Para alguns confrades, o Espiritismo, no início do século XX no Brasil,
ganhou uma tonalidade que o fez diferente daquele existente na Europa.
Sofreu uma deformação ou determinada construção original, sobretudo
pelas relações entre ele e os cultos afro-brasileiros.
À época, o
Espiritismo possuía, na Europa, um caráter mais científico e filosófico
e, no Brasil, ganhou características mais religiosas. Atribui-se, a esse
fator, o pendor místico da tradição cultural brasileira.Para esses
estudiosos, o "abrasileiramento" do Espiritismo o levou a uma perda do
caráter experimentalista e científico de sua origem, e isto
correspondera a um abastardamento do Espiritismo no Brasil.
Evidentemente, discordamos dessa tese que considera o Espiritismo
brasileiro uma simples deturpação do europeu.
Tais teóricos
acreditam, até, que não seria possível ao Espiritismo manter uma
"pureza" para onde quer que fosse difundido.Será que o termo Espiritismo
inclui as crenças afro-brasileiras? É óbvio que não! Porém, desde sua
chegada ao Brasil, seus adversários tentam igualá-los. Contudo,
reconhecemos que a Umbanda, por exemplo, mais se parece com o
Catolicismo do que com o Espiritismo, devido aos rituais, aos atos
sacramentais e à hierarquia sacerdotal, os quais não existem no
Espiritismo.Kardec não enfrentou este tipo de problema à época.
Entretanto, no Brasil, com as peculiaridades da índole brasileira, tudo
tem que ter conotação especial. Para alguns, seríamos espíritas
kardequianos e eles, "espíritas" umbandistas. Para outros, somos
espíritas "mesa branca" e eles, de terreiros. Os termos não têm razão de
ser, mas a urgência em nos diferençarmos de outras seitas religiosas
tem levado certos espíritas a utilizarem essas inadequadas
adjetivações.O Espiritismo é uma Doutrina religiosa que tem Jesus como
guia e modelo de conduta. Não há como compreender o Espiritismo sem
Jesus e sem Kardec, para todos, com todos e ao alcance de todos, a fim
de que o projeto da Terceira Revelação alcance os fins a que se propõe.
Como diferença fundamental na prática doutrinária, o Espiritismo não
adota em suas reuniões: paramentos ou quaisquer vestes especiais; vinho,
cachaça, ou qualquer outra bebida alcoólica; incenso, mirra, fumo ou
quaisquer outras substâncias que produzam fumaça; altares, imagens,
andores e velas; hinos ou cantos em línguas mortas ou exóticas; danças
ou procissões; atendimento a interesses materiais, terra-a-terra,
mundanos; pagamento de qualquer espécie; talismãs, amuletos, orações
miraculosas, bentinhos e escapulários; administração de sacramentos,
concessão de indulgências, distribuição de títulos nobiliárquicos;
horóscopos, cartomancia, quiromancia e astrologia; rituais e encenações
extravagantes; promessas e despachos; riscar cruzes e pontos; praticar,
enfim, a extensa variedade de atos materiais oriundos de velhas e
primitivas concepções religiosas.
Outro fator relevante, a palavra
"espírita" foi criada por Allan Kardec em 1857 e designa, tão-somente,
os adeptos do Espiritismo, cujas atividades estão sempre voltadas à
prática da caridade em seu sentido mais amplo. Portanto, a denominação
"espírita" não deve ser associada a práticas com bases em quaisquer
rituais, pela incoerência que isso representa. Rejeitamos, pois, assim,
qualquer associação do Espiritismo com práticas distanciadas das
orientações de Allan Kardec, da ética e dos preceitos codificadas por
ele.Seria a Umbanda o mesmo que Espiritismo? Com todo respeito que os
umbandistas merecem, respondemos que não! Umbanda é, basicamente,
prática religiosa surgida entre os africanos bantos e sudaneses,
trazidos para o Brasil como escravos. É o resultado do amálgama com o
Catolicismo, reunindo ainda folclore, superstições e crendices, sem
doutrina codificada.
Com a vinda dos escravos africanos para o
Brasil, o sincretismo religioso se tornou uma prática comum entre os
escravos, pois os senhores de engenho não permitiam nenhuma outra
religião, exceto a católica. Desta forma, surgiu a Umbanda, amplamente
difundida em todas as camadas sociais do país. Sua entronização no país
teve razões variadas. Uma delas é essa bagagem religiosa atávica que nos
liga ao passado do negro e do índio (pretos-velhos e caboclos). Outro
fator foi a de desenvolver junto ao povo, uma prática mediúnica mais
voltada para os interesses imediatistas e populários.No meio religioso
convencional, os pastores e padres colocam como adeptos da Doutrina
Espírita, as pessoas que "mexem" com os Espíritos, com macumba. Para
tais religiosos os seguidores da Umbanda, do Candomblé, os jogadores de
búzios, de tarô, os ledores de sorte, etc., são todos praticantes do
Espiritismo. Por causa dessa suprema ignorância, temos o dever de
procurar esclarecer essas distorções, sempre que a confusão se
estabelecer. Sabendo, porém que o termo já está popularizado na
linguagem comum, é aconselhável que se utilize o termo Doutrina Espírita
em lugar de Espiritismo, quando a ocasião exigir. Vai aqui apenas uma
singela sugestão.
A Umbanda é um culto com identidade específica e
suas práticas, embora tenham alguns pontos de convergência com o
Espiritismo, de um modo geral, as contradizem, por serem antagônicas. Em
se tratando de prática doutrinária, não se pode ser umbandista e
espírita ao mesmo tempo. A Umbanda tem público e finalidade apropriados.
Seus cultos são voltados a rituais e procedimentos que em nada se
compatibilizam com a Doutrina Espírita. Estranhíssimos são os santuários
que, em alguns dias trabalham com o "Espiritismo" e em outros com a
Umbanda. Seria possível existir uma roda quadrada?Se for de bom alvitre
que os lídimos espíritas não trabalhem em duas casas espíritas
simultaneamente, imagine então a confusão espiritual que se forma quando
se participa de dois cultos que não possuem afinidade entre si. Isso
tem sido fonte de desequilíbrio psíquico e emocional de praticantes
pouco esclarecidos quanto a esse aspecto.O Espiritismo (Doutrina
Espírita) codificado por Allan Kardec nos traz princípios racionais
inobservados em outras doutrinas filosóficas e morais.
É ele o
Consolador Prometido por Jesus para ajudar na edificação do futuro da
humanidade. Cremos que nossa incapacidade de minimizar certas
dificuldades de interpretação entre Doutrina Espírita e Doutrinas
afro-brasileiras está na falta de estudo e de preparo moral e
intelectual adequados de muitos líderes espíritas. Por razões diversas,
algumas pessoas tornam-se dirigentes de centros espíritas sem possuírem
condições doutrinárias para isso. Portanto, fundamentalmente, o grande
mal ainda é o pouco interesse que os adeptos têm pelo estudo sério das
Obras Básicas.Religião científico-filosófica, o Espiritismo não pretende
demolir as bases de outras crenças. Antes, reconhece a necessidade da
existência delas para grande parte da humanidade, cuja evolução se
processa lentamente.
A mediunidade, presente em ambas as doutrinas, é
patrimônio comum a todos. Entretanto, cada seguidor registra-lhe a
evidência a seu modo. De nossa parte, é possível praticá-la com a
simplicidade evangélica, baseados nos ensinamentos claros do Mestre, que
esteve em contacto incessante com as potências invisíveis ao homem
vulgar, curando obsedados, levantando enfermos, conversando com os
grandes instrutores materializados no Tabor, ouvindo os mensageiros
celestiais em Getsemani e voltando Ele próprio a comunicar-se com os
discípulos, depois da morte na cruz.O bom senso nos sussurra que não
importa que os aspectos da verdade religiosa recebam vários nomes,
conforme a índole dos seguidores. Vale a sinceridade com que nos
devotamos ao bem. Muitos estudiosos espíritas consideram lícito
trabalhar, tão-somente, com espíritos superiores, relegando as
manifestações mediúnicas vulgares à fossa da obsessão e da enfermidade,
que, na opinião deles, devem ser entregues a si mesmas, sem qualquer
atenção de nossa parte. Há estudiosos espíritas que não suportam
qualquer manifestação primitivista. Se o médium incorpora espíritos
primários, afastam-se dele, agastadiços, responsabilizando-o por fraude
ou mistificação. Isso é um contra-senso sem respaldo no Evangelho.
Importa considerar, nesse debate, que cultos afro-brasileiros e Doutrina
Espírita devem estar, cada qual, em seu devido lugar sem miscelâneas,
respeitando-se mutuamente sempre.
Até porque, o Espiritismo nos
remete ao tesouro da fé raciocinada, esclarecendo-nos e habilitando-nos a
estender o bem, a partir de nós mesmos. Sabemos que uma religião digna,
qualquer que seja o Templo em que se expresse, é um santuário de
educação da alma, em seu gradativo desenvolvimento para a imortalidade.
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