DO EGOÍSMO À ILUMINAÇÃO, UMA SÍNTESE DA JORNADA HUMANA
Toda a nossa doença, todo o nosso erro, é egoísmo. O ladrão, o assassino, o adúltero, o corrupto, o invejoso, o avaro, todos os errados erram sobrepondo, impondo, inchando sua figura ou denegrindo, traindo, eliminando a figura do outro. Sendo esse o erro essencial, a doença fundamental, a mãe de toda infelicidade, é preciso investigar, estudar e praticar todo o ato que, em vigilância a tal tendência, reconhecer o outro com generosidade, fraternidade, empatia, caridade, amor.
O ser humano não surgiu egoísta. As notícias que temos das sociedades tribais conduzem ao ponto de vista deísta, segundo o qual tudo existe e acontece por vontade de Deus, ou dos deuses, o que, é fácil constatar, atravessou os milênios e se faz presente na vida de bilhões de pessoas. Enquanto a obtenção dos alimentos, a defesa frente aos inimigos e às ameaças são toda a preocupação da criatura, e enquanto a solução para tais problemas depende quase que unicamente da natureza, a tendência do ser só pode mesmo ser a de pensar que tudo é Deus e dele depende.
Ainda hoje o agricultor, o pescador, o pastor, o marceneiro sabem respeitar a natureza, pois interagem diretamente com ela, sendo suas atividades um poderoso símbolo da necessidade de harmonização entre o externo e o interno. Para além do campo dos sentidos materiais, as diferentes formas de comunicações entre o humano e o divino, como provam rituais, religiões, a arqueologia e as escrituras mais antigas, são fenômeno comum a todos os povos, todos os quadrantes, nas culturas mais primitivas e nas mais desenvolvidas, através de sonhos, intuições, clarividências, clariaudiências, obsessões, psicofonias, materializações, transporte, cura, psicografias.
Na medida em que o ato humano veio demonstrar a capacidade da criatura de alteração, intervenção, invenção, imposição de sua vontade frente à realidade que vive e junto aos seres com quem convive, desenvolveu-se outra forte tendência. Realmente, a primeira grande conquista do ser é a descoberta de si, marcando a passagem do animal para o homem primitivo, seja na história da humanidade, seja na do indivíduo. Não é difícil perceber que, a cada vida, o homem rememora em seu novo corpo toda a história vivida até o momento, desde que a célula – superando a agregação em tecidos e órgãos – alcançou a experiência da união criativa.
Pois, também para a humanidade, as gradativas conquistas cotidianas foram formando a consciência de si. A caça, o domínio sobre a reprodução, o poder sobre o grupo, as primeiras conquistas tecnológicas, a religião, a riqueza, a ciência, a cultura e o esporte foram constituindo afirmações crescentes do engenho humano. Como em tudo, viajamos de um extremo a outro, passando o homem a viver como se ele fosse o centro do mundo, muito embora tenha sido convidando também, desde os primeiros momentos, para a segunda grande conquista humana, a descoberta do universo do outro, pela evidência de pouco poder realizar sozinho.
Em busca de si e do outro, cada campo da atividade humana acabou compondo uma área de interesse, com histórias, tecnologias e conquistas próprias, cultivando inteligência, sagacidade e coragem, forjando os conceitos de heroísmo, genialidade, liderança e celebridade, bem como os de coletividade, cultura e nação. Inicialmente, entretanto, forjou-se a idéia de que vitórias, êxitos e sucesso devem-se unicamente à capacidade do eu, apenas abrangendo depois um outro que é extensão do eu: a minha família, a minha classe, o meu sexo, a minha raça, o meu grupo, a minha nacionalidade, gerando a guerra, a dominação, a exploração, a manipulação em todos os campos, o materialismo e o egoismo. Bilhões de criaturas humanas estão ainda assim congeladas.
Com tremendas consequências para as relações entre pessoas, povos, sexos, raças, faixas etárias, na relação com a natureza, passamos do limite até onde poderíamos chegar com esse ponto de vista. A auto-suficiência, maximizada nas guerras militares e comerciais vem realizando estragos na humanidade, fazendo com que bilhões de seres vivam como fossem seres apartados da natureza e da Divindade, como reedições do pecado original, se auto-expulsando do paraíso por afastar-se de Deus reiteradamente, inclusive através de religiões que aprofundaram a cisão com a ciência devido a interesses econômicos e políticos, na tentativa de apartar a criatura de sua própria capacidade de pensar.
A lei do progresso, gravada na alma humana como o desejo de desenvolver-se e realizar-se, agora induz-nos a seguir a marcha do conhecimento e da evolução. Caminhos para um desenvolvimento harmonioso já sempre se apresentavam, tanto ao ponto de vista deísta quanto para as coletividades exclusivas e mesmo para o egoísta, demonstrando que não precisávamos estacionar por tantos séculos nessas alternativas extremistas. Ainda hoje, no entanto, são poucas as instituições que tentam reaproximar esses campos, ainda são muito raros e preciosos os caminhos de fusão entre religião, filosofia e ciência num todo de conhecimento. A reaproximação entre o humano e o divino, por isso, avança lentamente no campo racional, essa fundamental asa para o vôo da nossa iluminação.
Todos os caminhos espirituais, porém, em sua origem, propõem o caminho da reaproximação, da reconciliação pelo sentimento como caminho, como vemos direta e poderosamente em Jesus Cristo. Mas toda empatia, fraternidade, caridade e amor, necessitam de uma abertura na couraça humana da auto-suficiência para alcançar a cura do egoísmo, que é o amor à máscara, rumo ao amor ao verdadeiro ser que encontraremos nas profundezas, tanto em nós quanto no outro, e ainda no Todo.
Esse é o milagre fundamental da religação, da reunião, da fusão, da integração, da iluminação.
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