Hermínio C. Miranda
A
ortodoxia religiosa sempre andou preocupada com a eclosão de doutrinas
reformistas e renovadoras que classifica sumariamente de heréticas. Essa
vigilância tem levado a muita perseguição injusta e a não poucos
arrependimentos e recuos. Alguns heréticos chegaram mesmo a passar da
condição de réprobos à canonização,como Joana D’ Arc,quando foi revisto o
seu processo. Outros,como Giodarno Bruno e Galileu,constituem até hoje
pontos sensíveis na história eclesiástica,como pecados da juventude que
não relembramos sem angústia.
O
problema,porém,tornou-se muito mais sério nestes últimos tempos,nos
quais o arcabouço teológico começa a estalar ao peso insuportável da
modernização do pensamento. Ainda que a ciência também tenha seus dogmas
e seus hereges,muito do que ela vai revelando adquire foros de
conquista irreversível,geralmente em sacrifício de velhos conceitos
superados.
Qualquer menino de ginásio
sabe hoje que um corpo humano não pode subir ao céu como querem os
dogmas da ascensão do Cristo e de Maria.
Mesmo
admitindo-se a atuação de uma força propulsora que os projetasse para
além da gravidade terrestre,os corpos assim deslocados,ficariam
suspensos no espaço a circular na órbita da terra ou de seu satélite.
Esse
tipo de conhecimento leva o homem moderno às trilhas da descrença por
não saber como conciliar razão e fé. Os grandes filósofos do
cristianismo ortodoxo conseguiram,com enorme sucesso e por largo espaço
de tempo,convencer fiéis de que a fé era uma coisa e razão outra,e que
aquela não poderia ser subordinada a esta.
Ainda
há quem admita esse conceito absurdo;outros,porém,preferem pensar por
sua própria cabeça e submeter à crítica da razão aquilo que lhes chega
envolvido pela atmosfera abafada da teologia escolástica. Estes derivam
para descrença e desanimam na busca da verdade ou partem para o estudo
sistemático de qualquer sistema que ofereça alguma luz ao entendimento
do universo.
O Espiritismo é a
doutrina que conseguiu,pela primeira vez,conciliar fé e razão,não
admitindo aquilo que não puder passar no teste do racionalismo
inteligente e esclarecido.
Por isso
vai se impondo metodicamente,seguramente,ampliando cada vez mais sua
área de influência,pois atrai a todos aqueles que,sem poderem mais
aceitar a velha crença divorciada da razão,estão prontos para acatar uma
verdade superior que não exige o sacrifício do raciocínio. Mas ainda:o
Espiritismo expõe uma doutrina do mais profundo sentido humanista. A sua
racionalidade não a levou à frieza dos símbolos matemáticos ou dos
meros conceitos filosóficos – é,antes,uma norma de vida,um roteiro para
compreensão do universo e posicionamento do homem na escala cósmica.
Por
isso,muitos nos procuram,o que preocupa,como é natural,os responsáveis
pela perpetuação do superado sistema dogmático. Através dos
séculos,chegou a ser desenvolvida uma verdadeira técnica de combate às
novas idéias que ameaçam a estabilidade da ortodoxia. Essa técnica se
aperfeiçoa com o passar do tempo,mas continua basicamente a mesma.
O
Espiritismo é uma das doutrinas que muito vem incomodando a igreja
especialmente a brasileira,ou seja,a porção brasileira do catolicismo
romano. Para combatê-los,vários e ilustres sacerdotes têm sido
investidos dos necessários poderes e dos competentes “Imprimatur” e
“Nihil Obstat”. Essa é a técnica básica.
Há
algum tempo,entretanto,a dominante do plano de ataque era a velha
doutrina de interferência do diabo nas manifestações mediúnicas. Hoje
isto seria inadmissível,pois até mesmo os sacerdotes já descobriram que
essa história de demônio é fantasia pura. A prova está nas declarações
de alguns eminentes teólogos perante o Concílio Vaticano-II. Impedidos
assim de invocar o demônio de atacar a ciência nas suas conquistas mais
legítimas,buscam qualquer princípio científico que ofereça a mínima
possibilidade de apoio. Esse é o ponto em que variou a técnica.
Um
dos recursos de que estão se socorrendo os nossos queridos irmãos
sacerdotes é a Parapsicologia,na qual vêm depositando grandes e
infundadas esperanças.
A
Parapsicologia ainda não está muito segura de si e sofre dum renitente
mal de origem,que poderíamos chamar,recorrendo ao velho grego,de
pneumofobia,ou seja,medo do espírito. A jovem ciência que nós
espíritas,poderíamos classificar como autêntica reencarnação da
Metapsíquica,treme à idéia de acabar descobrindo o espírito humano e
foge da palavra como,segundo se dizia,o desmoralizado diabo fugia da
cruz. Os modernos tratados de Parapsicologia giram todos em torno do
mesmo “leit motiv”:“O Alcance da Mente”,“O Novo Mundo da Mente”,“Ciência
Fronteiriça da Mente”,“Canais Ocultos da Mente”. É tudo mente e nada de
espírito. Sobrevivência?! Deus nos livre! Pois se nem quererem
concordar em que o espírito exista,como vão admitir que sobrevive? Nada
disso;tudo se explica pela faculdade extra-sensorial da mente. Mas que
faculdade é essa e que “Mente” é essa?
Vêm,então,os
nossos inevitáveis sacerdotes parapsicológicos deitar sabedoria
extra-sensorial,contaminados irremediavelmente pela mesmíssima
pneumofobia e tudo para eles é Mente também.
Topamos,assim,como esta incongruência,difícil de se admitir em homens que devem ter estudado a sua filosofia:
1 – a mente dispõe de faculdades extra-sensoriais (postulado cientifico que aceitam e ensinam);
2
– o espírito (alma) que não pode existir sem a mente;sobrevive à morte
física (postulado teológico que também aceitam e pregam);
3 – a mente (ou espírito ou alma) não está sujeita a limitação de tempo ou de espaço (também pacífico).
No
entanto,qual a conclusão:A mente do espírito sobrevivente que ligada ao
corpo,tinha recursos tão notáveis,não pode manifestá-los quando se
separa do corpo pela morte física,a não ser através do “milagre”(!).
E
os livros que contam essas coisas merecem ingênuos e inadvertidos
“Imprimatur” e “Nihil Obstat”,o que vale dizer que são
aprovados,confiantemente para o leitor católico;autoridades
Eclesiásticas respeitáveis dão cobertura do ponto de vista teológico a
obras que,do ângulo científico,estão oferecendo uma visão deformada e
incompleta da realidade. A Parapsicologia não tem substância suficiente
para oferecer base à teologia ortodoxa e jamais a terá,enquanto
permanecer contida nos seus gabinetes atuais.
No
dia em que o mecanismo do espírito (chamem de mente se quiserem) for
pesquisado por cientistas corajosos e despidos de preconceitos,vão ser
“revelados” os seguintes pontos que o Espiritismo conhece há mais de cem
anos:
1- que espírito existe,preexiste e sobrevive;
2- que há um intercâmbio ativo entre os homens que já viveram na Terra e os espíritos dos que vivem como homens;
3- que o espírito se reencarna,evolui e é responsável pelo que faz aqui e no mundo espiritual.
Diante
disso,como é que vão ficar os nossos padres parapsicólogos? Quando
voltarem para o espaço,depois da chamada “crise da morte” e quiserem
transmitir a realidade da sobrevivência ao companheiro encarnado,este
poderá dizer muito simplesmente que não é preciso admitir a comunicação
espírita;basta a pantomnésia ou a hiperestesia direta,ou indireta. E o
pobre espírito,dentro duma realidade irrecusável,irá amargar alhures a
repercussão de sua vaidade teológica e científica.
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