Assistimos à ruína das religiões,
ou melhor, dos ritos e formas culturais, porque a religião, em seu princípio, em
sua essência, isto é, o vôo da Alma para o Infinito, a aspiração das
Inteligências para o ideal divino, a religião é indestrutível, quanto o é a
Verdade, inesgotável quanto o amor, inalterável quanto a beleza. O que deve
perecer e tende, dia a dia, a extinguir-se, são as velhas fórmula dogmáticas, o
farisaísmo antigo, as disciplinas envelhecidas. É todo o aparelhamento
sacerdotal e o culto dos ídolos. A Religião Católica, em particular, abate-se ao
peso de suas faltas seculares. A Igreja Romana, desde há muito, não passa de
potência política. Seus pontífices desconheceram a própria missão; seus padres
perderam o senso da iniciação profunda e sagrada dos primeiros cristãos. Assim
se acentuou, pela abolição da Concordata e pela atitude do papa, durante a
última guerra, a ruptura entre a Igreja e a sociedade moderna, a cisão entre o
espírito de Roma e o do século. * * * Assistimos igualmente ao desabamento da
Ciência, não da verdadeira Ciência, como o pretendia Brunetière, porque esta não
pode perecer – (a trabalhadora que jamais depõe a sua balança) –, mas da ciência
materialista, a que dominou o mundo durante mais de cem anos. Há meio século,
Ernest Renan publicava um livro sobre o Futuro da Ciência, livro habilmente
concebido, que teve certa voga, e no qual profetizava a desaparição, em breve
termo, do mistério que, sob formas diversas, surge em desafio ao pensamento
humano. O mistério subsistiu... Multiplicou-se, mesmo, graças à recente
descoberta da radioatividade dos corpos e do desenvolvimento dos fenômenos
psíquicos.
Outros exemplos farão ver até que ponto a ciência oficial,
proclamando vitórias sobre a Matéria, mostrou-se impotente para resolver as
grandes questões que têm tratado da Alma humana e de suas faculdades. Nos seus
Enigmas do Universo, escreveu Haeckel: “Enquanto o enigma da substância, que
recapitula todos os outros enigmas, não for resolvido, nada se terá feito para a
satisfação do espírito humano.” Um dos mestres da ciência moderna, Henri
Poincaré, a quem a morte surpreendeu em meio de seus trabalhos, demonstrava, em
uma de suas últimas obras, que a Ciência é, ainda, uma hipótese, e confessava
que as leis da Física estão para rever-se. D'Arsonval teve quase a mesma
linguagem, em seu curso no Colégio de França. Vejamos agora o que dizia sobre o
mesmo assunto William James, reitor da Universidade de Harvard, nas últimas
páginas de seu belo livro: A Experiência Religiosa. Ele declara não poder, “sem
ouvir uma demonstração interior”, colocar-se na atitude do homem de ciência qu e
não vê nada fora da sensação e das leis da Matéria.”. E algumas linhas mais
adiante: “Toda experiência humana, em sua viva realidade, impele-me
irresistivelmente a sair dos estreitos limites em que a Ciência pretende
confinar-se. O mundo real é diferentemente constituído, muito mais rico e mais
complexo que o da Ciência.”. É precisamente esse mundo real, o mundo psíquico,
que a maior parte dos nossos sábios não quer conhecer; em vez de estudar, como
deveriam, a vida, em suas altas manifestações, perdem-se na análise
infinitesimal; não vêem, por assim dizer, senão o pó das coisas e das idéias.
Faltaram sempre à ciência oficial a independência e a liberdade; apartou-se do
caminho, submetendo-se servilmente à autoridade da Igreja; em seguida,
enfeudou-se às doutrinas materialistas do século XVIII e, em seguida, ao
panteísmo germânico. Enfim, depois de quase um século, tornou-se o satélite do
Positivismo, essa doutrina incompleta, que se desinteressa sistematicamente do
maior problema que o espírito humano quer e deve resolver o da sua origem e de
seu destino. Ela se limita a arrastar pelo mundo fórmulas secas e banais,
semelhantes à “Vitória-aptera”, que, desprovida de asas, se achava condenada a
rastejar, sem poder elevar-se do solo. A Ciência céptica havia posto a lei do
número na base de tudo. Desde então, a vida tornou-se uma espécie de álgebra,
cujas equações nos levaram a uma ou a muitas incógnitas. Era andar em sentido
contrário ao da Natureza; porque o homem existe para criar e não para decompor;
para agir, e não unicamente para analisar. Esse sistema negativo havia tornado
estéreis os trabalhos dos sábios, e foi assim que vimos, desde muito, ir, pouco
a pouco, apagando-se, sob nossos olhos, os caracteres e as consciências, a arte,
o ideal e a beleza. Com efeito, a Ciência desconheceu a lei da estética,
consagrando o naturalismo que disseca a vida, em lugar de desenvolvê-la. Em
moral, preconizou o determinismo, que erige em princípio a i mpotência do
esforço e a renúncia à ação. Na ordem social, a pulverização, ao infinito, dos
poderes e das responsabilidades, dando em resultado, por momentos, a um estado
de coisas que confina com a desordem e a confusão. A Ciência, que tinha por
missão construir uma sociedade sobre bases novas, destruiu sem nada edificar.
Perdendo de vista as grandes altitudes, os grandes focos do pensamento, a
Ciência céptica resfriou o coração humano; destruiu o grau elevado que poetiza a
vida, que a torna suportável. Eis por que as gerações que surgem se mostram
desenganadas e reclamam outra coisa.
O problema político não oferece
menor gravidade. Sob a pressão dos acontecimentos, a maior parte das
instituições monárquicas desmoronou-se e a democracia triunfante estendeu-se
sobre suas ruínas; em seu seio, porém, surgiu uma crise intensa. Crescem e
espalham-se os elementos de anarquia. Os destinos da ciência materialista e os
do Socialismo atual estão em correlação; inspiram-se pelos mesmos métodos e
pelas mesmas fórmulas. É preciso convir, a democracia socialista de nossos dias
está em desacordo com o próprio princípio da Revolução. Esta era essencialmente
individualista; queria dar a cada um a livre iniciativa de seus atos pessoais. O
regime atual age diferentemente; tende a nivelar as individualidades fortes, e a
passar logicamente da igualdade de direito à igualdade de fato. Vai ao
coletivismo, isto é, à negação da pessoa humana e à sua absorção no todo social.
O “Estadismo” não nos desembaraçaria das mediocridades; bem ao contrário, seria,
por natureza, o seu proteto r. Não é também a regulamentação do trabalho, pela
coletividade, que dará ao proletariado a felicidade que os utopistas do dia
fazem luzir a seus olhos. Os homens são iguais, dir-se-á. Em seu sentido
histórico restrito, a fórmula pode parecer exata; mas não se poderia tratar aqui
de igualdade real, absoluta. Se os homens são iguais em direito, serão sempre
desiguais em inteligência, em faculdades, em moralidade. Afirmar o contrário
seria negar a lei da evolução, que, naturalmente, não age com a mesma eficácia
sobre todos os indivíduos. O homem livre na terra livre! Tal será o ideal social
do futuro. Mas, é preciso ter em conta a necessidade preliminar de outro fator:
a Fraternidade, que só pela harmonia pode estar em equilíbrio com a liberdade.
Têm fugido os séculos, desde a idade heróica dos primeiros cristãos, quando
estes vendiam quanto possuíam, para que os Apóstolos distribuíssem, entre todo o
preço dessa venda, segundo as necessidades de cada um. Esse princípio de verd
adeira fraternidade, lembrado por Mabli aos homens da Revolução, onde se
encontrará? Não é decerto nos costumes atuais, que o egoísmo caracteriza; é nas
aspirações da Alma humana, nesse movimento que agita os povos de um extremo a
outro da Terra; é no longínquo das idades futuras!... * * * Acabamos de passar
em revista as ruínas a que o século XX já assistiu. Falemos agora das renovações
que prepara e que executará. É sempre na ordem intelectual que as grandes
renovações começam. As idéias precedem e preparam os fatos. É a lógica da
História e a lei do progresso humano. O abuso dos métodos e dos processos de
análise tem estado a ponto de nos perder. Conseqüentemente, é mister preparar as
grandes sínteses, as concepções de conjunto. Eis que se estabelece um novo ponto
de vista para todas as coisas. Para aplicar métodos novos são precisos homens
novos. Para a ciência livre de amanhã, são necessários espíritos livres.
Enquanto os homens destas gerações, submetidos à disciplina da Igreja ou da
Universidade, não tiverem desaparecido, apenas se poderá esboçar a obra de
redenção do espírito humano. A Igreja com suas confissões e a Universidade com
seus exames quebrantaram a elasticidade da Alma e oprimiram os surtos do
pensamento. As vocações e as inteligências retraíram-se; ninguém teve o tempo e
o espaço necessário para sentir e viver plenamente.
Prepara-se,
entretanto, o trabalho de renovação. O século XIX e o começo do XX viram
aparecer os precursores. Os gênios não tardarão em vir. Em cada época da
História, conta-se certo número de Espíritos que pertencem mais ao século
seguinte do que àquele em que vivem. Shakespeare escreveu: “Os grandes
acontecimentos projetam diante de si sua sombra, antes que sua presença abale o
Universo.” Ora, os precursores viram essa sombra grandiosa desenhar-se-lhes no
caminho, em formas móveis e poderosas; pressentiram os fatos e adivinharam as
leis. Era o sinal de sua eleição intelectual e de sua vocação; mas, havia ali
também a razão do seu isolamento, de seu abandono, de seus sofrimentos em meio à
multidão, que os não podíamos compreender. Acontecimentos surgiram com grandeza
trágica. Durante mais de um quatriênio os povos se chocaram com abalos
formidáveis. A guerra prosseguiu em sua obra de ruína e de morte, ao mesmo tempo
em que varria muitos erros, ilusões e quimeras. Ao sopro da tempestade,
rasgaram-se as nuvens e apareceu um canto de céu azul. O décimo nono século foi
o século da Matéria; o vigésimo será o do Espírito. O décimo nono, perscrutando
a Natureza, fez surgir desconhecidas energias; o vigésimo revelar-nos-á forças
espirituais superiores a tudo quanto o homem sonhou, e o estudo dessas forças
nos conduzirá à solução do problema da vida e da morte. Os precursores são
grandes diante da História! São eles que esclarecem a marcha da Humanidade na
imensa estrada de seus destinos. Assemelham-se aos concorrentes do stadium
antigo, de que fala Lucrecio, e que passaram de mão em mão o facho da
inspiração. Sem eles, as renovações intelectuais do mundo não encontrariam os
caminhos abertos, nem os espíritos preparados. Entre eles podemos citar, de
nossos dias: Allan Kardec, Jean Reynaud, Flammarion, Victor Hugo, Crookes,
Myers, Lodge, etc. O livro de Myers, sobre A Personalidade Humana, termina por
uma bela síntese experimentalista. O autor demonstra que é preciso,
primeiramente, explicar o homem ao próprio homem. O aprender a conhecer o homem
leva ao conhecimento de Deus e do Universo. É o que havia recomendado o poeta
inglês Pope, em seu Ensaio sobre o homem. Mas as gerações passam, e é sempre
esquecido esse estado essencial do homem interior. O século XIX consagrou
incalculáveis recursos, imensos laboratórios ao estudo do universo material;
estendeu prodigiosamente o campo de suas observações e de suas experiências;
mas, o mundo ignorava ainda a constituição íntima do ser humano e as leis de seu
destino. Encontraram-se, pois, nossos legisladores na impossibilidade de
governar. Como, com efeito, dirigir homens, administrar povos, quando se ignora
ou se finge ignorar o grande princípio da vida? Daí surgiu o mal-estar de que
sofre hoje nosso país. O formidável problema do trabalho, com suas múltiplas
dificuldades, tem por origem esse erro capital. Não quis ver na pessoa humana
mais que um corpo a nutrir e explorar, e, pa rtindo daí, só houve a preocupação
das necessidades materiais. A luta pela vida tornou-se tão brutal quanto o era
no tempo dos bárbaros. O mal é grande, e não será sanado com sistemas empíricos.
Nem no Socialismo, sob a fórmula atual, nem no Catolicismo serão encontrados os
remédios.
Faz-se mister, em primeiro lugar, descobrir as causas para nos
atermos a elas. Ora, estas são, por assim dizer, constitucionais ao homem. Seus
erros, eis o que é preciso corrigir; suas paixões, eis o que é preciso combater,
agindo menos sobre as massas do que sobre o indivíduo. É ao todo, com efeito,
que se deve esclarecer e corrigir; é preciso cultivar e desenvolver o homem
interior em cada personalidade viva, se quisermos passar do reino da Natureza ao
do Espírito. Para a ciência nova, são necessários homens que conheçam a fundo as
leis superiores do Universo, o princípio da vida imortal e a grande lei da
evolução, que é uma lei de amor, e não uma lei de bronze, conforme o disse
Haeckel. Existe uma doutrina, ao mesmo tempo – velha quanto o mundo, e jovem
quanto o futuro, porque é eterna, sendo a Verdade; uma doutrina que resume todas
as noções fundamentais da vida e do destino; é o Espiritismo, e o livro de
Myers, acima citado, é o seu comentário científico. O Espiritismo f az erupção
no mundo; espalha-se por toda parte. Qual é a sociedade sábia, a revista
hebdomadária, o jornal cotidiano, que não se ocupa de seus fenômenos, de suas
manifestações, ainda que para negá-los, criticar, mascarar ou combater? O
Espiritismo é a questão do momento presente, o problema universal. Não é mais
possível quedar indiferente em face dele. E é precisamente porque essa invasão
espiritual enche os dois mundos e preocupa o pensamento humano, que acreditamos
dever insistir sobre os deveres que nos incumbem para com essa nova fé, essa
ciência, jovem e forte, que oferece provas irrefutáveis da vida depois da morte,
e contém, em gérmen, todas as ressurreições do futuro!... Relembramos, ao
terminar, o caráter sensível do Espiritismo moderno. Não é um sistema novo que
se vem juntar a outro, nem um conjunto de teorias vãs. É um ato solene do drama
da evolução que começa uma revelação que ilumina, ao mesmo tempo, as profundezas
do passado e do futuro, que faz surgir do pó dos séculos as crenças adormecidas,
as anima com uma nova chama e, completando-as, as faz reviver. É um sopro
poderoso que desce dos Espaços e corre sobre o mundo; sob sua ação, todas as
grandes verdades se revelam. Majestosas, emergem do crepúsculo das idades, para
desempenhar o papel que o pensamento divino lhes assinala. As grandes coisas se
fortificam no recolhimento e no silêncio. No olvido aparente dos séculos, colhem
energias novas. Retraem-se e preparam-se para os empreendimentos futuros. Acima
das ruínas dos templos, das civilizações extintas e dos impérios desmoronados,
acima do fluxo e do refluxo das marés humanas, uma voz poderosa se eleva; e esta
voz clama: Os tempos são vindos, os tempos são chegados! Das profundezas
estreladas descem à Terra os Espíritos em legião, para o combate da luz contra
as trevas. Não são mais os homens, os sábios e os filósofos que trazem uma
doutrina nova. São os Gênios do Espaço que vêm e sopram em nossos pensamentos os
ensinos cham ados a regenerar o mundo. São os Espíritos de Deus! Todos quantos
possuem o dom da clarividência os percebem pairando acima dos seres da Terra,
tomando parte em nossos trabalhos, lutando ao nosso lado para o resgate e a
ascensão da Alma humana.
Grandes feitos se preparam. Que se ergam os
trabalhadores do pensamento, se querem participar da missão oferecida por Deus a
todos os que amam a Verdade e a ela servem.
LÉON DENIS. O GRANDE
ENIGMA.
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