Estudo Sobre os Médiuns
Como intérpretes das comunicações espíritas, o papel
dos médiuns é extremamente importante e nunca daríamos
demasiada atenção ao estudo de todas as causas que os podem
influenciar, não apenas em seu próprio interesse, mas, também, no
daqueles que, não sendo médiuns, deles se servem como
intermediários, a fim de poderem julgar o grau de confiança que
merecem as comunicações que recebem.
Já dissemos que todas as pessoas, em maior ou menor
grau, são médiuns. Entretanto, convencionou-se dar esse nome
àqueles cujas manifestações são patentes e, por assim dizer,
facultativas. Ora, entre estes últimos as aptidões são muito
diversas: pode-se dizer que cada um tem a sua especialidade. Num
primeiro exame, duas categorias se desenham muito nitidamente:
os médiuns de efeitos físicos e os médiuns de efeitos intelectuais.
Os derradeiros apresentam numerosas variedades, das quais as
principais são: os escreventes ou psicógrafos, os desenhistas, os
falantes3, os audientes e os videntes. Os médiuns poetas, músicos e
poliglotas são variedades dos escreventes e falantes. Não
voltaremos às definições que já fornecemos sobre esses diversos
REVISTA ESPÍRITA
gêneros; apenas queremos lembrar o conjunto, de maneira sucinta,
para maior clareza.
De todos os gêneros de médiuns o mais comum é o
psicógrafo4; é a modalidade mais fácil de ser adquirida pelo
exercício. Eis por que, e com razão, para ela geralmente são
dirigidos os desejos e os esforços dos aspirantes. Apresenta duas
variantes, igualmente encontradas em diversas categorias: os
escreventes mecânicos e os escreventes intuitivos. Nos primeiros o
impulso da mão independe da vontade: move-se por si mesma, sem
que o médium tenha consciência daquilo que escreve, podendo,
inclusive, estar pensando em outra coisa. No médium intuitivo o
Espírito age sobre o cérebro; seu pensamento, por assim dizer,
atravessa o pensamento do médium, sem que haja confusão.
Conseguintemente, ele tem consciência do que escreve, por vezes
até mesmo uma consciência antecipada, por isso que a intuição
algumas vezes precede o movimento da mão; entretanto, o
pensamento expresso não é o do médium. Uma comparação muito
simples far-nos-á compreender esse fenômeno. Quando queremos
falar com alguém cuja língua não sabemos, servimo-nos de um
intérprete; este tem consciência do pensamento dos interlocutores;
deve entendê-lo para o poder expressar e, no entanto, esse
pensamento não é dele. Pois bem! O papel do médium intuitivo é
o de um intérprete entre nós e o Espírito. Ensinou-nos a
experiência que os médiuns mecânicos e os intuitivos são
igualmente bons, igualmente aptos a receber e a transmitir boas
comunicações. Como meio de convicção, sem dúvida, os primeiros
valem mais; quando, porém, a convicção é adquirida não há
preferência útil. A atenção deve voltar-se inteiramente para a
natureza das comunicações, isto é, para a aptidão do médium em
receber as comunicações dos Espíritos bons e maus; sob esse
aspecto, podemos dizer se ele é bem ou mal assistido. Toda a
questão se resume nisso, e essa questão é capital, porquanto
somente ela pode determinar o grau de confiança que ele merece;
4 N. do T.: Hoje parece ser mais comum a mediunidade de psicofonia.
MARÇO DE 1859
é o resultado de estudo e observações, pelo que recomendamos
nosso artigo anterior sobre os escolhos dos médiuns.
Com o médium intuitivo a dificuldade consiste em
distinguir os pensamentos que lhe são próprios daqueles que lhe
são sugeridos. Essa dificuldade também existe para ele; o
pensamento sugerido parece-lhe tão natural que muitas vezes
o toma como seu, duvidando de sua faculdade. O meio de o
convencer e de convencer os outros é exercitar essa faculdade com
freqüência. Então, no número das evocações às quais prestará seu
concurso, inúmeras circunstâncias se apresentarão, uma porção de
comunicações íntimas, de particularidades das quais não poderia ter
nenhum conhecimento prévio e que demonstrarão, de maneira
irrecusável, a completa independência do seu Espírito.
As diferentes variedades de médiuns repousam sobre
aptidões especiais, cujo princípio até agora não conhecemos
perfeitamente. À primeira vista e para as pessoas que não fizeram
um estudo sistematizado dessa ciência, parece não ser mais difícil a
um médium escrever versos do que escrever prosa; dir-se-á,
sobretudo se for médium mecânico, que tanto pode o Espírito
fazê-lo escrever numa língua estranha quanto desenhar ou ditar
música. Entretanto, não é assim que acontece. Embora a todo
instante estejamos vendo desenhos, versos e músicas feitos por
médiuns que, em seu estado normal não são desenhistas, nem
poetas, nem músicos, nem todos são aptos à produção dessas
coisas. Apesar de sua ignorância, possuem uma faculdade intuitiva
e uma flexibilidade que os transformam nos mais dóceis
instrumentos. Foi o que muito bem exprimiu Bernard Palissy
quando lhe perguntaram por que havia escolhido o Sr. Victorien
Sardou, que não sabe desenhar, para fazer seus admiráveis
desenhos; é porque – respondeu ele – eu o acho mais flexível. O
mesmo acontece com outras aptidões e, coisa bizarra, vimos
Espíritos que se recusavam a ditar versos a médiuns que conheciam
a poesia, ao passo que ditavam encantadores poemas a outros que
lhes desconheciam as regras. Isso vem provar uma vez mais que os
Espíritos têm livre-arbítrio e que é inútil tentar submetê-los aos
nossos caprichos.
Resulta das observações precedentes que o médium
deve seguir o impulso que lhe é dado, conforme sua aptidão; que
deve procurar aperfeiçoar essa aptidão pelo exercício, sabendo que
é inútil tentar adquirir a que lhe falta, por prejudicial à que possui.
De maneira alguma devemos forçar nosso talento, pois nada
faríamos com perfeição, disse La Fontaine; e podemos acrescentar:
nada faríamos de bom. Quando um médium possui uma faculdade
preciosa com a qual pode tornar-se verdadeiramente útil, que se
contente com ela e não procure uma vã satisfação ao amor-próprio
numa variante que enfraqueceria a faculdade primordial. Se esta
deve ser transformada, o que muitas vezes acontece, ou se deve
adquirir uma nova, isso virá espontaneamente e não por efeito de
sua vontade.
A faculdade de produzir efeitos físicos constitui uma
categoria bem nítida que raramente se alia às comunicações
inteligentes, sobretudo àquelas de elevado alcance. Sabe-se que os
efeitos físicos são peculiares aos Espíritos de classe inferior, como
entre nós as demonstrações de força são características dos
saltimbancos. Ora, os Espíritos batedores pertencem a essa classe
inferior; agem o mais das vezes por conta própria, para se
divertirem ou vexarem os outros, mas algumas vezes, também, por
ordem dos Espíritos elevados, que deles se servem, como nós dos
trabalhadores braçais. Seria absurdo acreditar que os Espíritos
superiores viessem divertir-se em bater nas mesas ou fazê-las girar.
Eles se servem desses meios, dizemos nós, através de
intermediários, seja para convencer-nos, seja para comunicar-se
conosco quando não dispomos de outros meios; mas os
abandonam tão logo possam agir de modo mais rápido, mais
cômodo e mais direto, como nós abandonamos o telégrafo aéreo
desde que passamos a ter o telégrafo elétrico. De modo algum os
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efeitos físicos devem ser desprezados, porque, para muitas pessoas,
são um meio de convicção; aliás, eles oferecem precioso material de
estudo sobre as forças ocultas; mas é notável que os Espíritos
geralmente os recusam aos que deles não necessitam ou, pelo
menos, os aconselham a com eles não se ocuparem de modo
particular. Eis o que a propósito ditou o Espírito São Luís, na
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:
“Zombaram das mesas girantes, mas não zombarão
jamais da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas
comunicações sérias. Aquelas foram o vestíbulo da ciência, onde,
ao entrar, devemos deixar os preconceitos, assim como se deixa a
capa. Não vos poderei senão estimular a fazer de vossas reuniões
uma assembléia séria: que se façam demonstrações físicas, que se
veja, que se escute, mas que entre vós haja compreensão e amor. O que
imaginais parecer aos olhos dos Espíritos superiores quando fazeis
girar uma mesa? Ignorantes. O sábio gastará seu tempo em repisar
o á-bê-cê da Ciência? Ao contrário, em vos vendo rebuscar as
comunicações inteligentes e instrutivas, sereis considerados como
homens sérios, em busca da verdade.”
É impossível resumir de maneira mais lógica e mais
precisa o caráter dos dois gêneros de manifestações. Aquele que
recebe comunicações elevadas deve-as à assistência dos Espíritos
bons: é uma prova da simpatia destes por ele; renunciar a elas para
procurar os efeitos materiais é deixar uma sociedade de escol por
outra mais ínfima. Querer aliar as duas coisas é atrair todos os seres
antipáticos e, nesse conflito, é provável que os bons se vão e que os
maus permaneçam. Longe de nós desprezar os médiuns de efeitos
físicos; eles têm sua razão de ser, seu objetivo providencial; prestam
incontestáveis serviços à ciência espírita; mas quando um médium
possui uma faculdade que o põe em contato com seres superiores,
não compreendemos que dela abdique, ou que deseje outras, a não
ser por ignorância. Muitas vezes a ambição de querer ser tudo faz
com que se acabe não sendo nada.
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