A
ESTRANHA INDICAÇÃO
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A
moléstia do Acácio Garcia desafiava todos os métodos de cura. Andava o rapaz
desalentado, abatido. Estampava-se-lhe no semblante dolorosa melancolia, que
parecia irremediável. Não obstante as convicções espiritistas da família, a
situação agravava-se dia a dia. Filho de negociante abastado, não tivera o
aguilhão da necessidade a lhe desenvolver amplamente os recursos próprios.
Crescera cumulado de mimos, sem a necessária experiência da vida, e nessa
circunstância radicava o agente principal de seu desânimo.
Debalde
inventavam os genitores carinhosos viagens, passeios, diversões.
Segregado
voluntariamente no quarto, vivia o enfermo a protestar contra o destino e a
maldizer o mundo inteiro. Tudo lhe enfarava o espírito voluntarioso. Nos dias
secos, preferia a umidade e, às refeições, reclamava pratos esquecidos da
cozinheira.
Havia
dez anos que se manifestara o primeiro sinal da enfermidade estranha.
Acácio,
entretanto, não revelava lesão alguma. Examinado por vários médicos, de todos
recebera advertências animadoras e os pais chegavam a reconhecer que os
facultativos prescreviam medicação mais por gentileza que por necessidade.
Referiam-se alguns a depressões nervosas, outros a sífilis hereditária. E a
doente continuava cada vez pior, irritadiço e quase intolerável. Fechava portas
com estrondo, esmurrava mesas à menor contrariedade.
Preocupadíssimos,
os pais resolveram tornar ao tratamento psíquico, procurando, dessa vez, o velho
Rodrigues, que se notabilizara como doutrinador eficiente, em conhecidas
reuniões espiritistas. Iniciou-se a peregrinação diária, difícil e penosa. À
noite, tornava-se preciso arrancar o doente de casa, a automóvel. Acácio
chorava, debatia-se, resmungava. A custa de enorme esforço, sentava-se no
recinto, ouvindo, silencioso, preleções evangélicas, ou dissertações
mediúnicas.
Na
primeira semana, o genitor dirigiu-se ao orientador das sessões e explicou:
–
Precisamos trabalhar a favor de meu filho. A meu ver, a enfermidade do Acácio
resulta de tremenda obsessão.
E,
passando a mão pela fronte em sinal de cansaço, acrescentava:
–
Há dez anos que lutamos desesperadamente. Médicos, remédios, passes mediúnicos,
distrações, sem falar na fortuna que esse tratamento constante me obriga a
despender. Não concorda comigo, quanto à certeza de estarmos sob o assédio
terrível de entidades inferiores? Com a moléstia do rapaz foi-se-nos a
tranquilidade para sempre. Minha mulher não sabe a que atender e eu, de minha
parte, sinto esgotar-se-me a resistência...
O
velho Rodrigues, olhar comovido, esboçou um gesto de paciência, que lhe era
característico, e rematou:
–
O senhor tem razão. Submeterei o assunto aos nossos protetores. Intensificaremos
a devida assistência e organizaremos sessões práticas, destinadas à doutrinação
dos Espíritos perversos.
Contudo,
se o bom velhinho começava a observar caso tão velho, a providência não era
nova. Os Garcias, desde os primórdios da moléstia, percorriam agrupamentos
espiritistas de vários matizes doutrinários. Ante a afirmativa de Rodrigues,
porém, renovava-se a esperança dos pais carinhosos e amigos.
Acácio
alimentava-se regularmente, dormia tranquilo, mas, chegada a manhã, explodiam
descontentamentos e arrufos. A aproximação de quaisquer visitas, trancafiava-se
no quarto e, à noite, desencadeava-se verdadeira batalha para reconduzi-lo à
reunião habitual. De regresso a casa, apresentava sempre observações menos
justas.
–
Não ouviram a preleção sobre resistência espiritual? – indagava fazendo caretas
– tudo aquilo era comigo; mas não sou nenhum ignorante e sei o que significa
fortaleza moral. Aquele velho tolo nunca sofreu o que tenho experimentado, em
doenças e dissabores. Tive ímpetos de atirar-lhe em rosto minhas represálias,
fazendo-lhe compreender o seu verdadeiro lugar, entretanto...
A
genitora devotadíssima atalhava, carinhosa:
–
Oh! meu filho, as dissertações do Sr. Rodrigues destinam-se a todos nós. Não
observaste que ele fala sob viva inspiração do plano superior? Não te entregues
a exageros de sensibilidade.
–
Exageros? – clamava o doente, sob forte exasperação – a senhora não conhece a
vida. Como acreditar que um velho tão imbecil seja inspirado por forças divinas?
Não suponha tal coisa: Rodrigues é bastante astucioso para abstrair-se dos
interesses que o chumbam neste mundo e dar-se a contemplações do mundo
invisível. Certamente conhece o que representa o capítulo dos lucros e
multiplica advertências e encenações. Sou, porém, bastante precavido contra
vigaristas fantasiados de apóstolos.
–
Cale-se, meu filho! Você não sabe o que diz! – exclamava o genitor em tom
imperativo.
E,
fazendo sinal à mulher, obrigava-a a retirar-se discretamente, liquidando a
discussão.
De
outras vezes, o rapaz interpelava a velha mãe, asperamente:
–
Sabe a senhora por que motivo tanto falou papai em boas maneiras, durante o
almoço?
Enquanto
a genitora se recobrava da surpresa, Acácio prosseguia :
–
Aquilo era comigo, referia-se a mim! Acaso, falta-me educação? Isso é desaforo.
Vivo doente, desanimado, e meu próprio pai busca pretextos para acusar-me de
grosseirão. Fique a senhora sabendo que, tão logo melhore, sumirei de casa,
darei sossego a todos.
A
pobre mãe fixava nele os olhos úmidos e esclarecia :
–
Por que tamanha suscetibilidade, meu filho? Teu pai é incapaz de fazer-te
acusações. Juvêncio vive lendo livros educativos. Não terá direito de comentar
conosco as valiosas observações dessas leituras?
O
rapaz amuava-se, careteava e sumia no quarto, depois de bater com a porta
fragorosamente.
Repetindo-se
os trabalhos psíquicos sem resultados positivos, Rodrigues, muito bondoso,
aconselhou voltassem ao médico.
Lera
o Sr. Garcia, em jornal da véspera, a notícia de que a cidade fora honrada com a
visita de notável psiquiatra. Sentiu-se esperançado e deliberou levar o filho a
exame do famoso especialista. Na inércia de sempre, Acácio não conseguiu
furtar-se ao desejo paterno.
Entretanto,
o médico, depois de meticulosa auscultação e rigoroso inquérito, definiu o caso
em poucas palavras:
–
Trata-se de esquizofrenia...
O
pai do enfermo, apesar de certa cultura, não estava em dia com a terminologia
científica e pediu explicações. O facultativo esclareceu que aludira à mais
difícil das moléstias nervosas e mentais, referindo-se largamente a patologia da
loucura e à neurologia, acrescentando, após inumeráveis citações:
–
Estamos presentemente, no Brasil, com a cifra apavorante de mais de cem mil
esquizofrênicos.
Retiraram-se
os Garcias levando a receita cheia de complicadas indicações, mas, praticamente,
sabiam tanto como ao penetrarem no hotel, o improvisado consultório do famoso
psiquiatra.
Nada
valeram medicamentos exóticos e injeções raríssimas.
Agravando-se
a situação de Acácio, a família voltou ao grupo doutrinário. Como sempre, o
velho Rodrigues permanecia no seu posto, atendendo na medida das possibilidades
justas.
O
enfermo, porém, saía das reuniões mais queixoso do que nunca. Amaldiçoava
dissertações, recusava ensinamentos.
Numa
das sessões, todavia, estava-lhe reservada bela surpresa. Quando menos o
esperavam, surge um Espírito amigo, que se dirige ao doente em página
comovedora. Assinava-se «Philopathos». Depois de aludir aos laços que os uniam,
de um passado remoto, prosseguia:
–
Lembra-te, Acácio, que recebeste oportunidade santa de trabalhar na Terra em
benefício de ti mesmo. Faz-se indispensável não conceder tamanha importância às
impressões nervosas. Levanta-te do torpor espiritual de tantos anos. Não te
cansaste ainda dessa atmosfera de queixas, insulamento e enfermidade? Aprende a
seguir o dia, cada vez que o dia ressurja! A vida é um cântico de trabalho e
criação incessantes. Não te detenhas no túmulo das preocupações inferiores.
Busca a convivência dos familiares, dos amigos, dos irmãos de luta, e,
sobretudo, não deixes a confiança em Deus fora do coração, recordando que
permaneceremos contigo.
A
surpresa causou geral satisfação e, no entanto, o enfermo, apesar de
profundamente tocado no íntimo, esforçava-se por manifestar as velhas
contradições.
Em
casa, Juvêncio Garcia, na qualidade de estudioso da etimologia, sentiu-se na
obrigação de oferecer alguma definição do mensageiro, e acentuou :
–
Deve tratar-se de entidade muito interessante.
Filopatos
quer dizer «amigo das doenças» ou «amigo dos doentes».
Os
Garcias andavam exultantes, mas o teimoso Acácio repetia a cada momento:
–
É preciso ver para crer e eu só poderia aceitar essa mensagem se me encontrasse
com esse Espírito.
Entretanto,
as manifestações do mensageiro continuaram noutras reuniões. O doente as recebia
de pé atrás.
Decorridos
alguns meses, quando a Sr. Garcia exaltava o ensinamento sempre novo das páginas
recebidas do emissário solícito, o rapaz explodiu:
–
Mas, por que Filopatos não dá logo a indicação necessária à minha cura? Eu só
queria encontrá-la, para exigir que o fizesse, se formula tantos conselhos, por
que não formula os remédios de que careço há mais de onze anos?
Entretanto,
para aumentar-lhe a surpresa, nessa mesma noite a entidade prometeu que se
encontrariam pessoalmente ao primeiro ensejo, durante o sono.
E
embora a má-vontade e a preguiça mental, Acácio Garcia sonhou, após uma semana,
que se encontrava junto do amigo, em esfera de grande atividade e beleza. Ante a
luminosa auréola que cercava o benfeitor, não sabia explicar o imenso júbilo que
o inundava. O generoso Espírito aproximou-se sorrindo, entregou-lhe um papel
dobrado e explicou :
–
Aqui tens a indicação necessária à tua cura, meu querido Acácio. Não a transmiti
pelo médium, porque devia entregá-la quando nos encontrássemos a sós, Lê e
compreende!...
Sumamente
emocionado, o rapaz desdobrou o pequenino documento e leu maravilhado :
“Indicação:
– Dez horas de serviço ativo por dia. Muitas dificuldades e pouco dinheiro.
Nuvens de preocupação e chuvas de suor."
“Modo de usar: – Entregar-se ao trabalho de boa-vontade a fim de encontrar o tesouro do espírito do serviço. Encarar as dificuldades como instrutoras; aprender a alcançar muita espiritualidade com reduzidas possibilidades materiais. Aceitar as nuvens de preocupação e as chuvas de suor como elementos indispensáveis à sementeira e à, colheita nas terras da vida.”
Acácio,
muito desapontado, não sabia que dizer, Filopatos, porém, abraçou-o e disse
:
–
Começa o tratamento hoje mesmo. A fim de criares coragem, inicia o esforço com
algumas duchas geladas.
Nesse
momento, o enfermo acordou mais a frase «duchas geladas» lhe ressoava no
cérebro. Saltou da cama animado de energia diferente, amanhecia. Maquinalmente,
tomou a toalha de banho e saiu do quarto.
Surpreendendo
aquele impulso, que não ocorria há muitos anos, a velha genitora acercou-se do
rapaz e inquiriu aflita :
–
Aonde vais, meu filho?
–
Vou às duchas. Esta noite marcou meu encontro pessoal com Filopatos.
E
desde esse dia Acácio foi outro homem.
|
pelo
Espírito Humberto de Campos (Irmão X) - Do livro: Reportagens e Além Túmulo,
Médiuns: Francisco Cândido Xavier
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"Esta casa, A CAMINHO DA LUZ, tem as portas abertas para te receber e o coração muito mais para te compreender."
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
A ESTRANHA INDICAÇÃO
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