DIATRIBES
Certamente
algumas pessoas esperam encontrar aqui uma resposta a certos ataques pouco
respeitosos, dos quais a Sociedade [Parisiense de Estudos Espíritas], nós
pessoalmente, e os partidários do Espiritismo, em geral, temos sido vítimas nos
últimos tempos. Pedimos que se reportem ao artigo sobre a polêmica espírita, que
encabeça o nosso número de novembro último, em que fizemos profissão de fé a
esse respeito. Apenas acrescentaremos algumas palavras, já que não nos ocupamos
com discussões ociosas.
Os
que têm tempo a perder para sorrir de tudo, mesmo daquilo que não compreendem;
tempo para a maledicência, para a calúnia ou para o deboche, que fiquem
satisfeitos: não lhes criaremos nenhum obstáculo. A Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas, composta de homens honrados pelo saber e por suas posições,
tanto franceses quanto estrangeiros, médicos, escritores, artistas,
funcionários, oficiais, negociantes, etc.; recebendo diariamente as mais altas
notabilidades sociais e correspondendo-se com todas as partes do mundo, está
acima da pequenez das intrigas, do ciúme e do amor-próprio; ela prossegue seus
trabalhos na calma e no recolhimento, sem se inquietar com as piadas de mau
gosto, que não poupam sequer as organizações respeitáveis.
Quanto
ao Espiritismo em geral, que é uma das forças da Natureza, a zombaria será
destruída, como aconteceu contra muitas outras coisas que o tempo já consagrou.
Essa utopia, essa maluquice, como o chamam certas pessoas, já deu a volta ao
mundo e nenhuma diatribe impedirá sua marcha, do mesmo modo que outrora os
anátemas não impediram a Terra de girar.
Deixemos,
pois, que os zombeteiros riam à vontade, visto ser isso que lhes apraz; fá-lo-ão
à custa do espírito. Riem bastante da religião: por que não haveriam de rir do
Espiritismo, que é apenas uma ciência? Esperamos que nos prestem mais serviços
do que prejuízos e nos façam economizar despesas com publicidade, porque não há
um só de seus artigos, por mais espirituosos que sejam, que não tenha estimulado
a venda de alguns de nossos livros ou não nos tenha proporcionado algumas
assinaturas. Obrigado, pois, a eles pelo serviço que nos prestam
involuntariamente.
Igualmente
temos pouco a dizer quanto ao que nos toca pessoalmente; se aqueles que nos
atacam, quer de maneira ostensiva, quer disfarçada, imaginam que nos perturbam,
perdem seu tempo; se pensam em nos barrar o caminho, enganam-se do mesmo modo,
pois nada pedimos e apenas aspiramos a nos tornar úteis, no limite das forças
que Deus nos concedeu. Por mais modesta seja a nossa posição, contentamo-nos com
aquilo que para muitos seria mediocridade; não ambicionamos posição, nem honras,
nem fortuna; não procuramos o mundo nem os seus prazeres; o que não podemos ter
não nos causa nenhum desgosto e o vemos com a mais completa indiferença. Visto
não fazerem parte de nossos gostos, não invejamos aqueles que possuem tais
vantagens, se vantagens há, o que aos nossos olhos é um problema, porquanto os
prazeres efêmeros deste mundo não asseguram melhor lugar no outro; pelo
contrário. Nossa vida é toda de labor e de estudo e consagramos ao trabalho até
os momentos de repouso. Aí nada há que cause inveja. Como tantos outros,
trazemos a nossa pedra ao edifício que se levanta; entretanto, coraríamos se
disso fizéssemos um degrau para alcançar o que quer que fosse. Que outros tragam
mais pedras que nós; que outros trabalhem tanto e melhor que nós e os veremos
com sincera alegria. O que queremos, antes de tudo, é o triunfo da verdade,
venha de onde vier, pois não temos a pretensão de ver sozinho a luz; se disso
deve resultar alguma glória, o campo a todos está aberto e estenderemos a mão a
quantos nesta rude caminhada nos seguirem com lealdade, abnegação e sem segundas
intenções particulares.
Sabíamos
muito bem que, empunhando abertamente o estandarte das ideias de que nos fizemos
propagadores e afrontando preconceitos, atrairíamos inimigos, sempre prontos a
desferir dardos envenenados contra quem quer que levante a cabeça e se ponha em
evidência. Há, entretanto, uma diferença capital entre eles e nós: não lhes
desejamos o mal que nos procuram fazer, porque compreendemos a fragilidade
humana e é somente nisso que a eles nos julgamos superior; nós nos rebaixamos
pela inveja, pelo ódio, pelo ciúme e por todas as paixões mesquinhas, mas nos
elevamos pelo esquecimento das ofensas: eis a moral Espírita. Não vale ela mais
do que a das pessoas que dilaceram o próximo? Ela nos foi ditada pelos Espíritos
que nos assistem e por aí podemos julgar se eles são bons ou
maus. A moral espírita mostra-nos as coisas do alto tão grandiosas e as
de baixo tão pequenas que não podemos senão lamentar os que voluntariamente se
torturam para proporcionar a si mesmos alguma satisfação efêmera ao seu
amor-próprio.
Livro:
Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos - Ano II,
1859
(nº
3 - março de 1859)
Allan
Kardec
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