foi um doutor da
lei, alcançaria semelhante glorificação? Acaso, não foi punido na cruz como
vulgar malfeitor? Se os grandes profetas da raça, que se mantêm sepultados em
túmulos honrosos, não se fazem ver nos céus, como esperar a divina demonstração
de um homem comum, crucificado entre ladrões, na qualidade de embusteiro e
mistificador?
A
argumentação era sempre ardente e apaixonada.
Na
sinagoga em que se congregavam os judeus da Batanéia, outro orador tornava a
palavra e criticava, acerbamente:
Onde
chegaremos com a ilusão do regresso dos mortos? Estamos seguramente informados
de que o caso do carpinteiro nazareno não passa dum embuste de mau gosto.
Soldados e populares viram os pescadores galileus subtraindo o corpo ao túmulo,
depois da meia-noite.
Em
seguida, como é de presumir-se, mandaram uma certa mulher sem classificação
começar a farsa no jardim.
E,
cerrando os punhos, bradava:
Os
criminosos, porém, pagarão! Serão perseguidos e exterminados! Sofrerão o
suplício dos traidores, no átrio do Templo! Apenas lamentamos que José de
Arimateia, ilustre homem do Sinédrio, esteja envolvido no desprezível assunto.
Infelizmente, o túmulo execrável situa-se em terreno que lhe pertence.
Não
fora isso, iniciaríamos, hoje mesmo, a lapidação de todos os culpados. Lutaremos
contra a mentira, puniremos os que insultam nossas tradições veneráveis,
honraremos a lei de Israel!
E
as opiniões chocavam-se, em toda parte, como fogos acesos.
Os
discípulos, para receberem as visitas espirituais do Mestre e anotar-lhe as
sugestões, reuniam-se, secretamente, a portas fechadas. Por vezes, escutavam as
chufas e zombarias que vinham de fora; de outras, percebiam o apedrejamento do
telhado, circunstâncias que os obrigaram a continuadas modificações. Não fixavam
o ponto de serviço. Ora encontravam-se em casa de parentes de Filipe, ora
agrupavam-se na choupana de uma velha tia de Zebedeu, o pai de João e Tiago. Num
meio tão vasto de intrigas e vaidades sem conta, era necessário esconder a
alegria de que se sentiam possuídos, cultivando a verdade ao calor da esperança
em épocas melhores.
Simão
Pedro e os demais voltaram à Galiléia, para vender o campo e seguir o Mestre,
como diziam na intimidade. Estavam tocados de fervor santo. A ressurreição
enchera-lhes a alma de energias sublimes e até então desconhecidas. Que não
fariam pelo Mestre ressuscitado? Iriam ao fim do mundo ensinar a Boa-Nova,
venceriam trevas e espinhos, pertenceriam a Ele para sempre. Reorganizaram,
pois, as atividades materiais e regressaram a Jerusalém, a fim de darem início à
nova missão.
Instalados
na cidade, graças à generosa acolhida de alguns amigos que ofereceram a Simão
Pedro o edifício destinado ao começo da obra, consolidou-se o movimento de
evangelização. Os aprendizes, depois do Pentecostes, haviam criado novo ânimo.
Suas reuniões intimas prosseguiam regulares e as assembléias de caráter público
efetuavam-se sem impedimento. As fileiras intermináveis de pobres e infelizes,
procedentes dos vales de imundos, lhes batiam à porta, recebendo carinhosa
atenção e esse espírito de serviço aos filhos do desamparo conquistou-lhes,
pouco a pouco, valiosos títulos de respeitabilidade, reduzindo-se, de algum
modo, o número dos escarnecedores, compelidos então a silenciar, pelo menos até
quando as autoridades favorecessem novas perseguições.
Todavia,
continuava o problema da ressurreição. Teria voltado o Cristo? Não teria
voltado?
Prosseguiam
os atritos da opinião pública, quando algumas pessoas respeitáveis lembraram ao
Sinédrio que fosse designada uma comissão de três homens versados na lei, para
solucionar a questão junto dos discípulos. Efetuariam um interrogatório e
exigiriam provas cabais.
Aprazada
a ocasião, houve reboliço geral. Agravaram-se as divergências e surgiram os mais
estranhos pareceres. Por isso, no momento determinado, grande massa popular
reunia-se à frente da modesta casa, onde os apóstolos galileus atendiam os
sofredores e ensinavam a nova doutrina.
Os
três notáveis varões, todos filiados ao farisaísmo intransigente, penetraram a
residência humilde, com extrema petulância.
E
Simão Pedro, humilde, simples e digno, veio recebê-los.
Efetuado
o preâmbulo das apresentações, começou o inquérito verbal, observado por dois
escribas do Templo.
Jacob,
filho de Berseba, o chefe do trio, começou a interrogar :
É
verdade que Jesus, o Nazareno, ressuscitou?
É
verdade confirmou Pedro, em voz firme.
Quem
testemunhou?
Nós,
que o vimos várias vezes, depois da morte.
Podem
provar?
Sim.
Com a nossa dignidade pessoal, na afirmação do que presenciamos.
Isso
não basta falou rudemente Jacob, sob forte irritação. Exigimos que o
ressuscitado nos apareça.
Pedro
sorriu e replicou:
O
inferior não pode determinar ao superior. Somos simples subordinados do Mestre,
a serviço de sua infinita bondade.
Mas
não podem provar o fenômeno da ressurreição?
A
fé, a confiança, a certeza, são predicados intransferíveis da alma aduziu o
apóstolo, com humildade. Somos trabalhadores terrestres e estamos longe de
atingir o convívio dos anjos.
Entreolharam-se
os três fariseus, com expressão de ira, e Jacob exclamou, trovejante:
Que
recurso nos sugere, então, miserável pescador?! Como solucionar o problema que
provocaram no espírito do povo?
Simão
Pedro, dando mostras de grande tolerância evangélica, manteve imperturbável
serenidade e respondeu:
Apenas
conheço um recurso: morram os senhores como o Mestre morreu e vão procurá-lo no
outro mundo e ouvir-lhe as explicações. Não sei se possuem bastante dignidade
espiritual para merecerem o encontro divino, mas, sem dúvida, é o único meio que
posso sugerir.
Calaram-se
os notáveis do Sinédrio, sob enorme estupefação.
No
silêncio da sala, começaram a ecoar os gemidos dos tuberculosos e loucos
mantidos lá dentro. Alguém chamava Pedro, com angústia.
O
amoroso pescador fitou sem medo os interlocutores e pediu:
Dêem-me
licença. Tenho mais que fazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário