A Caminho da Luz

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

PARTE PRIMEIRA NOÇÕES PRELIMINARES CAPÍTULO







PARTE PRIMEIRA
NOÇÕES PRELIMINARES
CAPÍTULO
1

HÁ ESPÍRITOS?


1 A dúvida em relação à existência dos Espíritos tem como causa
primária a ignorância quanto à sua verdadeira natureza. Geralmente, são
imaginados como seres à parte na criação, desnecessários e inúteis.
Muitos os conhecem somente pelos contos fantásticos com que foram
embalados quando crianças, mais ou menos como se conhece a história
pelos romances, sem indagar se nesses contos, isentos dos acessórios
ridículos, há ou não um fundo de verdade. Só o lado absurdo os impressiona,
e eles não se dão ao trabalho de tirar a casca amarga para descobrir
a amêndoa; rejeitam o todo, como fazem, na religião, aqueles que,
chocados com alguns abusos, nivelam tudo na mesma reprovação.
Qualquer que seja a idéia que se faça dos Espíritos, essa crença está
necessariamente fundada na existência de um princípio inteligente fora
da matéria, e é incompatível com a negação absoluta desse princípio.
Tomamos, portanto, como nosso ponto de partida a existência, a sobrevivência
e a individualidade da alma, da qual o espiritualismo* é a demonstração
teórica e dogmática e o Espiritismo é a demonstração patente.
Façamos por um instante abstração das manifestações propriamente ditas
e, raciocinando por indução, vejamos a quais conseqüências chegaremos.
2 A partir do momento em que se admite a existência da alma e sua
individualidade após a morte, é preciso admitir também:
1o) que é de natureza diferente do corpo e, uma vez dele separada,
não tem as propriedades características do corpo; 2o) que possui consciência
de si mesma, uma vez que se atribui a ela a alegria ou o sofrimento;
de outro modo seria um ser inerte, e assim de nada valeria para nós tê-la.
Admitido isso, essa alma terá que ir para alguma parte; em que se
transforma e para onde vai? Conforme a crença comum, vai para o céu ou
para o inferno; mas onde é o céu e o inferno? Dizia-se antigamente que o
céu ficava em cima, e o inferno, embaixo. Mas onde é o alto e o baixo no
* Espiritualismo: diz-se no sentido oposto ao do materialismo (academia); crença na existência da
alma espiritual e imaterial. O espiritualismo é a base de todas as religiões (N.E.).

universo, desde que se sabe que a Terra é redonda, que o movimento dos
astros faz com que o que é alto em um determinado momento torne-se
baixo em doze horas e que conhecemos o infinito do espaço, onde o
olhar mergulha em distâncias inimagináveis? É verdade que por lugares
inferiores ou baixos se entende também as profundezas da Terra; mas o
que são agora essas profundezas desde que foram pesquisadas pela
geologia? Igualmente, em que se transformaram essas esferas concêntricas
chamadas de céu de fogo, céu de estrelas, desde que se constatou
que a Terra não é o centro dos mundos, que nosso próprio Sol é apenas um
dos milhões de sóis que brilham no espaço e que cada um deles é o centro
de um turbilhão planetário? Qual é a importância da Terra perdida nessa
imensidão? Por que privilégio injustificável esse grão de areia imperceptível,
que não se distingue nem por seu volume, nem por sua posição, nem por um
papel particular, seria o único povoado com seres racionais? A razão se
recusa a admitir essa inutilidade do infinito, e tudo nos diz que esses mundos
são habitados. Se são povoados, fornecem, portanto, seu contingente ao
mundo das almas, uma vez que a astronomia e a geologia destruíram as
moradas que lhes eram designadas e especificamente depois que a teoria
tão racional da pluralidade dos mundos as multiplicou ao infinito?
A doutrina de um lugar determinado para as almas não está de acordo
com os dados da ciência, mas outra doutrina mais lógica lhes dá por
morada não um lugar determinado e limitado, mas o espaço universal: é
todo um mundo invisível no meio do qual vivemos, que nos rodeia continuamente.
Haverá nisso uma impossibilidade, algo que repugne a razão?
De modo algum; tudo nos diz, ao contrário, que não pode ser de outra
maneira. Mas, então, em que se transformam os castigos e as recompensas
futuras, se lhes tiramos os lugares especiais de exame? Notemos
que a incredulidade em relação a esses castigos e recompensas é geralmente
decorrente por se apresentarem esses locais em condições
inadmissíveis. Mas, dizei, em vez disso, que as almas levam sua felicidade
ou infelicidade em si mesmas; que sua sorte está subordinada ao seu
estado moral e que a reunião das almas simpáticas e boas é uma fonte
de felicidade; que, de acordo com seu grau de depuração, penetram e
entrevêem coisas inacessíveis às almas grosseiras, e todo mundo o compreenderá
facilmente. Dizei ainda que as almas somente chegam ao grau
supremo pelos esforços que fazem para melhorar e depois de uma série
de provas que servem para sua depuração; que os anjos são as almas
que chegaram ao último grau, grau este que todos podem atingir por sua
vontade; que os anjos são os mensageiros de Deus, encarregados de
velar pela execução de seus desígnios em todo o universo, que são

felizes com suas missões gloriosas, e dareis à sua felicidade um objetivo
mais útil e mais atraente do que o de uma contemplação perpétua, que
não seria outra coisa senão uma inutilidade perpétua; dizei, enfim, que os
demônios são nada mais, nada menos do que as almas dos maus ainda
não depuradas, mas que podem chegar, como as outras, à mais elevada
perfeição, e isso parecerá mais de acordo a justiça e a bondade de Deus
do que a doutrina de seres criados para o mal, perpetuamente voltados
para o mal. Enfim, eis aí o que a razão mais severa, a lógica mais rigorosa,
o bom senso, em uma palavra, podem admitir.
Acontece que essas almas que povoam o espaço são precisamente
o que se chamam de Espíritos; os Espíritos são a alma dos homens sem o
seu corpo físico. Se os Espíritos fossem seres criados à parte, sua existência
seria hipotética; mas, se admitirmos que há almas, também é
preciso admitir que os Espíritos não são outros senão almas; se admitirmos
que a alma está em todos os lugares, é preciso admitir igualmente que os
Espíritos estão em todos os lugares. Não se pode, por conseguinte, negar
a existência dos Espíritos sem negar a das almas.
3 Na verdade, isso é somente uma teoria mais racional do que a
outra; mas já é admirável que uma teoria não contradiga nem a razão nem
a ciência; se, além disso, é confirmada pelos fatos, tem a seu favor o
privilégio do raciocínio e da experiência. Encontramos esses fatos no
fenômeno das manifestações espíritas, que são a prova patente da
existência e da sobrevivência da alma. No entanto, muitas pessoas, e aí
também está inclusa a sua crença, admitem sem dúvida a existência das
almas e por conseguinte a dos Espíritos, mas negam a possibilidade de
se comunicar com eles, pela razão, dizem, de que seres imateriais não
podem agir sobre a matéria. Essa dúvida está fundada na ignorância da
verdadeira natureza dos Espíritos, dos quais se faz, geralmente, uma idéia
muito falsa, porque são erradamente concebidos como seres abstratos,
vagos e indefinidos, o que não corresponde à realidade.
Imaginemos, primeiramente, o Espírito em sua união com o corpo; o
Espírito é o ser principal, é o ser pensante e sobrevivente; o corpo é
apenas um acessório do Espírito, um envoltório, uma vestimenta que ele
deixa quando está estragada. Além desse envoltório material, o Espírito tem
um segundo, semimaterial, que o une ao primeiro; na morte, o Espírito se
despoja do corpo físico, mas não do segundo envoltório, ao qual damos
o nome de perispírito*. Esse envoltório semimaterial, que tem a forma
* Perispírito: (do grego péri, ao redor). Envoltório semimaterial do Espírito. Nos encarnados, serve
de laço ou intermediário entre o Espírito e a matéria; nos Espíritos errantes, constitui seu corpo
fluídico (N.E.).

humana, constitui para ele um corpo fluídico, vaporoso, que, embora
invisível para nós em seu estado normal, não deixa de possuir algumas
propriedades da matéria. O Espírito não é, portanto, um ponto, uma
abstração, mas um ser limitado, ao qual falta apenas ser visível e palpável
para ser igual aos seres humanos. Por que, então, não haverá de agir
sobre a matéria? É por que seu corpo é fluídico? Mas não é entre os
fluídos, os mais rarefeitos, os considerados imponderáveis, a eletricidade,
por exemplo, que o homem encontra as suas mais poderosas forças? E
não é certo que a luz imponderável exerce uma ação química sobre a
matéria ponderável? Nós não conhecemos a natureza íntima do perispírito;
mas, supondo-o formado da matéria elétrica, ou outra tão sutil quanto ela,
por que não teria a mesma propriedade ao ser dirigido por uma vontade?
4 A existência da alma e a de Deus, que são conseqüência uma da
outra, são a base de todo o edifício e, antes de iniciar qualquer discussão
espírita, é importante se assegurar de que o interlocutor admite essa base.
Acredita em Deus?
Acredita ter uma alma?
Acredita na sobrevivência da alma após a morte?
Se ele responder negativamente ou se disser simplesmente: Não sei;
gostaria que fosse assim, mas não tenho certeza, o que, muitas vezes,
equivale a uma negação benevolente ou educada disfarçada sob uma
forma menos chocante para evitar ferir muito francamente o que ele chama
de preconceitos respeitáveis, será tão inútil ir além quanto tentar demonstrar
as propriedades da luz a um cego que não admite a luz. Porque, definitivamente,
as manifestações espíritas não são outra coisa a não ser os
efeitos das propriedades da alma. Com um interlocutor assim, é necessário
seguir uma ordem diferente de idéias, se não se quer perder tempo.
Admitida a base, não a título de probabilidade, mas como coisa
averiguada, incontestável, a existência dos Espíritos será uma decorrência
natural.
5 Agora resta saber se o Espírito pode se comunicar com o homem,
ou seja, se pode haver entre ambos troca de pensamentos. E por que
não? O que é o homem, senão um Espírito aprisionado num corpo? Por
que o Espírito livre não poderia se comunicar com o Espírito cativo, como
um homem livre se comunica com um que está aprisionado? Desde que
se admita a sobrevivência da alma, é racional negar a sobrevivência das
afeições? Uma vez que as almas estão em todos os lugares, não é natural
pensar que a de um ser que nos amou durante a vida venha para perto de
nós, que deseje se comunicar conosco e que para isso se sirva de meios
que estão à sua disposição? Durante sua vida não agia sobre a matéria

de seu corpo? Não era ela, a alma, quem lhe dirigia os movimentos?
Por que razão após a morte do corpo e em concordância com um outro
Espírito ligado a um corpo não emprestaria esse corpo vivo para manifestar
seu pensamento, como um mudo pode se servir de uma pessoa que fala
para ser compreendido?
6 Separemos, por um instante, os fatos que, para nós, são incontestáveis
e admitamos a comunicação como simples hipótese; peçamos
que os incrédulos nos provem, não por uma simples negação, visto que
sua opinião pessoal não pode valer por lei, mas por razões evidentes e
inegáveis, que isso não é possível. Nós nos colocamos no seu terreno, e,
uma vez que querem apreciar os fatos espíritas com a ajuda das leis da
matéria, que tomem nesse arsenal alguma demonstração matemática,
física, química, mecânica, fisiológica e que provem por a mais b, sempre
partindo do princípio da existência e da sobrevivência da alma:
1o) que o ser que pensa em nós durante a vida não pode mais pensar
depois da morte;
2o) que, se pensa, não deve mais pensar nos que amou;
3o) que, se pensa nos que amou, não deve mais querer se comunicar
com eles;
4o) que, se pode estar em todos os lugares, não pode estar ao nosso
lado;
5o) que, se pode estar ao nosso lado, não pode comunicar-se conosco;
6o) que, por meio de seu corpo fluídico, não pode agir sobre a matéria
inerte;
7o) que, se pode agir sobre a matéria inerte, não pode agir sobre um
ser animado;
8o) que, se pode agir sobre um ser animado, não pode dirigir sua mão
para fazê-lo escrever, e
9o) que, podendo fazê-lo escrever, não pode responder às suas
questões nem lhes transmitir seus pensamentos.
Quando os adversários do Espiritismo nos demonstrarem que isso
não pode acontecer, por meio de razões tão patentes quanto as com
que Galileu demonstrou que não é o Sol que gira ao redor da Terra, então
poderemos dizer que suas dúvidas têm fundamento; infelizmente, até agora
toda a sua argumentação se resume nestas palavras: Não acredito,
portanto isso é impossível. Eles nos dirão, sem dúvida, que cabe a nós
provar a realidade das manifestações; nós as provamos pelos fatos e
pelo raciocínio; se não admitem nem um nem outro, se negam até mesmo
o que vêem, devem eles provar que nosso raciocínio é falso e que os
fatos espíritas são impossíveis.

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