...
Depois do entendimento
com os internados, o Instrutor Druso aquiesceu em dispensar-nos alguns minutos
de conversação educativa.
Explanara brilhantemente
sobre o problema das provas na experiência terrestre. Alertara-nos quanto à
necessária renovação mental nos padrões do bem, destacando a necessidade do
estudo, para a assimilação do conhecimento superior, e do serviço ao próximo,
para a colheita de simpatia, sem os quais todos os caminhos da evolução surgem
complicados e difíceis de ser transitados.
Junto dele, enquanto
prelecionava, fora colocada singular escultura — uma estátua notável
reproduzindo o corpo humano, transparente aos nossos olhos, à qual apenas
faltava o sopro espiritual para revelar-se viva.
Patenteavam-se, ali, à
nossa visão, todos os órgãos e apetrechos do carro físico, sob a proteção do
sistema nervoso e do sistema sanguíneo.
O coração, à maneira de
um grande pássaro no ninho das artérias enrodilhadas na árvore dos pulmões; o
fígado, à feição de um condensador vibrante; o estômago e os intestinos como
digestores técnicos e os rins, quais aparelhos complexos de filtragem,
convidavam-nos a profunda admiração; contudo, nosso maior interesse
concentrava-se no sistema endocrínico, no qual as glândulas se salientavam por
figurações de luz. A epífise, a hipófise, a tireóide, as paratireóides, o timo,
as supra-renais, o pâncreas e as bolsas genésicas caracterizavam-se, perfeitas,
sobre o fundo vivo dos centros perispirituais, que se combinavam uns com os
outros, em sutilíssimas ramificações nervosas, singularmente ajustadas, através
dos plexos, emitindo cada centro irradiações próprias, constituindo-se o
conjunto num todo harmônico, que nos impelia à contemplação
extática.
Percebendo-nos a
surpresa, o chefe da casa disse, bondoso:
— Habitualmente
convidamos a atenção de nossos internados para os veículos de nossas
manifestações, mostrando-lhes, quanto possível, a correspondência entre nossos
estados espirituais e as formas de que nos servimos. É indispensável
compreendamos que todo mal por nós praticado conscientemente expressa, de algum
modo, lesão em nossa consciência e toda lesão dessa espécie determina distúrbio
ou mutilação no organismo que nos exterioriza o modo de ser. Em todos os planos
do Universo, somos espírito e manifestação, pensamento e forma. Eis o motivo por
que, no mundo, a Medicina há de considerar o doente como um todo psicossomático,
se quiser realmente investir-se da arte de curar.
E, tocando a bela
escultura à nossa vista, continuou:
— Da mente clareada pela
razão, sede dos princípios superiores que governam a individualidade, partem as
forças que asseguram o equilíbrio orgânico, por intermédio de raios ainda
inabordáveis à perquirição humana, raios esses que vitalizam os centros
perispiríticos, em cujos meandros se localizam as chamadas glândulas endócrinas,
que, a seu turno, despedem recursos que nos garantem a estabilidade do campo
celular. Como é óbvio, nas criaturas encarnadas esses elementos se
consubstanciam nos hormônios diversos que atuam sobre todos os órgãos do corpo
físico, através do sangue. O homem comum, que já conhece a tiroxina e a
adrenalina, energias fabricadas pela tireóide e pelas supra-renais, com
influência decisiva no trabalho circulatório, nos nervos e nos músculos, não
ignora que todas as demais glândulas de secreções internas produzem recursos que
decidem sobre saúde e enfermidade, equilíbrio e desequilíbrio nos indivíduos
encarnados. Ora, em substância, como é fácil de ver, todos os estados acidentais
das formas de que nos utilizamos, no espaço e no tempo, dependem, assim, do
comando mental que nos é próprio. É por isso que a justiça, sendo instituto
fundamental de ordem, na Criação, começa invariavelmente em nós mesmos, em toda
e qualquer ocasião que lhe defraudemos os princípios. A evolução para Deus pode
ser comparada a uma viagem divina. O bem constitui sinal de passagem livre para
os cimos da Vida Superior, enquanto que o mal significa sentença de interdição,
constrangendo-nos a paradas mais ou menos difíceis de reajuste.
Aproveitando breve pausa,
Hilário observou:
— É admirável o trabalho
educativo em andamento nas zonas inferiores, com vistas à
reencarnação...
— Inegavelmente —
respondeu o instrutor. — É preciso informar a todos os nossos irmãos, em vias de
retorno ao círculo dos homens, que o corpo carnal, com as tarefas que lhe são
conseqüentes, vale por verdadeiro prêmio da Bondade Divina, que é necessário
valorizar.
Aqui, nas esferas
purgatoriais, contamos com verdadeiras multidões de criaturas desencarnadas que
procedem do mundo, em deploráveis crises alucinatórias, após malversarem os bens
da vida humana. Muitas, por infelicidade da própria ignorância, não puderam
acomodar.. a qualquer tipo de concepção religiosa, entretanto, milhões de
pessoas, longe do respeito pela fé maternal que as esclarecia, nos compromissos
esposados perante Deus, entregavam-se, conscientemente, à crueldade mental,
cavando ruína e amargura para si mesmas. porque o mal infligido a outrem era
sempre mal que amontoavam sobre as suas cabeças. É assim que, desentrançadas da
matéria densa, aqui aportam, batidas pelo remorso e pelo arrependimento,
padecendo frustrações lamentáveis, quando não estacionam por tempo mais ou menos
longo em furnas expiatórias, nas quais, presas de antigos adversários ou de
velhos comparsas do vicio, sofrem tristes alterações em seus centros de força, a
se lhes expressarem na mente por desequilíbrios funestos. Depois de acolhidas em
nosso pouso de amor, refazem-se a pouco e pouco... A reencarnação retificadora,
isto é, a internação na carne em condições penosas, surge por alternativa
inevitável. Será preciso renascer, suportando os obstáculos tremendos, oriundos
da desarmonia perispirítica criada por nós mesmos. Ainda assim, quanto possível,
antes do novo berço entre os homens, é imprescindível melhorar as contas... Daí
o motivo por que instituições qual a nossa funcionam, em vários campos das
regiões inferiores, que, na velha teologia, equivalem a regiões infernais... O
que, porém, existe, de fato, é o imenso Umbral, situado entre a Terra e o Céu,
dolorosa região de sombras, erguida e cultivada pela mente humana, em geral
rebelde e ociosa, desvairada e enfermiça. Os companheiros desencarnados que
despertam, devagarinho, para a responsabilidade de viver, encarando face a face
o imperativo do renascimento difícil no mundo, passam a trabalhar aqui
laboriosamente, vencendo óbices terríveis e superando tempestades de toda a
sorte, para a conquista dos méritos que descuraram durante a permanência no
corpo, de modo a implantarem, no próprio espírito, os valores morais de que não
prescindem para a sustentação de novas e abençoadas lutas no plano
material.
O orientador, mostrando o
olhar coruscante de entendimento e carinho, à feição do professor emérito e
bondoso que deseja o progresso dos aprendizes, fez longa pausa e
perguntou-nos:
—
Compreenderam?
— Sim, sim... —
respondemos a um só tempo, interessados em maior amplitude da
lição.
— É assim que todos nós —
continuou ele —, para o recomeço das lides carnais, solicitamos o regime de
sanções, ou alguém, quando não disponhamos do direito de fazê-lo, no-lo obtém,
suplicando-o, em nosso benefício, às autoridades superiores.
— Regime de sanções? —
indagou Hilário, surpreendido.
— Perfeitamente. Não nos
reportamos aqui às medidas de natureza moral, pelas quais enfrentamos,
compreensivelmente, na família consangüínea ou na intimidade da luta, a
reaproximação com os Espíritos de que sejamos devedores de paciência e ternura,
tolerância e sacrifício, na solução de certas dívidas que nos obscurecem a
senda, mas sim a providências retificantes, depois de muitas quedas reiteradas
nos mesmos deslizes e deserções, que imploramos em favor de nós e em nós mesmos,
quais sejam as deficiências congeniais com que ressurgimos no berço físico.
Aqueles que por vezes diversas perderam vastas oportunidades de trabalho na
Terra, pela Ingestão sistemática de elementos corrosivos, como sejam o álcool e
outros venenos das forças orgânicas, tanto quanto os inveterados cultores da
gula, quase sempre atravessam as águas da morte como suicidas indiretos e,
despertando para a obra de reajuste que lhes é indispensável, imploram o
regresso à carne em corpos desde a infância inclinados à estenose do piloro, à
ulceração gástrica, ao desequilíbrio do pâncreas, à colite e as múltiplas
enfermidades do intestino que lhes impõem torturas sistemáticas, embora
suportáveis, no decurso da existência inteira. Inteligências notáveis, com
sucessivas quedas morais, através da leviandade com que se utilizaram do esporte
e da dança, espalhando desespero e Infortúnio nos corações afetuosos e
sensíveis, pedem formas orgânicas ameaçadas de paralisia e reumatismo, visitadas
de achaques e neoplasmas diversos, que lhes obstem os movimentos demasiado
livres. Companheiros que, em muitas circunstâncias, se deixaram envenenar pelos
olhos e pelos ouvidos, comprometendo-se em vasta rede de criminalidade, através
da calúnia e da maledicência, imploram veículos fisiológicos castigados por
deficiências auditivas e visuais que lhes impeçam recidivas desastrosas.
Intelectuais e artistas que despedem sagrados recursos do espírito na perversão
dos sentimentos humanos, por intermédio da criação de imagens menos dignas,
rogam aparelhos cerebrais com inibições graves e dolorosas para que, nas
reflexões de temporário ostracismo, possam desenvolver as esquecidas qualidades
do coração. Homens e mulheres que abusaram de dotes físicos, manobrando a beleza
e a perfeição das formas para disseminar a loucura e o sofrimento naqueles que
lhes admitiam as falsas promessas, solicitam corpos vulneráveis às dermatoses
aflitivas, quais o eczema e a tumoração cutânea, ou portadores de alterações da
tireóide que os constranjam a reiteradas lutas educativas. Grandes faladores que
escarneceram da divina missão do verbo, conturbando multidões ou enlouquecendo
almas desprevenidas, suplicam doenças das cordas vocais, para que, atravessando
afonias periódicas, desistam de tumultuar os espíritos por intermédio da palavra
brilhante. E milhares de pessoas que transformaram o santuário do sexo numa
forja de perturbações para a vida alheia, arruinando lares e infelicitando
consciências, imploram equipamentos físicos atormentados por lesões importantes
no campo genésico, experimentando, desde a puberdade, inquietantes
desequilíbrios ovarianos e testiculares. A cegueira, a mudez, a idiotia, a
surdez, a paralisia, o câncer, a lepra, a epilepsia, o diabete, o pênfigo, a
loucura e todo o conjunto das moléstias. dificilmente curáveis significam
sanções instituídas pela Misericórdia Divina, portas a dentro da Justiça
Universal, atendendo-nos aos próprios rogos, para que não venhamos a perder as
bênçãos eternas do espírito a troco de lamentáveis ilusões humanas.
— Mas, existem institutos
especiais que providenciem, por exemplo, as irregularidades orgânicas pedidas
para a reencarnação? — perguntou meu colega, intrigado.
O interlocutor generoso
sorriu, significativamente, e acentuou:
— Sim, Hilário, a Bondade
do Senhor é infinita e permite-nos a graça de suplicar os impedimentos a que nos
referimos, porque o reconhecimento de nossas fraquezas e transgressões nos faz
imenso bem ao espírito endividado. A humildade, em qualquer situação, acende luz
em nossas almas, gerando, em torno de nós, abençoados recursos de simpatia
fraterna. Entretanto, ainda mesmo que não pedíssemos a aplicação das penas de
que necessitamos, nossa posição não se modificaria, porquanto a prática do mal
opera lesões imediatas em nossa consciência, que, entrando em condição
desarmônica, desajusta, ela própria, os centros de força em que se mantém. Desse
modo, os nossos institutos de trabalho para a reencarnação colaboram para que
todos venhamos a receber na ribalta terrestre a vestimenta carnal
merecida.
— Então, de que vale a
súplica, rogando essa ou aquela medida, atinente à nossa
reeducação?
— Oh! não formule
semelhante problema! — falou Druso em voz grave. — A prece, no sentido a que
aludimos, é sempre um atestado de boa-vontade e compreensão, no testemunho da
nossa condição de Espíritos devedores... Sem dúvida, não poderá modificar o
curso das leis, diante das quais nos fazemos réus sujeitos a penas múltiplas,
mas renova-nos o modo de ser, valendo não só como abençoada plantação de
solidariedade em nosso benefício, mas também como vacina contra reincidência no
mal. Além disso, a prece faculta-nos a aproximação com os grandes benfeitores
que nos presidem os passos, auxiliando-nos a organização de novo roteiro para a
caminhada segura.
Meu companheiro guardou,
reverente, a anotação e considerou:
— Caro instrutor,
depreendemos da elucidação que, ao nos reencarnarmos, conduzimos conosco os
remanescentes de nossas faltas, que nos partilham o renascimento, na máquina
fisiológica, como raízes congeniais dos males que nós mesmos
plantamos...
— Perfeitamente —
acentuou o mentor amigo —, nossas disposições, para com essa ou aquela
enfermidade no corpo terrestre, representam zonas de atração magnética que dizem
de nossas dívidas, diante das Leis Eternas, exteriorizando-nos as deficiências
do espírito.
Druso meditou alguns
instantes, como se estivesse ponderando no íntimo a. gravidade do assunto, e
apreciou:
— Nossas assertivas não
excluem, decerto, a necessidade da assepsia e da higiene, da medicação e do
cuidado preciso, no tratamento dos enfermos de qualquer procedência. Desejamos
simplesmente acentuar que a alma ressurge no equipamento físico transportando
consigo as próprias falhas a se lhe refletirem na veste carnal, como zonas
favoráveis à eclosão de determinadas moléstias, oferecendo campo propicio ao
desenvolvimento de vírus, bacilos e bactérias inúmeros, capazes de conduzi-la
aos mais graves padecimentos, de acordo com os débitos que haja contraído, mas
também carreia consigo as faculdades de criar no próprio cosmo orgânico todas as
espécies de anticorpos, imunizando-Se contra as exigências da carne, faculdades
essas que pode ampliar consideravelmente pela oração, pelas disciplinas
retificadoras a que se afeiçoe, pela resistência mental ou pelo serviço ao
próximo com que atrai preciosos recursos em seu favor. Não podemos esquecer que
o bem é o verdadeiro antídoto do mal.
— Ainda assim — ajuntou
Hilário —, será lícito recordar que os animais igualmente sofrem moléstias
diagnosticáveis, como sejam a aftose, a raiva e a pneumonia...
— Como também as plantas
experimentam enfermidades peculiares, reclamando adubos e fungicidas — completou
o mentor, sorrindo.
E
acrescentou:
— A dor é ingrediente dos
mais importantes na economia da vida em expansão. O ferro sob o malho, a semente
na cova, o animal em sacrifício, tanto quanto a criança chorando, irresponsável
ou semiconsciente, para desenvolver os próprios órgãos, sofrem a dor-evolução,
que atua de fora para dentro, aprimorando o ser, sem a qual não existiria
progresso. Em nosso estudo, porém, analisamos a dor-expiação, que vem de dentro
para fora, marcando a criatura no caminho dos séculos, detendo-a em complicados
labirintos de aflição, para regenerá-la, perante a Justiça... É muito
diferente...
— Curioso! — exclamou
Hilário — não havia pensado ainda em semelhantes conceitos... Dor-evolução,
dor-expiação...
— Como temos ainda
dor-auxílio — atalhou Druso, benevolente.
— Como
assim?
E percebendo a surpresa
que se nos estampava no rosto, o orientador aduziu:
— Em muitas ocasiões, no
decurso da luta humana, nossa alma adquire compromissos vultosos nesse ou
naquele sentido. Habitualmente, logramos vantagens em determinados setores da
experiência, perdendo em outros. Ás vezes, interessamo-nos vivamente pela
sublimação do próximo, olvidando a melhoria de nós mesmos. E assim que, pela
intercessão de amigos devotados à nossa felicidade e à nossa vitória, recebemos
a bênção de prolongadas e dolorosas enfermidades no envoltório físico, seja para
evitar-nos a queda no abismo da criminalidade, seja, mais freqüentemente, para o
serviço preparatório da desencarnação, a fim de que não sejamos colhidos por
surpresas arrasadoras, na transição da morte. O enfarte, a trombose, a
hemiplegia, o câncer penosamente suportado, a senilidade prematura e outras
calamidades da vida orgânica constituem, por vezes, dores-auxílio, para que a
alma se recupere de certos enganos em que haja incorrido na existência do corpo
denso, habilitando-se, através de longas reflexões e benéficas, disciplinas,
para o ingresso respeitável na Vida Espiritual.
Druso, no entanto, a essa
altura, foi chamado a outras linhas de ação, deixando-nos entregues aos nossos
pensamentos.
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