O Dogma do Pecado Original à Luz do Espiritismo
Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe.1
A palavra pecado tanto
em grego quanto em hebraico que são os idiomas bíblicos tem o sentido
de “errar o alvo”; como alguém que atira uma flecha e erra o alvo. Outra
ideia que tem mais ou menos o mesmo sentido é a de “desviar-se do
rumo”.
De qualquer modo
depreendemos de tal conceituação que o homem tem um alvo, isto é um
objetivo, um rumo, existe um plano para ele. Quando ele se desvia deste
caminho ele erra ou peca conforme dizem as religiões.
Assim, conclui-se que o
homem não foi feito para pecar, se ele assim o fez foi por vontade
própria fazendo uso de seu livre arbítrio.
Em sentido mais amplo
podemos dizer que existe uma Lei no Universo que é a Lei de Deus que
gerencia e regula toda a criação de um modo geral, quando infringimos ou
transgredimos esta Lei, pecamos.
Pecado Original
Contrariamente ao que parece a origem do dogma do pecado original não é judaica, o judaísmo não o apoia.
Segundo um artigo publicado por Kardec na Revista Espírita de Novembro de 18682,
artigo este tirado de um jornal israelita dirigido pelo Rabino Benjamin
Mossé, o dogma do pecado original está longe de estar entre os
princípios do Judaísmo.
Segundo o articulista…
O dogma do pecado original toma pela letra o relato da Gênese, do qual se desconhece o caráter lendário, e que, partindo desse ponto de vista errado, aceitam-se cegamente todas as consequências que dele decorrem, sem se importar com a sua incompatibilidade com a natureza humana e com os atributos necessários e eternos que a razão reporta à natureza divina.
Depreendemos assim, que o dogma do pecado original tem origem no catolicismo e foi adotado também pela escola protestante.
Mas o que diz este dogma?
Que o primeiro casal de
humanos – Adão e Eva – tentado pelo Diabo na figura da Serpente,
desobedeceram uma ordem divina que dizia que eles não poderiam comer da
árvore da ciência do bem e do mal, e que a partir desta transgressão,
que foi um ato de rebeldia em relação a Deus, eles atraíram para si e
para toda humanidade, inclusive para a que viesse a partir de então, uma
maldição do Céu, maldição esta que implicaria em toda sorte de males e
dores, de erros, de crimes e tudo quanto fosse de ruim.
Através deles, teria
entrado o pecado no mundo, e com o pecado o mal e com o mal, as doenças,
a morte e todo tipo de aberração, inclusive da natureza.
Ou seja, tudo o que
existe de ruim no mundo é culpa do pecado, e este é culpa de Adão e de
Eva que se deixaram seduzir pela Serpente.
A situação é mais ou
menos assim, nós já nascemos no erro, somos pecadores, temos o DNA da
transgressão e tudo por causa deste casal primeiro.
Há injustiça no mundo?
Crianças nascem defeituosas? Existe guerra, fome, tragédias, e muito
mais? Culpa do pecado, culpa de Adão e Eva.
O mais interessante
disto tudo, é que tanto católicos quanto protestantes dizem seguir a
Bíblia literalmente, e que se algo está em contradição com o Texto
Sagrado, este algo ou esta doutrina deve ser condenada, pois a Bíblia é a
Palavra de Deus.
Não discutimos quanto à
superioridade da doutrina moral da Bíblia, esta é mesma de origem
divina. Entretanto, parece que nossos irmãos ainda não leram o capítulo
XVIII do livro de Ezequiel, pois nele encontramos as seguintes
colocações:
1A palavra de Iahweh me foi dirigida nestes termos: 2Que
vem a ser este provérbio que vós usais na terra de Israel: "Os pais
comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados"? 3Por minha vida, oráculo do Senhor Iahweh, não repetireis jamais este provérbio em Israel. 4Todas as vidas me pertencem, tanto a vida do pai, como a do filho. Pois bem, aquele que pecar, esse morrerá. 5Se um homem é justo e pratica o direito e a justiça, 6não
come sobre os montes e não eleva os seus olhos para os ídolos imundos
da casa de Israel, nem desonra a mulher do seu próximo, nem se une com
uma mulher durante a sua impureza, 7nem explora a ninguém, se devolve o penhor de uma dívida, não comete furto, dá o seu pão ao faminto e veste ao que está nu, 8não empresta com usura, não aceita juros, abstém-se do mal, julga com verdade entre homens e homens; 9se
age de acordo com os meus estatutos e observa as minhas normas,
praticando fielmente a verdade: este homem será justo e viverá, oráculo
do Senhor Iahweh. 10Contudo se tiver um filho violento e sanguinário, que pratique uma destas coisas, 11quando ele não cometeu nenhuma, isto é, um filho que chegue a comer nos montes, que desonre a mulher do seu próximo, 12que
explore o pobre e o necessitado, que cometa furto, que não devolva o
penhor, que eleve os seus olhos para os ídolos imundos e cometa
abominação, 13que
empreste com usura e aceite juros, certamente não viverá, por ter
praticado todas estas abominações: ele morrerá e o seu sangue cairá
sobre ele. 14Mas se este, por sua vez, tiver um filho que vê todos os pecados cometidos pelo seu pai, os vê, mas não os imita, 15isto
é, não come sobre os montes e não eleva os seus olhos para os ídolos
impuros da casa de Israel, não desonra a mulher do seu próximo, 16não explora ninguém, não exige penhor e não comete furto, antes, dá o seu pão ao faminto e veste aquele que está nu, 17se
abstém da injustiça, não aceita usura nem juros, observa as minhas
normas e anda nos meus estatutos, este não morrerá pelas iniquidades de
seu pai, antes, certamente viverá. 18O
seu pai, visto que agiu com violência e praticou o furto, visto que não
se comportou bem no seio do seu povo, este, sim, morrerá por causa da
sua iniquidade. 19E vós
dizeis: "Por que o filho não há de levar a iniquidade de seu pai?" Ora, o
filho praticou o direito e a justiça, observou todos os meus estatutos e
os praticou! Por tudo isso, certamente viverá. 20Sim,
a pessoa que peca é a que morre! O filho não sofre o castigo da
iniqüidade do pai, como o pai não sofre o castigo da iniqüidade do
filho: a justiça do justo será imputada a ele, exatamente como a
impiedade do ímpio será imputada a ele3. (Grifos nossos)
Portanto, baseado neste
texto que diga-se de passagem é dos mais expressivos, e como disse S.
Jerônimo, a verdade não pode estar em coisas que se contradizem, a
Bíblia não apoia a ideia da transferência de responsabilidade, cada um é
responsável por si. Como nos ensinou Jesus, a cada um segundo as suas obras4. Deste modo, voltando a citar o artigo do Rabino Benjamin Mossé:
Se Adão e Eva pecaram, só a eles pertence a responsabilidade de sua ação má; só a eles sua queda, sua expiação, sua redenção por meio de seus esforços pessoais para reconquistar a sua nobreza.5
Todavia existe neste
dogma algo de verdade, realmente todo mal existente em nosso Universo é
fruto do pecado, é devido às nossas transgressões que temos a
necessidade de nascer e morrer, pois o Espírito Puro não precisa mais do
ciclo dos renascimentos. Daí, entendemos que todas as desigualdades da
vida, as guerras, as enfermidades, e a morte de um modo geral, tudo isto
é devido mesmo ao pecado. Então, como conciliar e harmonizar esta
questão, o que a doutrina espírita pode nos esclarecer quanto ao
chamado pecado original?
Este é mais um tema em que à luz da reencarnação e da preexistência da alma tudo fica esclarecido com muita naturalidade.
Deixamos a palavra com Kardec:
Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um contrassenso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original, cujas consequências naturalmente sofre, mas com a diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de outrem; e com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada.6
Assim, entendemos. O
Espírito reencarna muitas vezes na Terra ou em outros Orbes realizando
seu aperfeiçoamento. Ele, Espírito, inicia sua evolução no estado de
“simples e ignorante” e tem por destinação a Perfeição Moral que é
característica dos Espíritos Puros.
É ainda Kardec quem nos elucida:
O Espírito tem por destino a vida espiritual, porém, nas primeiras fases da sua existência corpórea, somente a exigências materiais lhe cumpre satisfazer e, para tal, o exercício das paixões constitui uma necessidade para o efeito da conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Mas, uma vez saído desse período, outras necessidades se lhe apresentam, a princípio semimorais e semimateriais, depois exclusivamente morais. É então que o Espírito exerce domínio sobre a matéria, sacode-lhe o jugo, avança pela senda providencial que se lhe acha traçada e se aproxima do seu destino final. Se, ao contrário, ele se deixa dominar pela matéria, atrasa-se e se identifica com o bruto.
Nessa situação, o que era outrora um bem, porque era uma necessidade da sua natureza, transforma-se num mal, não só porque já não constitui uma necessidade, como porque se torna prejudicial à espiritualização do ser. 7
Desta forma, quando o
Espírito se deixa dominar pela matéria e entra num plano de transgressão
da Lei é quando ele se “desvia do rumo” ou “erra o alvo”, assim, ele
vai criando para si um psiquismo de erro e aprofundando suas
imperfeições. Ao desencarnar ele leva para o mundo espiritual todas
estas imperfeições e ao reencarnar ele as traz como tendências
negativas, por isto é certo dizer que nascemos pecadores, que temos o
“gérmen do pecado”. Como nos ensinou Kardec, esse é o pecado original
que todos trazemos e que gera toda sorte de males, a diferença é que
cada um é responsável pelo seu, como confirma o apóstolo Paulo todos
pecamos, por isso todos estamos privados da Glória de Deus8.
Importante ainda notar
aqui outro diferencial da doutrina espírita, o quanto ela é consoladora
cumprindo assim a profecia de Jesus quanto ao advento do Paráclito.
Enquanto os defensores
do dogma do pecado original defendem a eternidade das penas após o curto
espaço de tempo de uma vida, a doutrina espírita ensina que através das
reencarnações o Espírito progride, se aperfeiçoa, e recompõe a sua
consciência através da reparação de seus erros. Com isso nenhum dos
filhos de Deus se perde pela eternidade, todos se salvam.
Pense bem, reflita com
calma e sem preconceitos, qual das duas propostas parece mais ter vindo
de Deus, qual transparece mais os atributos superiores do Criador, a
doutrina que prega o pecado original e as penas eternas após uma única
vida, ou a da responsabilidade individual e da redenção do Espírito e de
todos os Espíritos pela Lei da reencarnação?
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