II — ESTUDOS SOBRE OBSESSÕES
Paz e Amor! Diante da grande responsabilidade que
assumimos para com o nosso Criador, quando nos
comprometemos a defender a Doutrina do seu amado
Filho, selada com o seu próprio sangue no cimo do
Calvário, para redimir as culpas dos homens; diante dos
compromissos tomados pelo nosso próprio Espírito, certo
então de triunfar da carne e suas paixões; de estabelecer
na Terra o reino do amor e da fraternidade das criaturas;
em face das lutas que crescem dia a dia, mais escabroso
tornando o caminho da vossa existência em via de
regeneração, elevo o meu pensamento ao Ser dos Seres,
ao nosso Criador e Pai, e suplico, em nome da caridade
divina, que se estendam as asas do seu amado Filho
sobre a Terra, colocando-vos à sombra do seu Evangelho
— garantia única da vossa crença — segura estabilidade
da vossa fé!
Amigos! Ainda há pouco, atravessando com os
olhos do Espírito o reinado das trevas, raciocinando
sobre os fatos que atormentam a Humanidade
constantemente, reconhecíeis a necessidade do perdão
das ofensas, de pagar com benefícios os malefícios, de
responder ao ódio com o amor, reconhecíeis a
necessidade que o homem, revestido de um Mandatum
tão santo sobre a Terra, tem da virtude e dos altos
sentimentos que o nobilitem aos olhos do seu Criador
para, desassombrado, empenhar-se na tremenda luta da
Luz contra as trevas, em nome do Cristo — o Mestre, o
Modelo, o Redentor.
Com efeito, louco seria aquele que, reconhecendo
nos sofrimentos alheios a plena execução da justiça de
um Deus clemente e misericordioso, tentasse apaziguálos
apenas com palavras — senão vazias de sentido —
baldas completamente do sentimento cristão.
Louco seria quem, sem as armas que lhe dão as
palavras de Jesus, se entregasse a essa luta inglória,
agravando — quem sabe! os sofrimentos e as dores
daqueles por quem se dispõe a lutar.
Compreendeis que vos falo dos obsessos, desses
infelizes irmãos que encontrais a todo momento e que
despertam a vossa curiosidade ou os vossos sentimentos.
Falo dessas vítimas de erros e faltas que escapam à vossa
percepção e aos quais, olhando-os com olhos piedosos,
procurais ministrar a palavra consoladora — o bálsamo
santo da caridade divina.
Se fora possível, a todos os que estremecem diante
desses quadros horrorosos, praticar o jejum de que falava
Jesus aos seus apóstolos; se fora possível a cada um
compreender o papel de verdadeiro sacerdote, de que se
acha incumbido, quando procura repartir a hóstia
sagrada, no altar de Jesus, com seus irmãos da Terra; se
fora possível a elevação de vistas sobre estes fatos, em
que a justiça de Deus se manifesta e, quiçá, o próprio
arrependimento daquele cujo sofrimento tanto comove,
certamente a tristeza não invadiria a vossa alma, a
desilusão não perturbaria a vossa crença, a dor não
dominaria os impulsos da vossa fé!
Quereis os fins, procurai os meios. Os fins que
visais são bons, empregai os bons meios —
compreendendo sempre, constantemente, que Deus vela
sobre todas as suas criaturas e que até os cabelos de cada
uma estão contados.
Compreendei o que quer dizer — Misericórdia;
compreendei o que quer dizer — Justiça!
Não entra nas questões altamente divinas que essas
duas palavras encerram, isso a que chamais na Terra —
boa-vontade, assim mesmo desmentida, muitas vezes,
pela direção que dais aos vossos atos e às vossas ações.
Compreendei a imutabilidade da lei de Deus; ela
pode ter a sua execução sustada, mas nunca revogada.
A execução é sustada quando — não a boa-vontade,
mas o amor de suas criaturas, os eflúvios santos da
caridade lhe sobem nas asas de uma prece e vão chorar
junto do seu poder misericordioso. Então, ele apazigua os
sofrimentos temporariamente, por isso que o princípio da
justiça prevalece sempre, distribuindo a cada um
segundo as suas obras.
Compete, pois, ao verdadeiro espírita, ao verdadeiro
imitador de Jesus, munir-se dos meios santos e puros
para chegar a fins tão divinos e tão sagrados. Fazer por
merecer — eis a grande questão!
Deus é bom; procuremos, ao menos, não ser maus.
Deus é a misericórdia; procuremos, na medida das
nossas forças, repartir com os nossos semelhantes — não
os lodos da alma, que desbotam os sentimentos — mas o
amor que bebemos no grande Jordão do Evangelho,
lavando-nos de culpas e de erros do passado.
Humildes, caridosos, vereis claro o vosso rumo;
podereis, como o disse Jesus, levantar os paralíticos, dar
vista aos cegos, quais os Apóstolos que não limitavam o
seu amor ao Mestre só à boa-vontade, mas o estendiam à
prática das boas ações.
Humildes e caridosos, não caireis nos barrancos
com aqueles que conduzirdes pela mão. Humildes e
caridosos, podereis trancar a casa varrida e ornada,
derrotando as potestades malévolas que hoje vos
intimidam, porque (infelizes que sois!), de posse do
Evangelho, vos encontrais sem forças!
Sim! Invoquemos com amor a graça de Jesus,
supliquemos com humildade a misericórdia de Deus, para
que, de posse do Evangelho, recebamos a sua força —
possamos dar batalha a todos os sentimentos que não falem
do seu nome, propagar pelo exemplo a sua palavra, único
meio de chegarmos ao nosso desiderato sem agravar a
responsabilidade, que porventura atualmente pese sobre cada
um de nós, na distribuição da sua doutrina.
Invoquemos o seu amor para que tenhamos força no
coração e luz na inteligência, para que nos esclareça os
ditames da consciência no terreno calmo e sereno onde o
Espírito vai, segundo a sua palavra, fecundando as boas
sementes pelo trabalho contínuo das ações, com a enxada
das virtudes.
Procuremos por essa graça, que invocamos, dar o
justo valor ao sentimento a que chamamos caridade —
chave com que abrimos as portas do céu —, isto é: chave
com que alcançamos a paz da consciência, o templo do
amor, o sacrário da justiça, o tabernáculo da fé!
Procuremos dar justo valor a esse sentimento, que
talvez profanemos, consciente ou inconscientemente, e
com a profanação do qual perturbamos a paz, a
serenidade da justiça, que se cumpre — não pela vontade
dos homens, mas — pela vontade de Deus, de acordo
com a lei que, emanada da sua sabedoria e do seu amor
nunca desmentidos, distribui a cada um segundo as suas
obras.
Perguntemos a nós mesmos, para que a nossa
consciência responda, se a caridade, essa virtude divina,
exclui porventura a prudência, a razão, quando sabemos
previamente que tudo tem sempre uma razão de ser, que
tudo se faz pela vontade de Deus!
Perguntemos a nós mesmos, sempre que o
sentimento da filantropia, que se aninha em nosso ser e
que supomos ser o da caridade, nos permite momentos de
meditação, sugerindo-nos considerações sociais e
pessoais, modelando mesmo os corações nos estreitos
moldes dos prejuízos do mundo, sempre que aquele
sentimento não receba de nós e espontaneamente os
impulsos da fé, os alentos da esperança e a certeza de
que é caridade o que se quer realizar; perguntemos a nós
mesmos se há em nosso íntimo sentimentos tão grandes e
tão divinos que possam suplantar o amor de Deus às
criaturas!
Perguntemos à nossa razão e à nossa inteligência se
acima das nossas cabeças, onde fermentam, às vezes,
idéias bastante pecaminosas, existe um véu tão denso e
tão impenetrável que não possa ser atravessado pelos
olhos de Deus, que tudo vê, tudo sente!
Meus amigos! Chamo bastante a vossa atenção para
esta passagem da minha pálida comunicação, falandovos
da caridade em face das obsessões. Chamo a vossa
atenção, porque quero deixar firmado um princípio
relativo às vossas condições, a fim de vos poupar
desgostos e, talvez, revoltas, quando, sem saberdes dar o
verdadeiro peso às inconseqüências dos vossos atos, às
imprudências das vossas ações — permiti que vos fale
assim — pretendeis chegar a grandes fins, usando de
limitados meios.
Não vos proíbo — e seria uma aberração do meu
Espírito proibir-vos — tratar de obsessões. Notai bem! o
que condeno, se condenar possa alguma coisa em nome
da Doutrina, é que, a pretexto de caridade, caridade
geralmente falada e poucas vezes sentida — vos
exponhas a conflitos com o espírito das trevas, perturbeis
a justiça de Deus que se realiza nos vossos semelhantes e
agraveis, por conseqüência, a responsabilidade do vosso
Espírito, por isso que muitas vezes, nesses tentames,
longe de distribuirdes os sazonados frutos do Evangelho,
distribuis os agudos espinhos da dor e do martírio!
A caridade que exclui a razão, a prudência e o bomsenso
— a verdadeira caridade — é instintiva!
Não argumentemos com ela. Essa caridade constitui
a poderosa força da alma, que já não conhece restrições
no infinito.
Não argumentemos com ela, que, sendo a
verdadeira caridade, não discute conosco. Pela sua
pureza, paira numa região que não podemos ainda tocar.
Ela se orvalha da Misericórdia Divina, participa do
bafejo do Criador, é grande, é imensa, não podemos
medi-la.
Mas a caridade que obriga o Espírito a cogitar dos
meios, a caridade que discute, que atende a
considerações sociais e prejuízos, essa caridade — antes
sentimento filantrópico — precisa ser analisada, precisa
ser medida para servir de norma à nossa conduta sobre a
Terra, na distribuição das palavras do Evangelho, na
depuração dos vossos Espíritos, até que possais chegar ao
fim, ao desejado porto, que é Jesus — nosso Mestre e
nosso amigo.
É imprescindível o estudo do obsesso, em quem
vamos operar o trabalho que nos reclama a filantropia do
coração: — estudo fisiológico e patológico, estudo das
causas determinantes dos sofrimentos que nos comovem;
estudo do meio em que vamos atuar; dos sentimentos
religiosos daquele a quem pretendemos curar; das suas
qualidades morais; dos seus princípios; da sua educação,
do tempo, de tudo, finalmente, que possa concorrer para
nossa orientação no trabalho que pretendemos fazer.
Nesse estudo sério, seguro, é que podemos encontrar o
fio de Ariadne que nos guiará na obra de salvação do
infeliz irmão, ovelha desgarrada, na frase do Evangelho
— para a qual seremos o pastor, mas com os sentimentos
do pastor.
A palavra só deve entrar na casa do obsesso como
coisa secundária; o que lhe devemos levar são
sentimentos, são qualidades morais que se imponham: —
a fé do verdadeiro Levita, a seriedade do verdadeiro
Sacerdote!
E não há fugir desse pensamento, e não há fugir
desse princípio, quando a razão nos diz que vamos
colocar-nos entre a justiça de Deus e um infeliz — que
vamos colocar o nosso coração como antemural à
vontade do Eterno, que tudo vê, tudo sente.
Não há fugir dessa doutrina, quando sabemos que
de Deus são completamente desconhecidas as fórmulas
da boa-vontade e que nos seus domínios só pode penetrar
o espírito da fé.
Curar! Quem não procura curar?
Suavizar os sofrimentos alheios, participar as dores
dos seus semelhantes, beber no cálice das suas
amarguras; quem não o procura fazer?
Todos quantos têm o sentimento cristão — todos os
que não pulverizam os sentimentos do amor, inato no
coração das criaturas e aí colocado pela mão de Deus!
Mas, que todos se revejam no Mestre; — que todos se
lembrem de suas palavras quando, procurado pelos enfermos
e obcecados, do corpo e do espírito, lhes dizia não convir que
se curassem, porque não convinha, na linguagem do
Espírito, fossem agravar suas responsabilidades, fazendo
mau uso de uma graça recebida. Ainda mais: — não
convinha se curassem porque necessitavam das provações e
das expiações para se elevarem aos pés de Deus, o que não
conseguiriam com a saúde do corpo, mas, sim, com a saúde
do Espírito.
Amigos! Deixo-vos, para repouso do aparelho que
me serve, e não continuarei enquanto não me honrardes,
solicitando o meu concurso para o vosso estudo. Rogovos,
como verdadeiro amigo, me interrogueis sobre os
pontos que porventura não puderdes aceitar, para que eu,
com os elementos de que disponha no vosso médium, me
faça melhor compreender, ou seja por vós esclarecido.
•
Sinto-me bem no meio de amigos que procuram
comigo investigar a verdade necessária ao progresso da
Humanidade, e isso sem os preconceitos e os prejuízos
que desvirtuam um estudo que deve ser feito com
humildade e verdadeiro interesse.
Da comunicação apresentada ao vosso estudo
crítico, procuremos tirar as necessárias premissas e suas
conseqüências imediatas.
Deixando de parte a forma, que nada interessa à
questão de que tratamos, vejamos o que podemos
encontrar no fundo, que aproveite aos nossos Espíritos
ávidos de luz e de novos conhecimentos.
Primeira questão: — Deve o espírita tentar a cura
de obsessões, quando sabe previamente que tudo tem a
sua razão de ser — que tudo é feito pela vontade de Deus
— e que até os cabelos da cabeça de cada um estão
contados?
Responderei, como regra absoluta: Sim!
Segunda questão: — Pode o espírita, cônscio da sua
fraqueza, da deficiência da sua força moral, ir ao
encontro dos obsessos, procurando salvá-los da
perseguição, da dor e do sofrimento que os comovem?
Ainda respondo: — Sim! — também como regra
absoluta.
Terceira questão: — Mas deve o espírita, levado
tão-somente pelo conhecimento que tem da Doutrina e
pela esperança da graça que há de receber, tentar a cura,
desprezando os meios aconselhados?
Não!
E isso, meus amigos, pela simples razão de não ser
admissível colocar-se à cabeceira de um enfermo um
médico que ignore completamente a Medicina!
De igual modo que o médico, que trata do corpo,
não cura apenas com a sua boa-vontade, mas procura os
meios terapêuticas para combater a enfermidade
denunciada pelo estado patológico do enfermo, assim o
espírita, médico que deve ser da alma, tem que procurar
os meios adequados à higiene da alma para curá-la,
debelando as causas determinantes do mal que o
entristece e lhe desperta a vontade de praticar o bem.
Admitir que do simples encontro de um espírita
com um obsesso pudesse resultar o afastamento do algoz
e a garantia da vítima, fora admitir um capricho da
Divindade, suscetível de ser desfeito ao primeiro gesto
humano.
Mas, se Deus é justo, se Deus é misericordioso e se
ninguém o pode exceder em sentimento de caridade,
compreendereis a impossibilidade de qualquer tentativa
nesse sentido; compreendereis, ainda mais, a
responsabilidade que advém, para o vosso Espírito, da
profanação das coisas santas, sujeitas à justiça de Deus!
Falando do sentimento que muitas vezes vos faz
estremecer a alma e que supondes ser o da caridade, por
isso que não podeis ainda compreender a grandeza e a
santidade deste sentimento, deixei perceber a todos vós
que melhor seria lhe chamássemos sentimento
filantrópico, sentimento este que, não sendo a caridade,
mas o seu princípio a desabrochar no vosso Espírito, não
vos inibe contudo, de tratar dos vossos irmãos vítimas de
obsessões, desde que, com prudência, com critério e com
a razão, saibais dar direção aos vossos atos de
filantropia, exercitando assim o vosso Espírito na prática
do bem, proporcionando-lhe dia a dia novas forças e
novas luzes para o seu alevantamento moral, e para o
progresso da Doutrina.
Quando o espírita tem fé, mas fé sentida; quando o
espírita tem amor, mas amor esclarecido; quando o
espírita tem caridade, mas a caridade provada, vai, sem
cogitações estranhas, ao encontro dos que sofrem e, a
exemplo do Mestre e dos Apóstolos, expele os demônios,
dá vista aos cegos e faz andar os paralíticos.
Quando, porém, o espírita apenas por tradição
conhece esses sentimentos; quando é o primeiro a ter
consciência da fraqueza de sua alma para se fazer de
antemural entre a justiça de Deus e o sofrimento do seu
semelhante; quando, apesar de tudo isso, aspira — o que
é muito natural —, deseja — o que é nobre — chegar à
condição daquele que possui os grandes sentimentos da
alma, o espírita não pode deixar de ser prudente,
criterioso e sensato, procurando os meios de suprir os
sentimentos que lhe faltem na alma, a fim de
desempenhar o seu dever de cristão e de espírita.
É neste ponto que intervém o estudo fisiológico e
patológico das causas determinantes do sofrimento, o
estudo do meio onde se vai agir, do tempo, de tudo,
finalmente, que respeita ao trabalho que se tem de fazer.
O espírita, diante do obsesso, está diante do
desconhecido, e, de igual modo que nenhum homem se
aventura a explorar certa zona desconhecida, sem fazer o
necessário reconhecimento para caminhar com
desassombro e abrir a sua estrada, assim também esse
estudo patológico das causas determinantes do
sofrimento constitui o reconhecimento necessário ao
trabalho que se vai tentar, por isso que nele se encontram
os elementos substitutivos da fé que opera a remoção das
montanhas — do amor que faz a unificação das almas —
da caridade que se distende por todo o infinito!
Princípio invariável: — Em todos os casos de
obsessão há sempre um estado mórbido a combater —
estado mórbido esse que é causa ou efeito.
Sendo assim, o estudo fisiológico é imprescindível,
meus amigos, os meios terapêuticas são mais que
necessários, por isso que se trata de entrar num jogo —
se assim me posso exprimir — de desequilíbrio de órgãos
desmantelados pela absorção de fluidos que têm alterado
a economia peculiar a cada ser.
Restabelecer os órgãos, trazê-los às funções
normais, é um trabalho tanto mais necessário quanto
sabemos que, às vezes, a sua desorganização é que
permite o estabelecimento do laço entre o obsessor e o
obsesso. Isso quanto à parte fisiológica.
Quanto à parte moral, porque o vosso fito seja
restabelecer o obsidiado, não podeis, contudo, abandonar
o obsessor que tendes diante de vós e que, por mau, nem
por isso deixa de ser vosso irmão e de estar debaixo da
misericórdia de Deus. Por convir sejam concomitantes as
curas de ambos, é que se torna impossível, simplesmente
pela boa-vontade, obter a graça que muitas vezes ides
invocar da misericórdia e do amor do Altíssimo.
Sem dúvida, Deus, na sua sabedoria e vontade,
pode, num dado momento, afugentar todas as legiões de
maus Espíritos. Mas, se Deus não quer a morte do
pecador e sim que ele se salve, Deus não permite que,
pela simples evocação do seu nome, se restabeleça um
que precisa sofrer e expiar faltas cometidas, e se lancem
às trevas, ao desespero, outros, que também são filhos e
que se não o amam é porque o não conhecem!
Assim, pois, o bem deve ser feito indistintamente,
seja qual for o terreno em que houvermos de o praticar.
Mas, nem o próprio bem pode excluir a nossa razão,
quando, tratando-se da justiça de Deus, pretendemos
contrariá-la.
O Pai ama seus filhos e abre seu amoroso seio a
recebê-los, quando os filhos sabem ir a Ele. Deus
apazigua os males da Humanidade; Deus retira a espada
da sua justiça de sobre a cabeça dos seus filhos; porém,
somente quando da alma destes mesmos filhos brota,
santificado, o doce eflúvio da caridade divina, cujos
germes foram ali depositados para se desenvolverem e
voltarem ao seu seio.
Se tendes fé, se tendes amor, se tendes caridade,
cerrai os olhos, marchai mesmo para o desconhecido e
produzireis assombros!
Se tendes paixões, se tendes vícios, se tendes
crimes, sede prudentes. Marchai tímidos, reconhecei o
terreno em que pisais, cercai-vos dos meios necessários
ao vosso empreendimento e curai obsidiados e obsessores
pela graça do Senhor, que reconhece a vossa humildade e
o vosso firme desejo de praticar o bem, apesar de serdes
pequeninos.
Meus amigos! não quero fatigar a quem me serve
tão passivamente. Que Deus em seu infinito amor
permita, por intermédio dos vossos Guias, possais ter
bem claro o vosso entendimento para compreenderdes —
não os conselhos do mestre, e sim as provas de amizade
que vos dá o vosso amigo e irmão.
•
Bendito seja o Senhor, que permite a um pobre
Espírito, desejoso de luz e de progresso, vir junto de seus
irmãos da Terra expender pálidos pensamentos doutrinários
com o fim justo — não de ensinar — mas de permutar com
eles os sentimentos que lhe vão na alma, estabelecendo desta
sorte o laço da amizade espiritual — prenúncio indubitável
do amor a que tendemos.
Voltando às comunicações apresentadas ao vosso
exame, procuremos ainda tirar as conseqüências das
premissas formuladas, completando o nosso estudo
relativamente à cura das obsessões.
Ficou estabelecido que aquele que tem a fé, conforme a
queria Jesus, isto é, a do grão de mostarda — não precisa de
fórmulas e cuidados prescritos pela patogenesia para a
reabilitação dos enfermos da alma e do corpo.
Ficou também estabelecido que aquele que se
reconhece fraco espiritualmente; aquele em que se podem
apontar erros e culpas — não se deve levar simplesmente
pela boa-vontade, esperando da graça do Senhor aquilo que
só pode conquistar pelo esforço próprio, no trabalho
consecutivo e cotidiano do aperfeiçoamento das suas funções
espirituais, por isso que — disse eu —, a admitir-se hipótese
contrária, teríamos, não um Deus justo e bom, mas um Deus
caprichoso e suscetível dos erros e crimes das suas próprias
criaturas.
Ficou também estabelecido que é uma necessidade o
exame patológico do enfermo, por isso que há sempre
um estado mórbido a combater — estado mórbido que
pode ser a causa da obsessão, mas que também pode ser
efeito desta.
São duas coisas distintas, meus amigos, cada qual
requerendo tratamento especial, porquanto no primeiro
caso a vossa ação se deve exercer toda sobre o obsidiado,
ao passo que no segundo deve ser toda exercida sobre o
obsessor.
O estudo patológico tanto mais necessário e
conveniente se torna aos nossos olhos, quanto
precisamos conduzir-nos com todo o critério na vida de
relação, com todo o bom-senso na vida social — vida de
relação, vida social onde as moléstias, mal ou bem, estão
classificadas e conhecidas — onde seria um desar para a
Doutrina confundir a encefalite, a esplenite, a mielite, o
histerismo e a epilepsia com a presença de Espíritos
obsessores, aos quais pretendeis levar a luz, o conselho
salutar, o restabelecimento, finalmente.
Bem compreendeis que, na hipótese de uma dessas
moléstias, é natural haja sempre influências estranhas,
que se aproveitam do estado mórbido, mas não é isso o
que realmente se pode chamar obsessão.
Em tal caso, feito o tratamento com os agentes
terapêuticos, tem-se o restabelecimento dos órgãos, a
volta da saúde: cessando a causa, cessam os efeitos.
Entretanto, quando os órgãos são levados ao
desequilíbrio pela absorção de fluidos, pela presença
constante do Espírito que obsidia, o tratamento deve
convergir todo para a causa estranha que se apresenta
determinando as desorganizações mentais, a perda da
vontade, o aniquilamento do livre-arbítrio.
É nesse ponto que quase sempre vos encontrais
fracos; é nesse trabalho mecânico — por isso que é um
trabalho todo de fluidos — que vos encontrais em sérios
embaraços, sofrendo, quem sabe, muitas vezes
desfalecimentos que vos levariam à descrença, ao
abandono da Doutrina de Jesus, se os vossos Guias não
vos viessem tocar a consciência, mostrando a
improcedência dos vossos raciocínios, que vos impelem a
vos julgardes alucinadamente superiores a Deus.
Assim como para combater uma causa física se
antepõe uma força física, assim também para combater
uma causa moral é preciso antepor-lhe a força moral.
Sendo certo que o Espírito obsidiado tem o seu
perispírito impregnado, saturado de fluidos maus e
perniciosos, deveis, pela potência da vontade, produzir o
trabalho que nada tem de material ou mecânico e que
consiste em lhe antepor fluidos puros e salutares; e essa
pureza, essa salubridade dos fluidos só pode vir da
superioridade moral do vosso eu — superioridade moral
que vos dá autoridade — a que nenhum Espírito pode
resistir, pois que não há em absoluto a homogeneidade
que permitiria o exercício de força contrária à Lei, e vós
estareis dentro da Lei!
Eis por que eu disse que convinha toda a prudência
ao vos conduzirdes nesses trabalhos espinhosos, porque o
homem, que não tem consigo elementos de salvação, não
se atira sobre as ondas do oceano revolto que o pode
sorver, que o pode tragar no seu seio tempestuoso.
A boa-vontade pode ser um meio, mas não é tudo.
O homem que quer destruir a montanha não cruza
os braços, limitando-se a dizer a Deus, ou à Natureza,
que tem vontade de que a montanha seja destruída: vai
buscar a ferramenta, trabalha até à mortificação do
corpo, cava a rocha e faz a destruição.
Tendes boa-vontade de curar, é justo, eu já o disse.
Mas a obsessão é uma montanha extraordinária de
paixões e sentimentos desordenados, para cuja destruição
precisais das ferramentas do amor, das ferramentas da
humildade e da verdadeira abnegação.
Se o vosso Espírito comporta todos esses
sentimentos grandes; se a vossa alma pode absorver toda
a doutrina emanada do Evangelho de Jesus; por que não
o dilatar de todo?
Por que não amar — por que não ser humilde,
desde que sabeis que só o amor e a humildade darão
capacidade moral para produzir os assombros obtidos
pelos Santos Apóstolos quando, em nome do Divino
Mestre, iam de cidade em cidade, de aldeia em aldeia,
pregando a sua doutrina — limpando os corpos e
purificando as almas?
Irmãos! Não vos iludam os caprichos da carne; não
vos iludam esses fogos-fátuos das grandezas humanas,
que não podem aclarar a ínvia estrada da vossa
existência sobre a Terra, nem vos apontar os marcos do
gozo que não morre!
Em cada um de vós vejo, é certo, um pecador; mas,
antes, vejo em cada um de vós uma vontade; e, se essa
vontade souber exercitar-se, se souber fazer uso do poder,
os arruinados castelos de dificuldades serão destruídos
para todo o sempre e sobre os seus destroços se
levantarão os vossos Espíritos, pecadores de hoje, puros e
glorificados por um Deus que é justo!
Dar pouco já é dar alguma coisa. Se reconheceis no
vosso Espírito a fraqueza para os grandes cometimentos
da alma, orai, pedi forças a Jesus, e nem de longe
acrediteis que vos seja negada a gota de água para os
lábios ressequidos — um raio de luz da misericórdia
divina ao vosso coração que se humilha, ao vosso
Espírito que se abate para se levantar!
Quando assim fizerdes; quando compreenderdes que
ser espírita não é ser homem, mas cristão; quando
souberdes dar todo o valor a essa graça que vos é
concedida pelo esposamento completo da doutrina que se
vos prega; quando, finalmente, vos convencerdes de que
éreis náufragos nesse mundo, e que Deus bondosamente
fez chegar às vossas mãos a tábua do Evangelho; então
podereis ir à casa do doente obsidiado e, dizendo
simplesmente — «A paz de Jesus esteja nesta casa» — o
doente terá a paz, terá a saúde no corpo e na alma, por
Jesus-Cristo, em nome do qual tereis ido praticar o bem,
cumprindo a sua lei!
Meus Irmãos! Meus dedicados Amigos! Não quero
fatigar o vosso companheiro.
O que vos tenho dito basta para compreenderdes o
modo por que deveis proceder quando vos achardes em
presença de um obsidiado.
Que Deus aclare o vosso entendimento, que Jesus,
por intermédio dos bons Guias, vos dê todas as intuições
do bem para a vossa felicidade nesse mundo e no mundo
onde vos espero.
Que assim seja!
Allan Kardec
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