A Caminho da Luz

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

CAPÍTULO 2 O MARAVILHOSO E O SOBRENATURAL


CAPÍTULO
2
O MARAVILHOSO E O SOBRENATURAL
7 Se a crença nos Espíritos e nas suas manifestações fosse uma
concepção isolada, produto de um sistema, poderia, com certa razão,
ser considerada ilusão; mas nos digam, então, por que é encontrada tão
clara entre todos os povos antigos e modernos, nos livros santos de todas
as religiões conhecidas? Alguns críticos dizem: é porque o homem sempre
amou o maravilhoso em todos os tempos. “Então, o que é maravilhoso
para vós?” “Maravilhoso é o sobrenatural.” “O que entendeis por sobrenatural?”
“O que é contrário às leis da natureza é sobrenatural.” “Então
deveis conhecer tão bem essas leis que julgais possível fixar um limite ao
poder de Deus? Pois bem! Então provai que a existência dos Espíritos e
suas manifestações são contrárias às leis da natureza; que não é nem
pode ser uma dessas leis.” Examinai a Doutrina Espírita e vede se o seu
encadeamento não tem todos os caracteres de uma lei admirável, que
resolve tudo o que as filosofias não puderam resolver até o momento. O
pensamento é um dos atributos do Espírito; a possibilidade que ele tem
de agir sobre a matéria, de impressionar nossos sentidos e, por conseguinte,
de transmitir seu pensamento, resulta, se podemos nos exprimir
assim, de sua constituição fisiológica; portanto, não há no fato nada de
sobrenatural, nada de maravilhoso. Que um homem morto, e bem morto,
reviva corporalmente, que seus membros dispersos se reúnam para formar
novamente o corpo, isso sim seria o maravilhoso, o sobrenatural, o fantástico;
isso seria contrário a Lei, que Deus somente pode realizar por um
milagre; mas não há nada semelhante na Doutrina Espírita.
8 Entretanto, havereis de dizer, “admitis que um Espírito pode erguer
uma mesa e mantê-la no espaço sem ponto de apoio”; não é isso contrário
a lei da gravidade? Sim, da lei conhecida; mas será que a natureza disse
a sua última palavra? Antes que se tivesse experimentado a força ascensional
de certos gases, quem diria que uma máquina pesada, levando
muitos homens, pudesse se erguer do chão e superar a força de atração?
Aos olhos de pessoas simples, isso não deve parecer maravilhoso, diabólico?
Aquele que tivesse proposto, há séculos, transmitir um telegrama,
uma mensagem, a 3.300 quilômetros e receber a resposta em segundos
teria passado por louco; se o tivesse feito, teriam dito que era coisa do
diabo, porque apenas o diabo seria capaz de agir tão rapidamente. Por que
um fluido desconhecido não teria a propriedade, nessas circunstâncias, no

caso da mesa que se ergue, de contrabalançar o efeito da gravidade,
como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? Notemos isso de
passagem, é uma comparação, e não uma assimilação, unicamente para
mostrar, por pontos de semelhança, que o fato não é impossível. Acontece
que foi precisamente quando os sábios, na observação dos fenômenos
espíritas, quiseram proceder pelo caminho da assimilação que eles se
enganaram. Contudo, o fato está aí; todas as negações não poderão fazer
com que ele deixe de existir, porque para nós negar não é provar. Não
tem nada de sobrenatural, é tudo o que podemos dizer no momento.
9 Se o fato está constatado, dirão, nós o aceitamos; aceitamos até
mesmo a causa que o origina, um fluido desconhecido; mas e a intervenção
dos Espíritos? Isso é maravilhoso, sobrenatural.
Aqui seria preciso toda uma demonstração sem sentido e, aliás, repetitiva,
pois sobressai em todo ensinamento. Entretanto, para resumi-la em
algumas palavras, diremos que a teoria está fundada sobre o seguinte
princípio: todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Do ponto
de vista da prática, diremos que os fenômenos espíritas, tendo dado
provas de inteligência, hão de ter sua causa fora da matéria; que essa
inteligência não sendo a dos assistentes, como se comprovou, deve estar
fora deles; uma vez que não se via o ser agindo, era, portanto, um ser
invisível. Foi assim que, de observação em observação, se chegou a conhecer
que esse ser invisível, ao qual se deu o nome de Espírito, não era
outro senão a alma dos que viveram corporalmente, aos quais a morte
despojou de seu grosseiro corpo físico, deixando-lhes apenas um envoltório
etéreo, invisível em seu estado normal. Eis, assim, o maravilhoso e o
sobrenatural reduzidos à sua expressão mais simples. Uma vez constatada
a existência de seres invisíveis, sua ação sobre a matéria resulta da
natureza de seu envoltório fluídico; é uma ação inteligente, visto que, ao
morrer, deixaram o corpo, mas conservaram a inteligência, que é sua
essência. Nisso está a chave de todos esses fenômenos considerados
erroneamente sobrenaturais. A existência dos Espíritos não é, em vista
disso, um sistema preconcebido, uma hipótese imaginada para explicar
os fatos; é o resultado de observações e a conseqüência natural da
existência da alma; negar essa causa é negar a alma e seus atributos. Se
aqueles que pensam poder dar a esses efeitos inteligentes uma solução
mais racional, podendo principalmente explicar a razão de todos os fatos,
queiram fazê-lo, e então se poderá discutir o mérito de cada um.
10 Aos olhos dos que consideram a matéria a única força da natureza,
tudo o que não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso ou
sobrenatural, e maravilhoso é, para eles, sinônimo de superstição. Partindo
dessa idéia, a religião, fundada sobre um princípio imaterial, seria uma

bocapequena”,
e acreditam salvar as aparências ao concordar que é preciso
uma religião para o povo e para tornar as crianças boazinhas e educadas;
acontece que de duas coisas uma: ou o princípio religioso é verdadeiro
ou é falso; se é verdadeiro, é para todos; se é falso, não é melhor para os
ignorantes do que para as pessoas esclarecidas.
11 Os que atacam o Espiritismo em nome do maravilhoso se apóiam
geralmente no princípio materialista, uma vez que, negando todo efeito
extramaterial, negam, por isso mesmo, a existência da alma; sondai o
fundo de seu pensamento, estudai bem o sentido de suas palavras e vereis
quase sempre esse princípio, categoricamente formulado ou camuflado
sob as aparências de uma pretensa filosofia racional com que o encobrem.
Ao rejeitar por conta do maravilhoso tudo o que decorre da existência da
alma, estão rigorosamente conseqüentes consigo mesmos; não admitindo
a causa, não podem admitir os efeitos; daí haver entre eles uma opinião
preconcebida que os torna incapazes de um julgamento imparcial do Espiritismo,
visto que partem do princípio de negar tudo o que não é material.
Quanto a nós, pelo fato de admitirmos os efeitos que são a conseqüência
da existência da alma, será que aceitamos todos os fatos qualificados
de maravilhosos, que somos defensores de todos os sonhadores, que
somos adeptos de todas as utopias*, de todos os sistemas excêntricos e
estranhos? Seria preciso conhecer bem pouco o Espiritismo para supor
dessa maneira; mas nossos adversários não pensam assim. A obrigação
de conhecer aquilo de que falam é o menor de seus cuidados. Para eles,
o maravilhoso é absurdo; o Espiritismo se apóia nos fatos maravilhosos,
logo é absurdo: é para eles um julgamento sem apelação, sem contestação.
Acreditam apresentar um argumento sem réplica1 quando, após terem
feito pesquisas eruditas sobre os convulsionários de Saint-Médard2,
* Utopia: projeto irrealizável; quimera; fantasia (N.E.).
1 - Allan Kardec refere-se aqui a questões que muitas vezes foram trazidas à baila pelos contestadores
dos fatos espíritas, mas que a própria Doutrina Espírita não aceita, que contesta e esclarece (N.E.).
2 - Em 1729 Paris foi sacudida por uma febre de milagres que estariam ocorrendo no cemitério de
Saint-Médard junto ao túmulo do padre François de Paris, desencarnado dois anos antes e que em
vida, muito humilde e caridoso, havia se dedicado aos pobres. Pertencia o padre François à facção
dos jansenistas, que pregavam uma vida austera e de grande rigor moral e que mantinham muitos
pontos discordantes com o Vaticano. Os milagres ocorriam no túmulo do referido padre e na área
que o circundava; as pessoas chegavam a fazer com a terra à volta de sua sepultura um beberragem
para se curar das doenças. Esses fatos acabaram por causar um terrível celeuma, porque as coisas
degeneraram para o fanatismo e o acirramento dos ânimos. Por fim, depois de investigar o caso, a
autoridade clerical de Paris proibiu as visitas ao túmulo do padre e a entrada de pessoas no cemitério,
e no portão se lia afixado o seguinte aviso: Proibe-se a Deus, em nome do rei, que neste lugar faça

conclusão de fraude indiscutível que ninguém contesta; mas essas histórias
têm fundamento no Espiritismo? Os espíritas alguma vez negaram
que o charlatanismo havia explorado alguns fatos em seu proveito, que
a imaginação havia criado muitos deles e que o fanatismo tivesse exagerado
muito? O Espiritismo não é solidário com as extravagâncias que
se pode cometer em seu nome, assim como a verdadeira ciência não o é
com os abusos da ignorância nem a verdadeira religião não o é com os
excessos do fanatismo. Muitos críticos apenas comparam o Espiritismo
aos contos de fadas e lendas populares, que são ficções: seria como
julgar a história pelos romances históricos ou as tragédias.
12 Em lógica elementar, para discutir um assunto, é preciso conhecê-
lo, porque a opinião de um crítico somente tem valor quando ele fala
com perfeito conhecimento de causa; somente assim sua opinião, ainda
que contrária, pode ser levada em consideração; mas qual é seu peso
quando analisa uma matéria que não conhece? O verdadeiro crítico deve
provar não somente erudição, mas também um saber profundo no que
diz respeito à causa em estudo, um julgamento sadio e uma imparcialidade
a toda prova, senão o primeiro violinista que aparecesse poderia achar-se
no direito de julgar Rossini, e um pintor de paredes, de censurar Rafael.
13 O Espiritismo não aceita todos os fatos considerados maravilhosos
ou sobrenaturais; longe disso; ele demonstra a impossibilidade de um
grande número deles e o ridículo de certas crenças que são, propriamente
falando, superstições. É verdade que, naquilo que ele admite, há coisas que
para os incrédulos são puramente do maravilhoso, ou seja, da superstição.
Que seja. Mas então que se discutam apenas esses pontos, pois sobre
os outros não há nada a dizer, e pregais em vão. Ao atacar o que ele
mesmo refuta, provais vossa ignorância do assunto, e vossos argumentos
caem no vazio. Haverão de perguntar: Mas até onde vai a crença no Espiritismo?
Lede, observai e o sabereis. Toda ciência se adquire somente
3 - Os calvinistas (desde 1685) haviam sido declarados hereges pela Igreja Romana. Na França,
chamados huguenotes, depois de muitas perseguições, se refugiaram na região montanhosa
de Cévennes, no centro da França, onde, organizados, ofereceram heróica resistência, chegando
a lutar com paus e pedras contra os exércitos de nobres católicos comandados por Luis XIV.
Entre eles ocorreram fatos mediúnicos extraordinários, mas que com o tempo, premidos pelas
circunstâncias, acabaram por redundar em exagero, fanatismo e mistificações de vários gêneros.
Os calvinistas acabaram trucidados (1713) da mais cruel e violenta maneira que se pode
imaginar (N.E.).
4 - Entre as religiosas de Loudun surgiram fatos mediúnicos admiráveis que causaram grande
agitação, mas que logo caminharam para a exaltação fanática e a mistificação, como ficou
comprovado (N.E.).

com o tempo e o estudo; acontece que o Espiritismo, que toca as questões
mais graves da filosofia, em todos os ramos da ordem social, que compreende
ao mesmo tempo o homem físico e o homem moral, é por si só
toda uma ciência, uma filosofia, que não pode ser apreendida em algumas
horas, como qualquer outra ciência. Haveria tanta infantilidade em ver todo
o Espiritismo confinado a uma mesa giratória como em ver toda física
resumida a alguns jogos infantis. Para todos os que não querem ficar na
superfície, não são horas, mas meses e anos que serão precisos para
sondar o conjunto, todo o edifício. Que se julgue, diante disso, o grau de
saber e o valor da opinião dos que atribuem a si o direito de julgar por
terem visto uma ou duas experiências como distração ou passatempo.
Dirão, sem dúvida, que não têm tempo disponível para dar atenção a
esse estudo; nada os obriga a isso; mas, quando não se tem tempo de
aprender uma coisa, não se deve falar sobre ela, e ainda menos julgá-la,
se não quiser ser tachado de leviandade; acontece que, quanto mais se
ocupa uma posição elevada na ciência, menos se é desculpável por tratar
levianamente de um assunto que não se conhece.
14 Podemos resumir da seguinte maneira o que acabamos de expor:
1o) todos os fenômenos espíritas têm como princípio a existência da
alma, sua sobrevivência ao corpo e suas manifestações;
2o) esses fenômenos, estando fundados numa lei da natureza, não
têm nada de maravilhoso nem de sobrenatural, no sentido vulgar destas
palavras;
3o) muitos fatos são considerados sobrenaturais por não se lhes
conhecer a causa; o Espiritismo, ao lhes definir a causa, os traz para o
domínio dos fenômenos naturais;
4o) entre os fatos qualificados de sobrenaturais, há muitos que o Espiritismo
demonstra classificando-os entre as crenças supersticiosas;
5o) ainda que o Espiritismo reconheça em muitas das crenças populares
um fundo de verdade, não aceita de modo algum como fatos espíritas
histórias fantásticas criadas pela imaginação;
6o) julgar o Espiritismo pelos fatos que ele não admite é dar prova de
ignorância e emitir uma opinião sem valor;
7o) a explicação dos fatos admitidos pelo Espiritismo, suas causas e
conseqüências morais constituem toda uma ciência e toda uma filosofia,
que requer um estudo sério, perseverante e aprofundado, e
8o) o Espiritismo somente pode considerar crítico sério aquele que
haja visto tudo, estudando e aprofundado-se, com a paciência e a perseverança
de um observador consciencioso; que soubesse tanto sobre o
assunto quanto o mais esclarecido dos seus estudiosos; que tivesse


alcançado seus conhecimentos em outros lugares que não nos romances
da ciência; a quem não se poderia apresentar nenhum fato que ele não
conhecesse, nenhum argumento sobre o qual não tivesse meditado; que
contestasse não por meras negações, mas com argumentos mais convincentes;
que pudesse, enfim, comprovar uma causa mais lógica aos fatos
averiguados. Esse crítico ainda está por vir.
15 Mencionada a palavra milagre, uma breve consideração sobre o
assunto não estará deslocada neste capítulo sobre o maravilhoso.
No seu significado primitivo e pela sua etimologia, a palavra milagre
significa coisa extraordinária, coisa admirável de ver; mas esta palavra,
como muitas outras, se degenerou do sentido original, e hoje se diz
(segundo a Academia) um ato do poder divino contrário às leis comuns da
natureza. Este é, de fato, seu significado usual, e é somente por comparação
e de maneira figurada que se aplica às coisas comuns que nos
surpreendem e cuja causa é desconhecida. Não é de modo algum nossa
intenção examinar se Deus pôde julgar útil, em algumas circunstâncias,
abolir as leis estabelecidas por Ele mesmo; nosso objetivo é demonstrar
unicamente que os fenômenos espíritas, por mais extraordinários que
possam parecer, não anulam de modo algum essas leis, não têm nenhum
caráter miraculoso nem são maravilhosos ou sobrenaturais. O milagre
não se explica; os fenômenos espíritas, ao contrário, se explicam de modo
racional; não são, portanto, milagres, mas simples efeitos que têm sua
razão de ser nas leis gerais. O milagre ainda tem uma outra característica:
o de ser raro e isolado. Acontece que, a partir do momento em que um
fato se reproduz, por assim dizer, à vontade e por diversas pessoas, não
pode ser considerado um milagre.
A ciência todos os dias faz milagres aos olhos dos ignorantes; eis
porque antigamente os que sabiam mais que as pessoas comuns eram
considerados bruxos e, como se acreditava que toda ciência sobrehumana
vinha do diabo, eram queimados. Hoje estamos muito mais
civilizados; contentam-se em enviá-los aos manicômios.
Que um homem realmente morto, como dissemos, seja trazido de
volta à vida por intervenção divina, eis aí um verdadeiro milagre, porque
isso é contrário às leis da natureza. Mas, se esse homem tiver apenas a
aparência da morte, se ainda há nele um resto de vitalidade latente e se
a ciência, ou uma ação magnética, conseguir reanimá-lo, será para as
pessoas esclarecidas um fenômeno natural, mas, aos olhos de um ignorante,
o fato passará por miraculoso, e o autor da façanha será perseguido
a pedradas ou venerado, conforme o caráter dos indivíduos. Que no meio
de certo campo magnético um físico lance um papagaio magnetizado e

como possuidor de um poder diabólico; diga-se de passagem, Prometeu
nos parece ter singularmente precedido Franklin6; mas Josué7, parando o
movimento do Sol, ou antes da Terra, operou verdadeiro milagre, porque
não conhecemos nenhum magnetizador dotado de tão grande poder para
operar esse prodígio. De todos os fenômenos espíritas, um dos mais extraordinários
é, sem dúvida, o da escrita direta, que demonstra do modo
mais evidente a ação das inteligências ocultas; mas o fato do fenômeno
ser produzido por seres invisíveis não é mais miraculoso do que todos
os outros fenômenos que se devem aos Espíritos, porque esses seres
que povoam os espaços são um dos poderes da natureza, cuja ação é
incessante sobre o mundo material e sobre o mundo moral.
O Espiritismo, ao nos esclarecer sobre esse poder, nos dá a chave
para uma multidão de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer
outro meio que, em tempos antigos, passaram por prodígios, milagres;
ele revela, como no magnetismo, uma lei, senão desconhecida, pelo
menos mal compreendida; ou, melhor dizendo, uma lei da qual se conheciam
os efeitos, visto que produzidos em todos os tempos, mas não se
conhecia a lei, e foi a ignorância dessa lei que gerou a superstição. Conhecida
a lei, o maravilhoso desaparece, e os fenômenos entram na ordem
das coisas naturais. Eis por que os espíritas não fazem mais milagres ao
fazer uma mesa girar ou os mortos escreverem do que o médico ao reviver
um moribundo ou o físico ao atrair um raio. Aquele que pretendesse, com
a ajuda dessa ciência, fazer milagres seria um ignorante em relação ao
assunto ou um farsante.
16 Os fenômenos espíritas, do mesmo modo que os fenômenos
magnéticos, antes que se tivesse conhecido a sua causa, devem ter
sido considerados prodigiosos; acontece que, da mesma forma que os
descrentes, os muito inteligentes, os donos da verdade, que julgam ter
o privilégio exclusivo da razão e do bom senso, não acreditam que uma
coisa seja possível quando não a compreendem; eis porque todos os
5 - Prometeu: deus do fogo na mitologia grega. Formou o homem do limo da terra e em
seguida roubou o fogo celeste (do céu) para lhe dar vida, sendo por isso castigado. Foi acorrentado
no alto de uma montanha, onde diariamente um abutre lhe devorava o fígado, que renascia
continuamente (N.E.).
6 - Benjamim Franklin (1706-1790): jornalista, político e diplomata norte-americano que exerceu
grande influência na formação da consciência republicana da nação que se formava, os
Estados Unidos. Deve-se a ele a invenção do pára-raios (N.E.).
7 - Josué: personagem bíblico. Rei dos hebreus que sucede Moisés na condução do seu povo
para a Terra Prometida e que, segundo relato bíblico, teria parado o Sol (ver no Velho Testamento
– Livro de Josué) (N.E.).

fatos considerados milagres são motivo para suas zombarias; como a
religião contém um grande número de fatos desse gênero, não acreditam
na religião, e daí para a incredulidade absoluta é apenas um passo. O
Espiritismo, ao explicar a maior parte desses fatos, lhes dá uma razão
de ser. Ele vem, portanto, em ajuda à religião, ao demonstrar a possibilidade
de certos fatos que, por não terem mais o caráter miraculoso,
não são menos extraordinários, e Deus não é nem menor nem menos
poderoso por não ter abolido suas leis. De quantos gracejos as levitações
de São Cupertino8 não foram alvo! Acontece que a levitação dos corpos
pesados é um fato explicado pelo Espiritismo; nós, pessoalmente, fomos
testemunhas oculares, e o senhor Home9, assim como outras pessoas
de nosso conhecimento, repetiu muitas vezes o fenômeno produzido
por São Cupertino. Portanto, esse fenômeno enquadra-se na ordem das
coisas naturais.
17 No número dos fatos desse gênero, é preciso pôr em primeiro
lugar as aparições, por serem mais freqüentes. A de Salette10, que divide
até mesmo o clero, não tem nada de estranho para nós. Seguramente,
não podemos afirmar que o fato aconteceu, por não possuirmos a prova
material; mas, para nós, é possível, uma vez que milhares de fatos semelhantes
e recentes são de nosso conhecimento; acreditamos nisso não
somente porque conhecemos fatos semelhantes, mas porque sabemos
perfeitamente a maneira como se produzem. Quem quiser se reportar à
teoria das aparições, da qual trataremos mais adiante, verá que esse
fenômeno é tão simples e tão autêntico quanto uma multidão de fenômenos
físicos que se contam como prodigiosos apenas por falta de se
ter a chave que os explique. Quanto à personagem que se apresentou a
Salette, é outra questão; sua identidade não foi de modo algum demonstrada;
simplesmente admitimos que uma aparição pode ter acontecido, o
resto não é de nossa competência; é respeitável que cada qual possa
guardar suas convicções a respeito; o Espiritismo não tem que se ocupar
disso; dizemos somente que os fenômenos espíritas nos revelam novas
8 - São Cupertino: tinha em elevado grau a mediunidade de levitação, que exercia com muita
facilidade (N.E.).
9 - Daniel Dunglas Home (1833-1886): extraordinário médium escocês. Exibiu em todo o
mundo a sua mediunidade de levitação em espetáculos muito concorridos e submeteu-a a
testes e análises de muitos cientistas, entre eles William Crookers, em 1869, em Londres. Sir
Arthur Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes), na sua obra História do Espiritismo (Editora
Pensamento) dedica-lhe um capítulo, em que se pode aquilatar um perfil do grande médium D. D.
Home (N.E.).
10 - Salette: refere-se à aparição de Maria Santíssima a duas crianças em 1846 na França –
A Virgem de La Salette (N.E.).

sobrenaturais;
se alguns dos fatos que passaram por miraculosos encontram
nele uma explicação lógica, é motivo suficiente para não se apressar a
negar o que não se compreende.
Os fenômenos espíritas são contestados por algumas pessoas precisamente
porque parecem estar além da lei comum e por elas não os
saberem explicar. Dai-lhes uma base racional e a dúvida cessa. O esclarecimento
no século dezenove, de muita conversa inútil, é um poderoso
motivo de convicção; temos visto todos os dias pessoas que não foram
testemunhas de nenhum fato espírita, que não viram nenhuma mesa
girar, nenhum médium escrever e que estão tão convencidas quanto
nós unicamente porque leram e compreenderam. Se acreditássemos
apenas no que os olhos podem ver, nossas convicções se reduziriam a
bem pouca coisa













Nenhum comentário:

Postar um comentário